A estrela decadente

Do leitor André Araújo

Nassif

Nos anos de ouro da ópera, antes da Segunda Guerra, aportavam no Brasil cantores já com a voz gasta, mas que tinham tido uma carreira gloriosa nos palcos europeus.

Os amantes da ópera em Milão não perdoavam vozes enfraquecidas pela idade e os grandes profissionais não corriam o risco fatal de serem vaiados em pleno ato. A fonografia era uma indústria limitada e os equipamentos não supriam deficiências de voz.

Mudavam então de público, contando com o modesto conhecimento operistico dos sul-americanos e aqui brilhavam em longas temporadas, lastreados no nome do estrelato antigo.

O processo era relativamente fácil pela precariedade das comunicações à época. Aqui se captavam os ecos da fama, mas não as críticas recentes.

Hoje em dia o papel dos barítonos e tenores transferiu-se para conferencistas e palestrantes empresariais, já desgastados nos seus cenários nativos, mas que ainda deslumbram os crédulos e basbaques dos paises emergentes.

Como no tempo dos transatlânticos, a informação especializada não chega tão rápida aqui ainda hoje, onde poucos se dão ao trabalho de sair da superfície da noticia, mesmo com a facilidade da Internet.

Está ai chegando para caríssima palestra “o maior CEO do mundo” segundo a empresa promotora do evento, o ex-CEO da GE, Jack Welch.

Welch é hoje um nome completamente desgastado nos EUA pelas críticas cáusticas feitas por analistas insuspeitos, onde se dissecou sua ultra promovida administração à frente da GE. O estilo de Welch não difere muito dos terríveis CEOs da Enron e da MCI, o que difere é a empresa criada por Thomas Edison. Enquanto essas duas corporações que faliram eram criações recentes e sem raizes, a GE já tinha mais de cem anos quando começou o reinado de Welch, desde há muito uma empresa riquíssima, reputada, sólida e altamente lucrativa.

No livro ” At Any Cost – Jack Welch, General Electric and the Pursuit of Profit”, de Thomas F. O´Boyle, veterano jornalista do The Wall Street Journal, edição de Vintage Books – 449 pags., o mito Jack Welch é dissecado e sobra pouco alem de um caráter altamente manipulativo, enormes investimentos no marketing pessoal, métodos mais do que controvertidos de gestão para impressionar o mercado, muita espuma para pouco conteúdo real fora dos holofotes retumbantes, pagos pela empresa.

Mas o maior dano à imagem de Welch, até então cuidadosamente construída para a mídia, foi a forma de sua saída da GE e o que isso custou aos acionistas. Quando veio a público o tamanho das mordomias e ganhos contratuais de Welch até o fim de seus dias, houve uma fúria no mercado e acionistas irados exigiram o cancelamento de muitas dessas mordomias que Welch se auto-concedeu, acintosas até para um gigante corporativo como a GE. Seguranças, secretárias, personal trainers, mordomos, jatinhos, limousines, clubes de golfe, entradas para teatro, cotas de vinho despesas ilimitadas de viagem, a saideira de Welch não esqueceu nada.

O clima de tolerância com essas indulgências para executivos popstars mudou nos últimos cinco anos nos EUA. Houve uma revolta geral dos acionistas contra essa farra e talvez o maior alvo-símbolo dessa época tenha sido Welch, que não foi nem sensato, nem modesto e nem honesto com seu contrato de aposentadoria.

Aqui, todavia, ele continua estrela, seus livros vendem bem, nada disso se sabe, e os deslumbrados de sempre vão ver seu ídolo, sem imaginar o contexto onde ele atuou e qual o novo cenário para CEOs no mundo globalizado, muito diferente dos anos Welch, hoje uma história malcheirosa na própria GE, é um passado mas não é o futuro, o qual provavelmente não mais terá espaço para CEOs estrelas da mídia, um futuro talvez mais sóbrio e mais humano em um novo cenário de governança corporativa que está despontando em todo o mundo.

Luis Nassif

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