O melhor presidente que o Brasil não teve, por Ivan Colangelo Salomão

Sob qualquer prisma que se avalie, porém, trata-se, de fato, de um dos gigantes da história política brasileira. Ainda assim, sua biografia restou indelevelmente marcada pelas quatro tentativas malsucedidas de assumir a Presidência da República.

O melhor presidente que o Brasil não teve

por Ivan Colangelo Salomão

Homem público mais importante de sua geração, Rui Barbosa ostentou, de fato, uma trajetória singular. Bacharel em Direito, elegeu-se deputado, assumiu o Ministério da Fazenda antes dos 40 anos de idade e, nas mais de duas décadas no Senado, influenciou o debate político como nenhum outro de seus pares pertences à chamada “Geração 1870”. Dono de prodigioso poder oratório, o jurista baiano intimidava seus oponentes com vasto repertório lexicográfico e a atestada capacidade retórica.

Intelectual multifacetado, discorreu e debateu acerca dos mais diferentes temas direta ou indiretamente relacionados à vida nacional. Compiladas pelo MEC em 1941, sua obra completa ocupa nada aquém de 137 volumes. A adjetivação sempre maiúscula a ele dirigida beira o panfletismo ao conferir-lhe capacidades sobre-humanas. Qualificações heroicas a exaltar o seu saber enciclopédico pululam entre os seus defensores: “Rui é um mundo” (Alfredo Buzaid); “Impossível seria abarcar as múltiplas faces do colosso” (Mario Barbosa); “Vivo, era o maior dos nossos homens. Morto, tornou-se o maior de nossos símbolos” (João Mangabeira).

Político inteligente, conquistou rapidamente a confiança do marechal Deodoro da Fonseca, que o nomeou vice-chefe do governo provisório. Na prática, fazia as vezes de um primeiro-ministro: “Rui é o para-raios do governo provisório logo após o golpe republicano. Provê tudo, tudo prevê”, atestou, certa vez Quintino Bocaiúva, ministro das Relações Exteriores.

O prestígio de que legitimamente gozava, porém, minimizou a necessidade do exercício da empatia, fazendo com que a arrogância se sobressaísse como sua característica pessoal mais notória. Rui Barbosa era, de fato, um sujeito vaidoso e irascível. Nas palavras de um de seus principais biógrafos, tratava-se de um indivíduo “ácido, contundente, obsessivo, por vezes agressivo, pedante e pretensioso” (Marcio Amaral). Ademais, mudou de opinião e de posicionamento político ao sabor da conveniência. O outrora jurista liberal comandou, por exemplo, uma política econômica heterodoxa quando de sua passagem pela Fazenda (1889-1891), contradição que o obrigou a justificar-se pelo resto dos seus dias. Se capacidade de adaptação ou oportunismo puro e simples, o veredito depende da régua do julgador.

Sob qualquer prisma que se avalie, porém, trata-se, de fato, de um dos gigantes da história política brasileira. Ainda assim, sua biografia restou indelevelmente marcada pelas quatro tentativas malsucedidas de assumir a Presidência da República.

Em 1910, na conhecida Campanha Civilista, foi derrotado pelo gaúcho Hermes da Fonseca na mais acirrada e atípica eleição presidencial da República Velha. Era a primeira (e única) vez, desde Campos Sales, que se rompia a hegemonia das oligarquias paulista, que apoiou Rui, e mineira, que se manteve com Fonseca.

Quatro anos depois, foi novamente vencido, ou massacrado, por Venceslau Brás, do Partido Republicano Mineiro (PRM), que contou com a azeitada máquina de manipulação eleitoral do sistema do Café com Leite. Em 1918, amargou um humilhante terceiro lugar no pleito em que foi sufragado por apenas 0,27% dos eleitores. No ano seguinte, após o passamento do incumbente eleito, mas não empossado Rodrigues Alves, Rui disputou a eleição extemporânea contra o paraibano Epitácio Pessoa, filiado ao PRM. Foi novamente batido pelo oponente que representava a situação e, sobretudo, o establishment cafeeiro.

Apesar de pessoalmente frustrantes e politicamente custosas, tais derrotas não apequenam a dimensão desse homem de porte franzino e reputação maiúscula.

Um século depois, essa mesma história poderia ser veridicamente contada se se substituíssem apenas o nome e sobrenome do personagem. Guardadas todas as imensuráveis proporções, um conhecido candidato contemporâneo, com trajetória política algo semelhante, parece seguir o mesmo itinerário. Igualmente nordestino, ex-deputado e ministro da Fazenda aos 37 anos de idade, ele também carregará quatro derrotas presidenciais em seu currículo.

Preparado, inteligente, impetuoso. Gestor competente, político habilidoso, debatedor temível. Mas incuravelmente arrogante, prepotente e agressivo. Pedante, presunçoso e autoritário. A obsessão com a Presidência da República cegou-o a ponto de assumir estratégias eleitorais tão equivocadas quanto condenáveis. Não há como camuflar o indisfarçável oportunismo subjacente a toda e qualquer uma de suas falas ou movimentos. Santana Filho é um craque, mas nem mesmo um mago pode suplantar a intransponibilidade da realidade.

Ciro Gomes, o melhor presidente que o Brasil jamais teve, será lembrado mais pelo histrionismo de sua língua do que pela justeza de suas ideias.

Ivan Colangelo Salomão, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Mestre e doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-doutor em História pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA).

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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  1. Rui Barbosa.1.a República ou República Paulista. Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Uma das raras Repúblicas Democráticas do Mundo. Voto Livre, Soberano, Facultativo. Contemporâneo de todos Gigantes que construíram a Nação Potência Continental. Vanguarda Mundial. Gigante destruído por Golpe Civil Militar QunitoMundista de Quartelada de baixa patente entre Estrumes e Fascistas. Cabeça então metamorfoseia em rabo. Para alguns até o óbvio é de difícil compreensão. Mas a mediocridade fica explicita quando se compara um Gigante da História Brasileira, no seu século de excelência 1830/1930, ao Coronelato Jagunço de Ciro Gomes. Explica o Brasil e seu Revisionismo Histórico destes 91 anos. Lamentável.

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