Por uma sociedade sem manicômios, por Debora Diniz

Do Justificando

Por uma sociedade sem manicômios

Debora Diniz

Houve um tempo em que acreditávamos nos manicômios como lugares bons para tratar os loucos. Você pode dar o nome que preferir — pode ser hospício, sanatório ou hospital de tratamento psiquiátrico. Só não vale clínica de repouso ou casa de saúde. Eu gosto de manicômio, uma palavra de horror. Até me dói pronunciá-la: o dicionário diz “hospital para o tratamento de psicopatas”. Nos manicômios, trancavam-se os loucos, acorrentavam-se os mais agitados, não havia preocupação com as formas de cuidar ou exibir os corpos. Os loucos andavam nus, sujos como cachorros abandonados pelas ruas. Comiam o que lhes davam, dormiam onde caíssem.
 
Muito se comparou os manicômios aos campos de concentração. Essa é uma alegoria que nos atemoriza pelo exagero, mas aqui ela é justa. Assim como nos campos nazistas, os loucos dos manicômios não podiam ir e vir, eram esquecidos, viviam como os quase mortos descritos por Primo Levi em “É isto um homem?” Quando vejo imagens do Hospital de Barbacena ou da Clínica Planalto, a única da capital do país, desativada há pouco mais de década, me lembro, sim, dos campos concentracionários. E repito a surpresa, porém de jeito um pouco diferente: “o que é isso que fizeram?”

 
Já sabemos o que um manicômio faz aos loucos. Não há tratamento, não há cuidado, não há cura. Há abandono, esquecimento e maus-tratos. Mente quem diz que houve avanço do tempo de Pinel para cá, que não há mais isso de corrente ou nudez. Hoje, além das contenções físicas, há os remédios, a impregnação, o controle silencioso do jaleco branco que acredita no diagnóstico da loucura pelo medicamento oferecido pela indústria farmacêutica. Por isso, mente mais ainda quem diz ser o manicômio uma possibilidade de uma nova psiquiatria, agora científica.
 
Bubu é um poeta. Vive há quase duas décadas entre idas e vindas no manicômio judiciário de Salvador. Ele diz ser a psiquiatria “a mais atrasada das ciências”. Como desconheço a escala de julgamento do poeta, faço citação como provocação para aqueles que defendem mudanças na política de saúde mental pela volta dos manicômios. O recém-empossado coordenador da área técnica de saúde mental do Ministério da Saúde, Valencius W. Duarte Filho, foi diretor de manicômio de horror, a Casa de Saúde Dr. Eiras. Roberto Tykanori, ex-coordenador da pasta, lembra, “este lugar era realmente um dos piores que eu já vi. Havia uma pessoa que estava há 15 anos trancada, sem sair por mais de 15 anos. Ela era mantida como um verdadeiro animal, como numa jaula em que a comida passava por baixo da porta, e ninguém se importava com isso”. Eu não acredito em manicômios, e mais: quero viver em um tempo em que os manicômios sejam uma vergonha do passado. Por isso, repito: por uma sociedade livre dos manicômios.
 
Debora Diniz é antropóloga, professora da Universidade de Brasília, pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética e autora do livro “Cadeia: relatos sobre mulheres” (Civilização Brasileira). Este artigo é parte do falatório Vozes da Igualdade, que todas as semanas assume um tema difícil para vídeos e conversas. Para saber mais sobre o tema deste artigo, siga https://www.facebook.com/AnisBioetica.
Redação

4 Comentários

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  1. Por uma sociedade sem manicomios

    Ao ler algumas opiniões sobre a reforma manicomial, assunto que me provoca interrogações e dúvidas, fico inclinado a considerar que estão corretos os que a atacam como palpites de amadores, bem intencionados mas desligados da realidade. A professora Débora se supera em emitir conceitos a-históricos e afirmações sem nexo com a vida real. Antes dos manicômios os “loucos”, como ela diz, ou seja, os portadores de doenças mentais graves, viviam pelas ruas, submetidos a todas as humilhações e maus-tratos que se podiam dai esperar. Assim, a internação, onde eram submetidos a algum tratamento (certamente muito  precários, no século dezenove) e estavam um pouco mais protegidos da crueldade que as ruas lhes ofereciam, foi um avanço em relação a situação anterior. 

