Sobre o filme da Lava Jato ou a pior peça publicitária da política, por Ronaldo Pagotto

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Por Ronaldo Pagotto
 
No Brasil de Fato
 
“Polícia Federal: a lei é para todos” foi lançado no cinema no dia 7 de setembro do ano passado, no contexto do golpe de 2016 e das adesões e críticas à Operação Lava Jato.
 
Vale destaque para o financiamento ter sido totalmente privado e parte dos financiadores mantidos sob segredo, ter tido um orçamento no valor oficial de R$ 16 milhões e sob direção de um jovem diretor, com dois filmes anteriores, duas comédias semi-adolescentes.
 
A sétima arte não é isenta. Bolcheviques adotaram o cinema para uso na propaganda, tentando acessar os milhões de russos analfabetos e carentes de informação sobre os rumos da revolução. Mas o uso mais profissional do cinema no trabalho político é obra de Hollywood.
 
Desde a década de 1930 o cinema dos EUA se dedica à política. Na guerra fria o cinema hollywoodiano deslanchou como um “braço” político, quase um departamento do Pentágono.
 
No Brasil sabemos bem como é essa disputa. Somos um país de alto consumo do cinema estadunidense, da máquina de propaganda do imperialismo.
 
O filme sobre a Lava Jato nasceu para cumprir um papel na disputa política e ideológica. E é uma peça de propaganda sem disfarce ou maior cuidado.
 
A começar pela proposta, o filme retrata a passos largos uma operação complexa e marcadamente ilegal. Principia com as investigações de lavagem de dinheiro. Sem se preocupar com misturar ficção e realidade, usa os nomes reais de todos os acusados. Já os nomes dos policiais, promotores e do juiz Sérgio Moro, são assemelhados em uma quase brincadeira ridícula. O delegado Igor Romário é vivido por Antônio Calloni com o nome de Ivan Romano.
 
Como mencionado, o filme é mal construído em termos de narrativa. Pula de uma etapa a outra em sobressaltos. E nas entrelinhas, os delegados, agentes e promotores federais se veem diante de uma operação com “gente graúda”, “perigosos”, etc. Há uma narrativa do começo ao fim que indica ser uma operação ameaçada por tudo e por todos. Parece que o mundo conspira contra esses bravos corajosos.
 
Esse é o contexto para a criação dos personagens do “lado do bem, todos heróis”. É um filme da velha tradição hollywoodiana de mocinhos versus bandidos, encaixando-se no gênero Thriller, mas feito às pressas por um diretor de comédia querendo fazer uma semi-ficção policial.
 
Os pobres agentes da lei se veem pressionados, ameaçados e frustrados com a possibilidade da operação “abafa” prosperar. Esse é o pano de fundo mais desconexo do filme. Sem mostrar que a operação se vale de divulgações documentos colhidos legal e ilegalmente, entre eles as escutas arbitrárias e publicizadas ao bem sabor dos “pobres” coordenadores da operação. Certamente um expectador desavisado poderia cair nessa cantilena dos agentes como vítimas por terem se metido com os poderosos.
 
Rapidamente a narrativa vai para o centro do filme, o Partido dos Trabalhadores (PT). Delações, um mapa com a arquitetura do fluxo da corrupção, tudo indicando o chefão no centro.
 
Nesse quadro, entre a pressa do filme em caminhar em sobressaltos para chegar no alvo, com os agentes da lei temerosos de todas as ameaças e riscos, emerge um personagem discreto.
 
Como um Crawford – personagem central na busca do Hannibal Lecter, orientador quase invisível da jovem agente Clarice, eis que aparece o juiz Moro.
 
Discreto, aparentemente técnico, sem usar frases fortes, com uma aparência de um juiz normal cuidando dos seus afazeres, com uma vida normal é bastante humanizado. Discreto, cuidadoso, técnico, responsável, pai amoroso e atento, marido zeloso. Só aparece com imagens positiva, cenas reconfortantes, música suave, e parece fora do “Thriller” tenso, além de se relacionar com agentes do estado sob ameaça e riscos.
 
Com a pressa de um cinema amador qualquer, logo o filme chega naquele março de 2016. O juiz autoriza a condução coercitiva de Lula quase como uma operação para proteger o conduzido. Mensagem de “tenham cuidado com ele…não o exponham” e outras deixam uma imagem de absoluto cuidado com a legalidade e a integridade dele. Essa parte é uma das cenas mais patéticas do cinema pátrio. Digna de ser usada nos cursos de cinema, psicologia, sociologia, história, direito etc. Risível.
 
Aí a trama adentra na maldade maior. Ela busca demonstrar as evidências com muita imagem, áudio e trechos encadeados para compor uma denúncia pública. Os áudios criminosos com a presidenta Dilma Rousseff, especialmente no episódio do ministério, imagens do Triplex e do sítio de Atibaia abundam na trama. Isso é parte do jogo: a narrativa pretende ganhar a força das evidências quase da obviedade da conduta criminosa.
 
