Dez anos do Caso Amarildo: pedreiro segue desaparecido com mais perguntas sem respostas

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Há 10 anos o país passou a se perguntar: onde está Amarildo? Outras perguntas surgiram, como: quem mandou matar Marielle e Anderson?

Dez anos depois do desaparecimento, onde está Amarildo? segue sendo uma pergunta sem resposta. Foto: Agência Brasil

Há 10 anos o país passou a se perguntar: onde está Amarildo? Nunca houve resposta. Ao contrário, enquanto a pergunta seguiu martelando sem eco, outras surgiram: quem matou Marielle e Anderson? Quem atirou em Dijalma de Azevedo? Para quem os assassinos de Bruno e Dom trabalhavam? 

Nesta quinta-feira (13), a Rio de Paz realizou uma manifestação na Praia de Copacabana para lembrar do desaparecimento do pedreiro na Rocinha. 

A data também será marcada pelo lançamento do documentário ‘Cadê Você?’, da ONG, em Botafogo. 

Amarildo se tornou um símbolo da luta contra a brutalidade policial. Também um totem invisível de denúncia da impunidade, na medida em que sua morte alimenta a resistência à violência intermitente, que faz novas vítimas. Sobretudo, se colocou ao lado de grupos como as Mães de Maio.  

Na praia, nesta quinta, logo cedo, parentes e voluntários ficaram sob um tecido transparente simbolizando Amarildo e milhares de desaparecidos no estado. Conforme registros da ONG, são 5 mil desaparecimentos, sendo 10% assassinados, cujos corpos jamais foram encontrados. 

Muitos Amarildos

Mas a violência não cessa. Nesta quarta (12) pela manhã, um menino de 11 anos identificado como Dijalma de Azevedo morreu após ser baleado no conjunto habitacional Minha Casa, Minha Vida, em Inoã, na Estrada do Bosque Fundo, em Maricá, na Região Metropolitana do Rio. 

No momento em que foi atingido, ele usava o uniforme de escola municipal da cidade e estava a caminho da unidade de educação. Em setembro de 2019, alunos da Escola Municipal Wilian Peixoto, na Maré, Zona Norte do Rio, foram alvos de tiros com origem em um helicóptero da Polícia Militar. 

Um ano antes, em setembro de 2018, Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, caminhava na favela Chapéu Mangueira, na zona sul, onde morava, indo esperar a mulher e os filhos com um guarda-chuva preto, quando policiais militares atiraram, achando que o guarda-chuva fosse um fuzil, e o mataram. 

Voltando ao Caso Amarildo

A história da vida de Amarildo teve o desenlace fatal entre os dias 13 e 14 de julho de 2013. Soldados da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha entraram no Bar do Júlio, na parte alta da favela, e abordaram Amarildo Dias de Souza, com 43 anos à época. 

Por ordem do então comandante da UPP, o major Edson Raimundo dos Santos, Amarildo foi colocado dentro de uma viatura e levado para a sede da unidade. 

Liberado após concluída a averiguação, desde então não se conhece o paradeiro do pedreiro. Dois dias depois, a família registrou o seu desaparecimento. Até hoje, passados dez anos, Amarildo nunca mais foi visto. 

Morador desde que nasceu na favela da Rocinha, na zona sul do RJ, Amarildo era o sétimo de 12 irmãos e filho de uma empregada doméstica e de um pescador. Conhecido como “Boi”, trabalhava como pedreiro e fazia bicos na comunidade.

Analfabeto, só escrevia o próprio nome e começou a trabalhar aos 12 anos vendendo limão. Casado com Elizabeth Gomes da Silva, Amarildo era pai de Romeu, e dividia um barraco de um único cômodo com toda a família. 

Punições 

Em 2016, 12 dos 25 policiais militares denunciados pelo desaparecimento e morte de Amarildo foram condenados em primeiro grau, e no segundo grau, oito condenações foram mantidas, enquanto quatro foram absolvidos.

Oito PMs da UPP foram condenados em duas instâncias a penas de até 13 anos pela sessão de tortura que culminou na morte do ajudante de pedreiro. Os militares ficaram presos por até seis anos, mas todos já estão em liberdade, após cumprirem a maior parte das penas. 

Em uma Auditoria Militar para investigar o caso, foi confirmado que o ex-comandante da UPP da Rocinha, major Edson Santos, subornou uma moradora da comunidade, Lucia Helena da Silva Batista, para que mentisse em testemunho sobre o Caso Amarildo. 

Lucia, em sua primeira versão, incriminava o traficante Thiago da Silva Neris como autor do assassinato de Amarildo. Depois de voltar atrás em seu depoimento, Lúcia disse ter sido orientada pelo major a dar falsas informações.

Indenização 

Em junho de 2016, a Justiça condenou o governo do estado do Rio a pagar uma indenização à família do pedreiro. A viúva e os seis filhos deverão receber R$ 500 mil cada um. 

Na sentença, a juíza determinou que os filhos recebam a pensão até completarem 25 anos. O estado deve ainda pagar à viúva um salário mínimo por mês. Pela decisão, uma mãe de criação e dois irmãos de Amarildo devem receber R$ 100 mil cada um. 

Passados cinco anos do assassinato de Amarildo, a família ainda não havia sido indenizada, em razão do processo estar em fase de recursos da defesa. O montante a receber é de 3,5 milhões de reais. 

João Tancredo, advogado da família, afirmou: “O estado desaparece, tortura e mata o Amarildo e depois aniquila a família não pagando, não fazendo o processo andar, não prestando justiça no tempo hábil. Isso também é uma grande perversidade.

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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