A reforma e o irreformável conflito capital-trabalho, por Bruna de Mendonça Coelho

Os dados da mais recente PNAD Contínua do IBGE2, referentes ao trimestre de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021, dão conta de novo recorde na taxa de desocupação, se tomada a série histórica principiada em 2012.

A reforma e o irreformável conflito capital-trabalho: Endemias, pandemias e descaminhos

por Bruna da Penha de Mendonça Coelho

Passados quase quatro anos do auge da chamada reforma trabalhista brasileira, cujo marco se deu com a aprovação da lei nº 13.467/17, as tentativas de mascaramento das desigualdades sociais no país seguem guiadas pela radical ocultação discursiva do conflito capital-trabalho. Em outras palavras, trata-se da ideia de que haveria uma – ao menos, potencial – equalização de forças entre os polos da relação de trabalho. Uma suposta igualdade que seria apta a conferir um sentido muito peculiar a essa relação: o de ser uma justa troca, capaz de ser reformada sempre que necessário (sem, é claro, o questionamento das contradições da sociabilidade capitalista).

Na cerimônia de sanção da lei nº 13.467, o então presidente Michel Temer não hesitou em lançar mão da narrativa da autonomia da vontade e da inexistência do conflito capital-trabalho: “[…] hoje há uma igualdade na concepção. As pessoas são capazes de fazer um acordo, não é? […] De um lado os empregados, de outro lado os empregadores.”1 Ocorre que, enquanto processo histórico dinâmico, a chamada reforma trabalhista não se iniciou nem se encerrou em 2017. E tampouco seus pressupostos discursivos estão superados. As permanentes retomadas desses pressupostos apaziguadores de conflitos podem ser entendidas, portanto, como endêmicas. Como toda endemia, tais discursos se comportam de forma relativamente esperada e usual nestas terras.  

Não à toa, a pandemia da Covid-19 tem funcionado como verdadeiro palco para a narrativa da pretensa igualdade entre capital e trabalho – narrativa prontamente sustentada pela cúpula do governo federal e do empresariado. Os dados negativos do mercado de trabalho brasileiro, decorrentes do agravamento da desigualdade desde antes do advento da pandemia, são colocados na conta de um parasita novo: o vírus. Tudo isso sem que se consiga disfarçar a centralidade do trabalho humano para a produção de toda e qualquer riqueza social, sob o lema trabalhem!, ou o país será quebrado por um vírus.

Os dados da mais recente PNAD Contínua do IBGE2, referentes ao trimestre de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021, dão conta de novo recorde na taxa de desocupação, se tomada a série histórica principiada em 2012. São 14,4 milhões de pessoas que compõem a população desocupada; e 32,6 milhões, a subutilizada. Somem-se, ainda, os seis milhões de pessoas que perfazem a população desalentada, mais um recorde da série histórica. Um desalento que não é fruto do acaso, mas, sim, da própria ausência de perspectiva de inserção no mercado de trabalho – e que, portanto, deveria ser diretamente somado à desocupação. 

O que o vírus não explica é como, nos mais de dois anos entre o início da vigência da lei nº 13.467 e o surgimento da emergência sanitária, a chamada reforma trabalhista não cumpriu nenhuma de suas promessas.3 O aumento da informalidade e a difusão de formas precárias de contratação, outras de nossas endemias estimuladas com a reforma, precediam à Covid. O cenário, que já era devastador para a classe trabalhadora nacional, torna-se ainda mais perceptível com o aprofundamento da ampla crise social no bojo da pandemia. A explicitação das contradições sociais (até quando será possível negá-las?) leva, como não poderia ser diferente, à efervescência de disputas sociais em torno dos sentidos do momento histórico em que vivemos.    

Em pleno primeiro de maio de 2021, camisas da CBF tomaram ruas e carros de luxo, usurpando para si não só os símbolos nacionais, mas também os significados político-sociais de um dia tão fundamental para a classe trabalhadora. No mesmo dia, no entanto, as trabalhadoras e os trabalhadores articularam atividades de luta nos mais diversos âmbitos e formatos, em reafirmação da lida de quem anseia pelo dia em que a vida e o trabalho humanos não mais sejam artigos de subjugação. A luta de quem tem a plena consciência de que a história não está dada, mas em permanente construção – em suas contradições, retomadas e descaminhos. E de que cabe a nós disputar suas veredas.

Se não se sabe se o vírus é ser vivo ou não vivo, certo é que o trabalho vivo, mais do que nunca, revela-se central à vida social. Reivindiquemos, como trabalhadores, o sentido coletivo do trabalho que queremos.

[1] TEMER, Michel. 13-07-2017-Discurso do Presidente da República, Michel Temer, durante cerimônia de sanção da Lei de Modernização Trabalhista – Palácio do Planalto. Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br>.

[2] IBGE. PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 14,4% e taxa de subutilização é de 29,2% no trimestre encerrado em fevereiro. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br>.

[3] KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (orgs.). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. REMIR-Trabalho. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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