Os venezuelanos e o feto esperança, por Beatrice Papillon

Foto: Alberto Cesar Araujo

Os venezuelanos e o feto esperança

por Beatrice Papillon

“Mas esses caras vêm para roubar nossos empregos!”, diz o mesmo cidadão de bem brasileiro que meses atrás se indignou com o sofrimento do povo na Venezuela bolivariana.

Os venezuelanos recebem da direita brasileira a mesma falsa compaixão que ela tem para com os fetos: só lhe preocupam essas vidas enquanto sejam de responsabilidade de quem as gerou. Uma vez postas ao mundo, jogadas como párias no nosso quintal, vale a máxima “quem pariu, que embale”.

Quem deveria reclamar da vinda de venezuelanos para o Brasil são as crianças de rua, porque o espaço que a sociedade brasileira pretende oferecer aos imigrantes já é delas, o do não pertencimento. Refugiados e crianças brasileiras (muitas delas frutos de gravidez não desejada) terão de disputar as mesmas calçadas e sinais de trânsito para pedir suas esmolas. É a parte que lhes cabe neste país ‘cristão’.

Não se pode esperar da direita brasileira nada menos do que se viu em Roraima de ontem pra hoje, tão curiosamente simultâneo ao Criança Esperança. Uma mesma pessoa que acabou de doar 20 reais para a campanha da Globo, ao desligar o telefone já pragueja contra os ‘malditos imigrantes’ e as ‘vagabundas abortistas’.

O espaço dedicado à caridade na vida dessa gente é tão virtual quanto o filantro-show do plim-plim. É só da boca pra fora. Assim como a emissora poderia pagar os bilhões de reais de impostos que deve ao Brasil, em vez de passar um pires magro uma vez por ano, a doação desse ‘cidadão de bem’ ao programa é só demagogia de falso cristão. Serve para se eximir de responsabilidades, tem efeitos midiáticos, mas não se materializa na mão que leva comida à boca faminta, que lava os pés feridos de um refugiado ou que simplesmente acolhe um necessitado em sua comunidade.

Me lembra a pergunta evocada por Renato Aragão (e ridicularizada na internet), que enfim ganha sentido real e urgente: “no céu tem pão?”. Porque bem haja às crianças e aos refugiados essa esperança mesmo, talvez a última, já que por aqui o amor é tão longe.

Fortaleza, 19 de agosto de 2018
@papillonbeatrice
 

Redação

5 Comentários

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  1. Certa feita uma brasileira,

    Certa feita uma brasileira, que morava na Inglaterra, disse-me que os ingleses tinham razão de não querer mais imigrantes porque o Pais estava sendo descaracterizado. Olhei para a cidadã, uma colega de profissão, e perguntei: mas fulana, você não é loura nem branca, alias; você se parece muito com as indianas e paquistanes e você também é migrante aqui, tal qual toda essa gente que você nutre desprezo. Mas minha colega, classe média, se recusou aceitar que não era branca e que era uma migrante como os outros…  Ha muito que não me engano da capacidade que tem o brasileiro em ser cruel com os outros. Da porta para dentro, ele pode ser muito bom, generoso etc, mas da porta para fora…  Tocam fogo em indios, são furiosamente contra o aborto, mas matam crianças que dormem nas ruas, maltratam os mais humildes, em suma ainda  somos preconceituosos, racistas e temos muito o que aprender e evoluir.

  2. Psicologia social e os mecanismo de mobilização de massas

    Nilson Lage

    5 min ·  

    Os laboratórios de psicologia social que estudam há décadas mecanismos de mobilização de massas descrevem o efeito de manada como resultado de estímulo que, a partir de um pretexto (os 20 centavos, uma onda de furtos, o incêndio do Reichstag) potencializa sentimento difuso de insatisfação, elidindo os mecanismos individuais de controle de comportamento..
    As redes sociais ampliaram o alcance e aceleraram o processo que se deflagrou em Pacaraíma, pequena comunidade de comerciantes/contrabandistas incrustada em reserva indígena.
    Quanto à responsabilidade pela inciativa, vale a pena formular a clássica pergunta: Cui prodest? – a quem interessa?

     

  3. Leonardo Reis compartilhou

    Leonardo Reis compartilhou uma publicação.- 

    16 h ·  

    Estou em Boa Vista/RR, a 215km de distância de Pacaraima/RR, fronteira com a Venezuela. Eu não tenho palavras para descrever a vergonha que sinto dos brasileiros que expulsaram os venezuelanos de Pacaraima! 

    Em conversas com brasileiros e venezuelanos externo meu sentimento de total repúdio em relação ao comportamento dessa minoria facista/xenófoba, que produziu esse show de horrores, destruindo e queimando barracas e roupas dos venezuelanos, que já não tem quase nada. Parte das forças políticas locais incitam direta/indiretamente esse comportamento, a governadora de Roraima dificulta como pode o acesso dos venezuelanos ao sistema de saúde e educação, chegando ao cúmulo de exigir passaporte para que crianças sejam atendidas nos postos de saúde ou sejam matriculadas nas escolas. O Governo Federal prometeu ajuda financeira para Roraima e dizem que até o momento ficou na promessa.

  4. Eu não tenho palavras para

    Eu não tenho palavras para externar a vergonha que tenho de ter um governo vizinho da Venezuela com IMBECIS que não conseguem dar sustento para sua população…

  5. Essa demonstração de ódio

    Essa demonstração de ódio contra os venezuelanos me provou algo que eu já desconfiava a algum tempo: de Norte à Sul, o povo brasileiro é mesquinho e covarde.

    Nosso governo é só um reflexo de nossas almas podres. Se hoje temos Temer, é porque merecemos ele.

    E que venha Bolsonaro e leve os brasileiros para o abismo novamente, que é de onde nunca deveríamos ter saído.

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