Obituário: Heinrich Rohrer, pai da nanotecnologia

Falecido no último dia 16 de maio, o físico suíço Heinrich Rohrer deixou um imenso legado que vai além do Prêmio Nobel, recebido em 1986. Nascido e criado nas montanhas de Buchs, no nordeste da Suíça, o então menino levou, mais tarde, para a física o aprendizado que teve enquanto lidava com as vacas da região: se não podia escalar para vencer as montanhas, bem como seus íngremes declives, a melhor saída era passar por dentro delas.

Assim, como um verdadeiro excursionista, Rohrer explorava os túneis das montanhas como mais tarde faria novamente ao se especializar em supercondutividade – ou o fluxo de eletricidade sem resistência através de materiais em temperaturas muito baixas.

Essa definição consta no obituário publicado pela revista The Economist, que conta como o físico usou sua própria experiência de vida para desenvolver uma técnica que poderia gerar o efeito de “tunelamento” entre átomos – como se o “vácuo” entre dois átomos fossem tão densos e difíceis como uma montanha.

A revista conta que, em 1981, já como pesquisador no laboratório da IBM de Zurique, ele e o colega Gerd Binnig descobriram que o fenômeno de “tunelamento quântico” poderia ser gerado a partir de uma sonda móvel afiada como uma agulha e com um único átomo na ponta. Ao equipamento, os dois cientistas chamaram de Scanning Tunneling Microscope (STM).

O efeito ocorria quando, à ponta da agulha, era aplicada tensão de forma que os elétrons “vazavam” através do minúsculo espaço entre a ponta da agulha do STM e a superfície sobre a qual ela se movia. Pelas leis da mecânica, isso era impossível, lembra a The Economist, mas perfeitamente real pelas leis da mecânica quântica.

Possibilidade quânticas

O resultado prático disso era que o STM passou a tornar possível manipular átomos de uma superfície e criar efeitos de relevo, ou, como reforça o obituário, “topografia” – ainda que a expressão não seja adequada porque a manipulação ocorria em termos elétricos. No entanto, experiências com o STF foram capazes de realizar “impressões” em escalas inimagináveis e impossíveis de serem olhadas pelo homem.

A revista conta que a descoberta do “tunelamento quântico”, bem como o desenvolvimento do equipamento, fez a alegria de Rohrer que muitas vezes associava o que via na “topografia” atômica à paisagem dos Alpes, onde nasceu e cresceu. No final dos anos 1980, quando, ao equipamento, foi agregado um computador, os resultados ficaram ainda melhores, possibilitando imagens em 3D.

A publicação pontua: “Os átomos de carbono se abraçaram ‘muito bem’ em uma estrutura de favo de mel. Um cristal de ouro fez um acordo de amplos ‘terraços’ atômicas. A superfície do silício foi revelada como uma terra de suaves ondulações, em constante aumento, em que a faixa da sonda [do STM] poderia ser vista como sulcos cavados com um arado”.

De acordo com a publicação, esta imagem, em particular, teve impacto tão fascinante por sua beleza que “Heini” – como Heinrich Rohrer pedia a todos que o chamassem – teve que se afastar do jovem colega Gerd Binnig e fazerlongas caminhadas pelas montanhas reais para “digerir” a descoberta e para acalmar-se.

Manipular para construir

Manipular átomos, em escalas nano, de um bilionésimo por metro, em uma superfície era apenas uma das coisas possíveis com o STM. Era possível ir além, relata The Economist. Havia a perspectiva de construir por meio da manipulação atômica, algo que só a natureza tinha feito antes. A primeira tentativa ocorreu em 1989, com Don Eigler, que escreveu “IBM” usando 35 átomos de xenônio.

O mesmo equipamento foi capaz, este ano de 2013, de outro feito: a produção do “menor filme do mundo”. Divulgado no começo de maio, poucos dias antes da morte do cientista suíço, “Um menino e seu átomo” foi registrado pelo Guiness World Records como o menor filme em stop motion do mundo. O filme tem um minuto e meio e mostra um garoto brincando com uma bola. Toda a composição foi feita a partir de manipulação de moléculas de carbono sobre uma superfície de cobre.

Menos que Colombo

Rohrer, sempre “pé no chão”, de acordo com a revista, não considerava que ele ou o colega Binnig haviam provocado uma revolução, tal como ocorrera na Revolução Industrial ou com as viagens de Cristóvão Colombo. Para o cientista suíço, o que estava diante de si, com o projeto do projeto STM, além dos resultados, era a sua simplicidade e “abordagem livre” do equipamento – criado com baixo orçamento e com meios de certa forma improvisador, como o uso de fita adesiva para reduzir a vibração e realizando as experiências apenas à noite.

The Economist lembra que, na época, outros cientistas zombaram do projeto porque não havia embasamento – financeiro ou científico –, o que mudou radicalmente quando a dupla Rohrer e Binning recebeu o prêmio Nobel de Física, em 1986. O reconhecimento não mudou a simplicidade do cientista, que se manteve livre do peso da fama. “Acho que eu não perdi o chão sob meus pés”, dizia.

Redação

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