É aí que o filme chega no seu ápice. Decidida a condução, a operação vai ao prédio – imagem do prédio onde Lula vive – e entra em cena o ator Ary Fontoura para dar o seu show particular. Constrói um personagem rude, bruto, com uma tentativa de reprodução da voz de Lula, que beira a insensatez completa. Mas o papel desse octogenário é criar um personagem que o público pudesse odiar. Ou, no mínimo, ter uma ojeriza absoluta. Assim ele o fez.
 
O filme vai até esse ponto. Mostra os atos de reação à condução, imagens reais e fictícias, as “ameaças” dos petistas e a resistência do povo. Uma cena típica do pior cinema de propaganda. 
 
O filme foi construído com a velha divisão entre bandidos e mocinhos. Agentes do estado (policiais, promotores e um juiz) sob ameaça e violões poderosos do outro lado. Moro é a expressão do estado neutro. Lula é o político acostumado com a lei não ser “para todos”.
 
Obviamente que o filme não consegue demonstrar que a lei é para todos. Faz uma narrativa trôpega e apressada, uma adolescência completa para chegar logo no grande vilão.
 
Destaque para o uso de imagens de forte teor apelativo, mensagens de efeito que lembra as pornochanchadas e personagens muito cuidados para que demonstrem que são heróis sob ameaça e vilões prepotentes , antipáticos e dignos de causar nojo. Não construíram um filme com algo sério para um perfil mais complexo, mas o contrário. É feito para passar nos programas “Supercine”, Tela Quente e Sessões da Tarde.
 
O fracasso nas telonas não pode nos induzir ao erro. O filme foi feito para passar na Sessão da Tarde, de preferência a cada mês, para construir uma narrativa hermética dos bandidos e mocinhos.
 
Apesar da grande pretensão, inclusive de ser parte de uma trilogia, mas essa peça de publicidade ultraconservadora não pode se esquivar de uma verdade: a montanha pariu um rato, um rato medíocre.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Filminho ruim, que escondeu os verdadeiros bandidos

    Se apenas 16 milhões custou o filme, muito mais do que isso ganharam os advogados que ocuparam os papéis principais da realidade retratada no filme. Só a advogada Catta Preta pegou mais de 20 e mora agora em Mimai, a capital coxinha do Brazil.

    Até “O GLOBO” acusa a estes intermediarios que a justiça brasileira embute no meio de qualquer coisa onde role dinheiro.

    http://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/depois-da-lava-jato-advogados-ja-recolhem-mais-impostos-do-que-mineracao.html

    O filme deixou de falar dos milhões ganhos por gente que  levou 1/3 do dinheiro roubado do povo brasileiro, com a tutelagem de colegas togados.

  2. Um filme a representar “heróis” medíocres, só pode fracassar

    Não consegue levantar o mau nome desta gente nem mesmo quando ocorrem suas ilegalidades, quiçá quando seus métodos ficarem às claras. Financiado com o dinheiro fácil da sonegação. Buscando defender os agentes do partido da “justissa” que não tem como explicar seus laços com situações e pessoas comprometedoras. Gente que com 6 meses de salário, onera os cofres públicos com sua incopetência ao tentar provar (sem provas) que um suposto reu tenha recebido um bem que custa estes mesmos 6 meses de salário deles.

  3. Filme de culto à personalidade não assisto

    Detesto filmes de propaganda política, sejam quais forem. E que criem cultos vazios a personalidades. Não vi e nem verei isso aí, que aliás foi um fracasso de bilheteria e de crítica, como seu antecedente, sobre o plano Real, na verdade feito pelo grande Presidente Itamar Franco. Mas pelo menos no mais recente não usaram a Lei Rouanet para jogar meu dinheiro de contribuinte fora. Mas… será que usaram no do plano Real? Se usaram é contraditório um filme sobre o fundamentalismo neoliberal, com culto a personalidades, usar dinheiro público, não seria? Boa pauta, Nassif.

    1. Não se sabe se teve dinheiro

      Não se sabe se teve dinheiro público na produção desse filme B simplesmente porque não se sabe quem financiou o filme. Só pelo fato de terem ocultado o nome dos financiadores já dá pra desconfiar.

  4. Coincidência ou coindecência?

    E o tal restaurante Madero, que teria patrocinado o filme, agora é grande anunciante nos cinemas. Júnior Durski se mistura aos trailers antes das sessōes de quaisquer filmes. E o tal da LavaJato- que não atrai público nenhum – coincidentemente continua em cartaz. Ah, sim: o Madero bateu algum recorde de pronto inocentamento quando apareceu na operação Carne Fraca…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador