A doença social do bolsonarismo, por Luis Nassif

E me lembro que, há tempos, não vejo mais as fotos ridículas de Bretas mostrando os músculos. Sinal de que, ao menos o ridículo começa a ser extirpado da vida nacional.

Admito ter uma implicância visceral com os arrogantes, não apenas com o arrogante poderoso, mas com o arrogante sem status. Por isso mesmo, guardei para mim uma implicância profunda em relação a um contraparente do interior. E antes mesmo do fenômeno Bolsonaro.

Nunca fez nada para mim, na verdade nunca cheguei a trocar mais que meia dúzia de palavras com ele, mas até sua postura corporal era de arrogância. O que aconteceu com ele foi, simplesmente, que, morando em uma pequena cidade do interior, passou a ter acesso a informações “especiais” de grupos de WhatsApp – no caso, a ditos profundos do juiz Marcelo Bretas, um magistrado carioca que se notabilizou pelas fotos em academias, comprovando que pensava com os bíceps. Foi o que bastou para o contraparente se considerar “empoderado”.

Da Lava Jato para Bolsonaro foi um passo. E, aí, minha implicância aumentou de forma exponencial. Bolsonaro tornou-se sua influência absoluta, repetindo seus conceitos selvagens. Quem o conheceu antes do “empoderamento” garantia que era muito simpático e acessível antes do fenômeno do WhatsApp. Mas como era possível aquela transformação?

Vieram as eleições, a posse de Bolsonaro, a pandemia, as mortes, inclusive no seu entorno.

De repente, na volta à pequena cidade, encontramos um novo personagem, simpático, leve, acessível, divertido. Mais que isso, orgulhando-se das histórias do seu pai, policial,  dos exemplos de generosidade, de acolhimento aos presos, a ponto de levar cobertores à cadeia, em tempos de frio. A surpresa maior não era a história em si, mas o orgulho do filho bolsonarista em relação a virtudes execradas pela selvageria bolsonarista.

Outros parentes diziam que ele voltou a ser o que era. O que determinou a transformação, a volta à normalidade?

Aí fico sabendo que abjurou o bolsonarismo, descontaminou-se. É impressionante! Lembra as cerimônias de exorcismo dos filmes de terror, com final feliz. Voltou a ficar leve – como diziam que era -, amistoso, defensor dos valores da solidariedade, da generosidade, orgulhoso das boas ações do pai.

Apenas confirma que o bolsonarismo é uma doença social. Não é algo intrínseco à sociedade brasileira, mas fruto de uma ignorância ancestral, que impede a avaliação correta de causas e consequências. A ignorância impedia o país de ver as consequências da Lava Jato, da política de guerra da mídia, do fenômeno Bolsonaro e até das críticas ao politicamente correto – isto é, aos valores que sustentam sociedades civilizadas.

Agora, à medida que a realidade estende seu manto pedagógico sobre o país, a grande noite do bolsonarismo vai se diluindo e a melhor parte do país se reencontra com os valores da civilização.

E me lembro que, há tempos, não vejo mais as fotos ridículas de Bretas mostrando os músculos. Sinal de que, ao menos o ridículo começa a ser extirpado da vida nacional.

Luis Nassif

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  1. Eu cortei relações com dezenas de parentes que aderiram ao bolsonarismo em Eldorado SP. Bloquei vários no Facebook dizendo que eles deveriam esquecer que tinham relação de parentesco comigo. Fodam-se. A pandemia matou dezenas de pessoas naquela pequena cidade, um deles desgraçadamente era meu primo. Creio que alguns dos meus parentes bolsonaristas também estão sendo exorcizados (especialmente aquele que são mais gananciosos e que passaram a ganhar menos dinheiro), mas por via das dúvidas prefiro manter distância.
    VáderetroSatam que não sou exorcista, nem perco meu tempo por causa de um capitão imprestável que transformou o Brasil num pais de merda.

  2. Luis,
    Tenho a impressão que há aí um cavalo de tróia para nova investida da extrema-direita. Um trecho do seu artigo me chamou a atenção, pois reparo acontecer nos poucos bolsonaristas que ainda acompanho, ou mesmo de analfabetos políticos que eventualmente não aderiram ao bolsonarismo por razões pessoais:
    “Mais que isso, orgulhando-se das histórias do seu pai, policial, dos exemplos de generosidade, de acolhimento aos presos, a ponto de levar cobertores à cadeia, em tempos de frio. A surpresa maior não era a história em si, mas o orgulho do filho bolsonarista em relação a virtudes execradas pela selvageria bolsonarista”.
    Conto de um parente próximo, que cai no caso de analfabeto político (com a devida soberba e autossuficiência adquirida na leitura de memes de Whatsapp e de Facebook) que não é bolsonarista (ainda que provavelmente tenha votado nele em 2018).
    Eis que tal parente recentemente tem começado com conversas mais de experiências ‘pessoais’: uma série de adaptações livre do que não viveu de modo a encaixar nesses estereótipos, que vão da família que nunca existiu (mas ele diz ter sido importante na sua vida) ao nosso avô ser patriota e querido lutar na guerra pelo país na segunda Guerra Mundial (ele tentou se alistar para ter um emprego que pagasse melhor que pedreiro, mas em ir pra guerra ele era explícito ao dizer que não queria).
    Dá pra notar uma idealização do passado, calcado na história pessoal totalmente adulterada para entrar numa série de valores arcaicos, que parecem cantinelas da TFP – e que por serem pessoais, fica muito difícil se contrapôr.
    Depois da blietzkrieg dessa extrema-direita histriônica e abertamente violenta, é provável que os mesmos artífices estejam preparando caminho para uma extrema-direita mais limpinha, técnica, “científica”, racional – e com a mesma divisão das pessoas entre humanos e sub-humanos, a mesma recusa dos princípios éticos da ciência e de exploração do outro. E boa parte da sociedade vai acabar respirando aliviado com essa nova extrema-direira (moderada como Doria Jr que joga água fria em moradores de rua em manhãs gélidas e privatiza ou fecha empresas e órgãos de extrema importância para planejamento; ou moderada como as relações dos apps de entrega e transporte com seus “colaboradores”), porque sua violência é mais sutil e menos explícita – e, sim, isso é um alívio para quem não é seu alvo.
    Desse mesmo parente escuto vários elogios à Polônia, que seria um lugar bom para se viver (sim, temos ascendência eslava, mas também temos alemã, e a Alemanha ainda está bem melhor que a Polônia); de outros casos, vejo uma agudização na defesa da guerra às drogas – com elogios à Indonésia, mesmo sem saber que havia lá pena de morte -; e o mais que manjado, mas por ora sem contraposição efetiva: “não acho que haja negros, brancos, amarelos, gays, heteros, homos, pra mim são todos humanos; por isso não defendo privilégios”.
    Em suma: logo vem mais um round aberto da luta contra a extrema-direita (seja sua versão mais bruta, seja sua versão disfarçada mas igualmente violenta), e estamos, novamente, partindo em desvantagem.

    1. Boa reflexão mano!! Temos que atentar para estes desdobramentos. Mas ódio é ódio…. E exala pelos poros. Podem mudar o discurso e resgatar alguns valores, mas uma hora nosso sensor de ódio captará as vibrações ruins desse povo. Um abraço

  3. Nassif, o iluminista incorrigível, sempre esperando o melhor dos homens. O trumpismo e o bolsonarismo vieram para ficar conosco, e teremos de lidar com eles. Ontem, houve duas eleições regionais nos Estados Unidos, uma para governador do importante estado da Virginia, vizinho da capital americana, onde, para horror do governo Biden, venceu o candidato republicano; e pior do que isso, o sujeito é da mais extrema-direita do partido do Donald Trump. E para governador do estado industrial de Nova Jersey ainda estão contando os votos, mas apesar da disputa apertada, a extrema-direita lidera a apuração desde o início. As coisas ficarão bem mais difíceis para Joe Biden a partir de agora.

  4. Muito bonita sua história Nassif, mas a realidade minha continua a mesma. A bestialidade, a ignorância, a inveja, o egoismo, a falta de empatia com outros seres humanos, animais e vegetais. A tampa do esgoto ainda está aberta. Não acredito mais em regeneração. A sesseção é a única alternativa de sobrevivência deste país. Quem fiquem no sul quem apoia a barbárie, os democratas que vão para o norte. É a minha possibilidade ano que vem se aposentar e mal espero este momento

  5. O The Washington Post analisa na capa a derrota do Partido Democrata na eleição da Virginia e soma a isso as primeiras pesquisas para as eleições nacionais em novembro do próximo ano, quando haverá a renovação de toda a Câmara (435 deputados) e de 1/3 do Senado (33 senadores). O principal jornal da capital americana anuncia o “colapso da coalizão democrata” do ano passado, que permitiu derrotar Donald Trump e eleger Joe Biden. Na Câmara a situação é de alto risco, porque a maioria democrata se estreitou em 2020, caindo para 222 x 213, mas é no Senado que o cenário é dramático para o Partido Democrata, uma vez que hoje conta com precária maioria garantida sempre pelo voto de desempate da vice Kamala Harris, já que no plenário são 50 x 50. Segundo o WP, o Partido Democrata deverá perder o Senado e talvez até a Câmara.

  6. Prezado Nassif,
    Não creio que o bolsonarismo seja apenas uma espécie de “doença infantil do fascismo”, assim como trumpismo, e os fascismos diversos hoje grassando na Europa, também não o são.
    O mundo está caminhando para uma situação em que posições de força atrairão cada vez mais adeptos.
    Afinal, se é para ‘escolher’ um lado, que seja o que tem a força. Das armas, das instituições, do que for.
    Os refratários de última hora, são, e certamente serão, minoritários.
    Como disse em outro comentário, o Real sempre se impõe ao Ideal. Seu parente pode estar em remissão – no sentido médico do termo.
    Mas a metáfora não é válida no campo da política, onde a recidiva sempre vêm.

  7. O tal juiz está quieto simplesmente porque está encalacrado em denúncias cabeludas. “Arrecuou os arfe pra evitar a catastre”, como reza o dito popular. Ele está é com medo da rebordosa. Simples assim.

  8. Uma doença social… não tinha pensado nesse sentido.
    Nada melhor que a realidade. Custo de vida, situação desanimadora, etc.
    De qualquer forma, ainda acredito que teremos 60 milhoes de votos brancos e nulos na eleição de 2022 para chefe do executivo federal.

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