Perspectiva lockeana sobre a criança pobre em um estado liberal, por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

Para Locke, pessoas pobres contaminam a sociedade e, para conter tal celeuma, o filósofo político propõe métodos a serem empregados contra elas a partir do poder repressor Estatal começando com as crianças a partir dos 3 anos

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Perspectiva lockeana sobre a criança pobre em um estado liberal

por Saulo Barbosa Santiago dos Santos[1]

            Segundo a tradição liberal, o Estado deve interferir minimamente na  sociedade, isto é, a autorregulação é fator primordial para o desenvolvimento a partir da individualidade. No entanto, a liberdade, tão ovacionada pelos liberais, não abarca os direitos dos mais pobres e necessitados, mais ainda às crianças que não podem se defender. O objetivo deste texto é explicitar, sob a perspectiva do pensador liberal inglês John Locke, a forma como crianças pobres deveriam ser abordadas pelo Estado e de que forma o Estado interferiria na vida delas.

            Para Locke, pessoas pobres contaminam a sociedade e, para conter tal celeuma,  o filósofo político propõe métodos a serem empregados contra elas a partir do poder repressor Estatal começando com as crianças a partir dos 3 anos, como pode ser lido na proposta de lei enviada pelo político inglês às autoridades legislativas em outubro de 1697, deixo claro, é cada coisa mais absurda que outra. Como impor algo a uma criança de três anos? Locke tem jeito contra os vulneráveis porque, segundo o próprio, crianças de pais que não possuem meios para sustentá-la devem trabalhar, nas indústrias por exemplo, elas eram úteis porque seu corpo pequeno facilitava a entrada em máquina para fazer manutenções, desobstruções, etc. imagine quantos inocentes morreram empalados ou esmagados, de qualquer forma, resolveu a questão econômica e lucrativa dos empresários e também do governo, já que não se responsabilizava pelos custos dela. Falta ainda a questão moral, mas isso a igreja pode lidar, só basta o Estado obrigá-la a ir todos os domingos para aprender sobre a religião católica. Claro, o governo Inglês adorou a ideia e não via nada de errado nisso, aliás, pelo bem das colônias poderia até atrair crianças com guloseimas para serem “raptadas e deportadas para o outro lado do Atlântico. Diversamente, chegam na América junto com os seu pais, que muitas vezes são obrigados a vendê-los para nunca mais vê-los”[2]. Daí alguém pensa, “onde e como uma criança nesta idade pode trabalhar?”

            Em 1902, o jornalista John Chaney fingiu ser um mendigo na região mais pobre da Inglaterra para estudar a vida de um miserável. Em seu livro “O povo do abismo”, ele relata que crianças menores de 10 anos trabalham em fazendas de algodão e observa que

          as mulheres conseguiam colher tanto quanto os homens, e as crianças colhiam quase tão bem quanto as mulheres; então era impossível para um homem competir com uma mulher e meia dúzia de crianças, porque uma mulher e a meia dúzia de crianças contam como uma unidade, e é a capacidade de todas elas juntas que determina o pagamento unitário.[3]

            Como se já não bastasse interferir na vida de uma criança, a vida dos pais também entra em jogo já que a ideia é tirar o filho para servir como mão de obra barata em fábricas e fazendas. Locke, mesmo com sua paixão fervorosa pela liberdade, estranhamente não dispensa seus requintes de crueldade a crianças indefesas entendendo como prudente destruir a incipiente humanidade nelas.


[1]Professor de Filosofia, guarda civil da capital sergipana e autista.

[2]LOSURDO, D. Contra-história do liberalismo. 8ª Ed. Aparecida-SP: Ideia&Letras, 2006. cap 3, p. 106.

[3]CHANEY, J. O povo do abismo: fome e miséria no coração do império britânico. 2ª Ed São

Paulo: Expressão popular, 2020. cap. 14, p. 240

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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