    Citando a autora: “Já sabemos o que o manicomio faz aos “loucos”. Não há tratamento, não há cuidado, não há cura.” A professora Débora teve ter uma fórmula mágica para o tratamento e a  cura de doenças mentais graves, infelizmente não nos informa qual seja. Segundo ela  “hoje, além das contenções físicas, há os remédios, a impregnação, o controle silencioso do jaleco branco que acredita no diagnóstico da loucura pelo medicamento oferecido pela industria farmaceutica”.  Ela seguramente não acredita em nada disto, mas repito, não nos brinda com a informação do que seria esta solução milagrosa. 

    Imaginar como se daria o tratamento (qual?) a ser propiciado por uma familia de renda de um salario mínimo para um integrante com uma doença mental grave, sujeito a surtos com manifestações violentas, com riscos para si mesmo(a) e aos próximos. Que trabalham exaustivamente, quase sempre longe do local de moradia, para manterem o nivel básico da sobrevivencia. Então, apostar simplesmente na extinção dos locais de tratamento com internação para doenças mentais graves, a partir dos horrores que com certeza existiram e ainda existem, sem apresentar qualquer alternativa minimamente realista, não passa de demagogia, talvez bem intencionada, mas nem por isso menos cruel, com os portadores destas doenças e com seus familiares E me refiro aqueles que pelo seu nivel de vida dificil e precario, não tem condições de suportar sozinhos, sem forte apoio estatal, mais esta carga pesadíssima. E é onde se encontram, apesar dos notaveis avanços sociais dos últimos anos, a maioria das familias com este tipo de problema.

    Uma afirmação da professora Débora está correta, a psiquiatria e a neurologia são universos científicos ainda carentes de imenso desenvolvimento, o cérebro humano continua sendo o maior mistério do nosso corpo, exatamente pela sua extraordinaria complexidade, e particularmente quando se trata das suas disfunções. Basta lembrar que os medicamentos eficazes para doenças mentais são apenas da década de 50 do século passado, e que até hoje não existem marcadores biológicos (com poucas exceções) nítidos para as doenças mentais.

    Os horrores que se podem verificar no tratamento manicomial realmente existente em muitos locais não tem nada a ver com o conceito teórico da existencia em si destas instituições,  pelo menos não há nenhuma comprovação disto, o que poderá vir a  acontecer.  Basta comparar com as nossas instituições prisionais, onde os horrores são da mesma ordem ou piores que as dos tratamentos psiquiátricos usadas como exemplos. Não temos prisões do mesmo nivel da Suécia ou Noruega, muito longe disto, e é um deficit civilizatório brutal no Brasil. Mas a solução não está em eliminar as prisões, embora alguns teóricos cheguem a propor isto, ou pelo menos diminuir drasticamente o encarceramento como solução para a criminalidade ( a minha proposta é melhorar radicalmente o sistema prisional e judiciario penal).

    Como conclusão, eu diria que a questão manicomial está em aberto, mas que a fragilidade dos argumentos dos defensores da supressão destas instituições está colocada de modo extremamente fragil e inconsistente, frequentemente agredindo os fatos, como o artigo da Professora Débora deixa muito explícito.  

    1. “Fragilidade de argumentos”

      O texto da doutora Débora se baseia nos múltiplos e comprovados trabalhos de entre outros especialistas o doutor Roberto Tykamori referencia mundial e consultor da ONU entre outros especialistas nessas questões. Vergonhosamente o Ministério da Saúde (Governo Dilma 11/2015) o substituiu pelo famoso desqualificado Valêncius W. Duarte Filho (não possui um artigo se quer publicado nessa questão) alegando que o tema teria sido tratado “ideologicamente” pelo doutor Tykanori e equipe e agora iria buscar uma orientação apenas “técncica”, utilizando um burocrata de plantão famoso por dirigir uma casa de hoorrores e que se o Conselho service para alguma coisa deveria te-lo cassado. Essa é a vergonhosa situação que o Ministério da Saúde nos coloca, um retrocesso e um apadrinhamento irracional e quando seu texto diz estar em dúvidas e acreeditar serem frágeis os argumentos e relacionar a condição de um paciente psiquiátrico com a condição carcerária ou a da limitação de renda, acredito que o senhor não tem dúvidas sobre essa questão e simplesmente não tem é coragem de assumir sua opinião e reacionar sua posição sobre o tema e aí sim ideológicamente de retomar a barbárie, a opressão e a tortura.que significam a instituição dos manicomios. Se sua resposta for; “então leva pra sua casa” eu entedrei perfeitamente.

