Por mais importante que a França seja na Europa, a eleição de François Hollande para a presidência não dever trazer, no momento, grandes mudanças na política econômica europeia. A Alemanha contracionista continuará no comando e a França, como os demais países da zona do euro, continuará refém dos mercados, pelo menos enquanto o BCE não puder comprar títulos públicos diretamente dos governos numa escala superior à simples rolagem da dívida a fim de possibilitar a retomada do investimento público.
Essa alternativa é inaceitável para a ortodoxa Alemanha. Pode-se prever um forte embate entre Hollande e Merkel, pelo menos até as eleições gerais na própria Alemanha que porão em jogo o poder da Chanceler. Até lá, a marcha real da crise muito provavelmente enfraquecerá a posição alemã, embora o desfecho do embate sofrerá a fortíssima influência de um fator externo tradicionalmente decisivo para a política europeia: a reeleição ou não de Barack Obama e a composição partidária do Congresso americano.
Da eleição de Hollande pode-se dizer o que o provérbio popular diz das posições solitárias num contexto adverso: uma andorinha só não faz verão. Lembre-se a primeira eleição de um socialista, François Mitterrand, no início dos aos 80. Ele se apresentara ao eleitorado com uma plataforma progressista, centrada na estatização de empresas e bancos considerados estratégicos para a economia e a sociedade. Estava na exata contramão do neoliberalismo então capitaneado por Thatcher e Reagan.
O “mercado” e a ideologia neoliberal em plena ascensão, baseada no princípio da liberalização financeira, levaram Mitterrand à capitulação. Em meados de 1982, seu ministro da Fazenda, Giscard d´Estaing, comunicou ao Presidente, numa reunião de gabinete, que a França, sob um severo ataque especulativo, tinha reservas não para meses, ou para muitas semanas, mas para alguns dias. No meio do pânico geral, Mitterrand deu uma virada de 180 graus na política econômica e aumentou espetacularmente os juros, seguindo o rastro do neoliberalismo triunfante.
Eu testemunhei essa virada cobrindo a reunião dos Sete Grandes em Bonn em 1985. Fiquei desolado ao ver Mitterrand e o premiê italiano, também socialista, Betino Craxi, subscreverem um documento final que trazia todos os elementos básicos da ideologia neoliberal: globalização financeira, liberalização, primado absoluto do privado sobre o público. Esse momento foi decisivo na uniformização das políticas dos países industrializados avançados em torno dos princípios neoliberais; o Consenso de Washington, alguns anos depois, representou apenas uma formalização acadêmica.
O que se pode esperar, então, objetivamente, da eleição de Hollande? Certamente ela tem aspectos positivos. Haverá um aumento de pressão, junto com a Itália e a Espanha, para que a Europa retome os investimentos públicos. Para financiá-los, pode-se recorrer à fórmula já defendida no âmbito da Comissão Europeia de se lançar um título europeu com a garantia do bloco. O problema com essa fórmula é que ela pode deprimir ainda mais o valor dos títulos dos governos nacionais, elevando a níveis insuportáveis o custo do refinanciamento da sua dívida pública corrente.
O que se pode prever que vá efetivamente ocorrer? Primeiramente, há uma questão técnica, pouco levada em conta por políticos: não é possível, em termos contábeis, aumentar o investimento público líquido e reduzir o déficit e a dívida pública. O investimento relevante para a retomada do desenvolvimento é o investimento deficitário, isto é, aquele que representa um gasto público financiado por dívida (ou receita de senhoriagem), não por tributo, que é contracionista. Significa mobilizar recursos privados ociosos para investimentos concretos sem elevação de impostos.
O “mercado” não gosta disso. Quer que a dívida e o déficit público sejam reduzidos. Embora isso não impeça investimentos públicos, impede investimentos novos. Uma queda de braços em torno da questão do investimento público novo entre “mercado” e o governo Hollande é perfeitamente previsível. A única defesa que o novo governo francês tem é o BCE, que pode comprar seus títulos, diluindo o poder do “mercado”. Claro, para que isso aconteça, será necessário falar com a Merkel, ou esperar que ela seja derrubada pelo voto no próximo ano.
José Carlos de Assis é economista, professor da UEPB, autor, junto com Francisco Antonio Doria, de “O universo neoliberal em desencanto”, recém-lançado pela Civilização Brasileira. Esta coluna é publicada também no site “Rumos do Brasil” e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.