      CGBrambilla

  2. em o  enigma de kaspas hause,

    em o  enigma de kaspas hause, de  herzog, o personagem

    vive isolado numa caverna e depois é abandonado numa praça,

    uma família tenta ajudá-lo, mas todas as palavra,para ele,eram vazias,

    pois as palavras que ouvia não firame não ram vivdas por ele.

    no brasil temos o caso famoso do pintor bispo do rosário, que disse:

    “os doentes mentais são como beija-flores.

    nunca pousam.

    estão sempre a dois metros do chão”.;;

    o grande ator e criador frances  antonin artaud,

    maudou ma carta  ao asilo de loucos onde esteve:

    “e não podemos admitir que se impeça o livre desenvolvimento de um delírio,

    tão legítimo e lógico como qualquer  outra série de ideiais e atos humanos”..

    em diário no hospício, lima barreto diz:

    não me incomodo muito com o hospício,

    mas o que me aborrece

    é essa intromissão  da polícia em minha vida.

    de mim para mim,tenho certeza que não sou louco, mas devido ao álcool,

    misturado com toda espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material,

    há seis anos, me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura, delírio… 

     

     

  3. Somos todos presos. Ou não?

    Vindas do latim, a palavra educar é parenta de conduzir e,  como todo mundo sabe, uma “prisão” eficaz para tornar melhor a vida humana é a educação – que é a soma dos cuidados desde o nascimento do bebê com os ensinamentos que família e sociedade vão ministrando à criança, no dia a dia. Esses condicionamentos a que eu chamei de “prisão” é que vão propiciar que o adulto tenha uma vida saudável, respeitando a si e aos outros. Aqui, um parêntese: os políticos que têm  mau-caráter, desviam, cometem delitos,  não foram devidamente condicionados, apesar de a gente ser levada a supor que suas famílias tinham muito mais meios para educá-los. Em razão disto,  desrespeitam leis, fraudam, roubam e deveriam ser presos e…re-educados, pelo tempo que fosse necessário.  

    Por razões que a medicina psiquiátrica ainda não descobriu de todo, algumas crianças já nascem portando dificuldades, por exemplo oriundas de má-formação do cérebro e/ou de algum dos inumeráveis “aparelhos” mentais,  e essas dificuldades não permitem que tais crianças sejam moldadas, educadas – e isto trás como possíveis consequências a possibilidade real de causar acidentes, fatais ou  não, a si ou a outrem. Por exemplo, um transtornado não se impede de saltar  do alto de um prédio, ou até mesmo de jogar alguém de lá. A percepção de que uma pessoa porta  um transtorno grave  pode ocorrer em qualquer faixa etária. Em BH existe pelo menos um local onde crianças são contidas, e a razão informada para isto é a constatação de que portam transtorno mental grave. 

    O aprisionamento de quem comete algum delito tem fundamentalmente a função de impedir que tal pessoa cometa mais delitos, se continuar solta. E – se nossas prisões fossem como deveriam ser – durante o tempo em que tal pessoa está contida, ela seria educada, ou re-educada, ou seja, moldada para voltar à sociedade sem colocar em riscos as vidas nem ficar tirando o sossego   das pessoas  ao redor.

    O aprisionamento / contenção da pessoa acometida de transtornos psiquiátricos graves deveria obedecer a parâmetros similares, isto é, que fosse hospitalizada em ambientes em que não coloque em risco  a própria vida ou a de outras pessoas, e ali recebesse tratamento visando sua cura e – se esta cura ainda não for atingível –  que ao menos o tratamento intente reduzir o mal estar do indivíduo com diagnóstico (confirmado) de transtorno grave.

    Nos dois hospícios / manicômios /hospitais para alienados mentais que conheci em BH,  os cuidados com pacientes eram similares aos dos hospitais do SUS.  Havia cuidadores para as diferentes tarefas (limpeza, hora da medicação, refeições, etc) mas pareciam (digamos) respeitar até onde era possível as manifestações de “loucura” de cada um. Por exemplo, a mulher que cuidadosamente se despia toda quando chegava ao pátio não era incomodada / forçada a se vestir. E vi lá que aos demais hospitalizdos parecia indiferente ela estar vestida, ou nua.   No espaço específico para psicopatas em grau elevado, vi pelo menos um deles batendo com a cabeça na parede, ritmadamente, monotonamente. O diretor me disse que pelo menos 2 vezes esse doente já tivera de ser levado de ambulância a um hospital para tratar das lesões que ele  provocava no crâneo. 

    É possível que alguns dos  pacientes não precisassem ficar internados, se os cuidados necessários para eles pudessem ser desempenhados pelas próprias famílias.

    De qualquer modo, com o movimento pelo fim dos manicômios, os 2 hospitais mencionados aqui foram fechados. E não sei o que terá sido feito com os pacientes mais gravemente afetados pelos males que os levaram à internação. 

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