A matemática da determinação da renda

por João Sicsú +

Está muito em voga a seguinte equação: redução dos gastos correntes, redução da carga tributária e aumento dos investimentos públicos. Parlamentares, dirigentes do governo e economistas se esforçam em defender essas idéias. A equação garantiria um crescimento do PIB de no mínimo 5% ao ano. Não deve haver qualquer dúvida de que o desperdício, o gasto público sem qualidade e os custos decorrentes da ineficiência do funcionamento da máquina estatal devem ser eliminados. Esta é uma ação republicana. É inegável que os impostos sobre os gastos de investimento devem ser reduzidos para aumentar sua rentabilidade esperada. Também é indiscutível que o investimento público deve ser aumentado. Estas duas últimas são ações keynesianas.

Ações republicanas, keynesianas e outras, quando foram adotadas, explicaram o crescimento e o desenvolvimento de diversos países. Contudo, a análise deve ir além. Não devem ser analisadas as parcelas da equação proposta de forma isolada, deve-se analisar também o resultado esperado. De forma isolada, a adoção de cada parcela da equação deve ser vista com muito otimismo.

A equação propõe uma redução de gastos correntes específicos. É importante ressaltar que gastos correntes geram crescimento e emprego. A compra do excesso de cafezinho desperdiçado na repartição pública gera renda e emprego na fábrica de moagem e empacotamento de café. A compra de bicicletas para serem utilizadas por paramédicos que nem sequer foram contratados gera renda e emprego lá na fábrica de bicicletas. Quando uma Bolsa Família é incorretamente concedida a uma empregada doméstica que ganha R$ 350 gera emprego na quitanda, no supermercado e na fábrica de massas. Eliminar essas distorções é uma ação republicana, necessária. Contudo, deve ficar claro que quando o governo faz um gasto corrente, alguém recebe esse gasto. Para quem recebe esse gasto, ele é renda. Quando essa renda é gasta, gera empregos e mais renda.

A redução da carga tributária sobre a compra de máquinas e equipamentos pode aumentar a rentabilidade esperada do investimento. A rentabilidade de um investimento é calculada com base no preço das máquinas e equipamentos acrescidos de seus impostos em relação à receita esperada com as vendas da produção. A receita esperada com as vendas depende de haver crescimento econômico. Crescimento é sinônimo de aumento de compras e de mercados. Portanto, a atividade empresarial é uma atividade de risco onde a realidade julga expectativas de rentabilidade e dá o veredicto do lucro ou do prejuízo. Logo, se existem alternativas onde o binômio rentabilidade/risco é mais favorável, apesar de ter havido redução de impostos, o investimento não aumentará de forma significativa. A principal concorrente pela demanda empresarial que oferece rentabilidade atrativa e risco reduzido tem sido a aquisição de títulos da dívida pública.

Aumentar o investimento público gera diretamente emprego e renda. O trabalhador que foi contratado para construir uma estrada, que estava desempregado, não tinha renda. Passa a tê-la. Passa a gastar, a comprar calçados e vestimenta, por exemplo. As fábricas de calçados e roupas, para atender a nova demanda, devem contratar mais trabalhadores e comprar mais insumos. Assim, mais empregos e mais compras se espalham pela economia. Logo, o investimento público faz crescer, possivelmente, o investimento privado e, certamente, o consumo.

O que a equação em voga propõe inicialmente é uma redução de gastos correntes. Esta “economia”, em primeiro lugar, reduziria a necessidade de arrecadação, o que possibilitaria a redução de impostos, principalmente, sobre a aquisição de máquinas e equipamentos – sem aumentar o déficit público. Em segundo, proporcionaria recursos para um aumento do gasto público em investimento – sem aumentar o déficit público. A pergunta que deve ser feita é a seguinte: isto provoca crescimento?

Políticas de gastos públicos somente geram crescimento quando pelo menos uma de duas condições é atendida (ou quando há uma combinação favorável delas): quando há um aumento de gastos do governo; ou quando o mesmo volume de gastos é redirecionado para favorecer aqueles que têm uma alta propensão a gastar, isto é, por exemplo, quando quem passa a receber o gasto do governo são “pobres” que gastam o que recebem – e “ricos”, que recebiam o gasto público, deixam de receber – eles poupavam o que recebiam. “Pobres” gastam o que recebem e geram emprego e renda. “Ricos” já têm o seu consumo satisfeito, o que ganham a mais poupam, não geram emprego nem renda. Esta deve ser a arte da política fiscal de gastos que não aumenta gastos: transferir o gasto público que representava renda daqueles que têm baixa propensão a gastar para aqueles que tem alta propensão a gastar. Isto não é um problema social, mas fundamentalmente uma questão macroeconômica.

No caso da equação proposta não haveria um aumento de gastos. Haveria redução porque somente uma parte da redução de gastos correntes seria transformada em gastos de investimento. A outra parte propiciaria a redução de impostos, sem que isto provocasse aumento do déficit público. Sob estas condições, teria que haver uma certeza: de que esta troca de gastos públicos correntes por gastos públicos em investimento corresponderia a uma troca de beneficiários dos gastos públicos que têm uma baixa propensão a gastar por aqueles que têm uma alta propensão. E mais: que está troca de propensões seria tão expressiva que compensaria o impacto negativo que a redução de gastos públicos teria sobre o crescimento. Caso contrário, a equação da moda provocaria um efeito talvez até negativo sobre o crescimento.

Pode ser argumentado, contudo, que o que se espera são efeitos indiretos. O governo não estaria fazendo uma política econômica ativa, direta, para fazer a renda crescer. Mas estaria fazendo uma política de sinalização, indireta, em que se espera que os empresários, diante desse bom comportamento do governo e da realização de algumas obras, tomem decisões de investimento. De certa forma, a abertura de novas estradas, de portos modernizados e de mais infra-estrutura podem ser um estímulo ao investimento. Não seriam estímulos diretos, de aumento de demanda esperada, mas sim de melhores condições que em algum nível podem reduzir custos.

O fundamental é que tem que haver demanda esperada e esta somente ocorre se é esperado haver crescimento. Cabe lembrar que o novo trabalhador admitido na construção da estrada (decorrente do novo investimento público) pode ser aquele mesmo que trabalhava na fábrica de moagem e empacotamento de café (que recebia o velho gasto corrente). O aumento da demanda doméstica possivelmente será irrisório. Essa equação, então, é provável que estimule ainda mais as exportações que, por definição, não dependem do aumento da demanda interna, mas que terão infra-estrutura mais adequada. Mas as exportações, embora essenciais num projeto de desenvolvimento, não são capazes de “puxar” elevadas taxas de crescimento, pois representam ainda proporção reduzida do PIB.

Existe uma simples matemática de determinação da renda agregada de uma economia, tal como sugeriu Paul Samuelson, em 1947. Os gastos do governo, o multiplicador desses gastos (que depende de propensões a gastar), o consumo, o investimento e o saldo comercial são as variáveis fundamentais para explicar o crescimento econômico. É tão simples quanto: perde o jogo quem fez menos gols ou ganha as eleições quem tem mais votos. Se os gastos do governo vão ser reduzidos segundo a proposição da equação da moda é preciso aumentar de forma significativa o multiplicador de gastos do governo (trocando beneficiários “ricos” por “pobres”). Do contrário, a política será de contração da renda ou, na melhor das hipóteses, será uma política “de espera”; pode ser. Vamos esperar, como espectadores, que os empresários façam os investimentos, ainda que não tenham estímulos econômicos diretos sobre a demanda realizados pela política fiscal do governo. É apostar na sorte. Boa sorte para o governo.

João Sicsú é professor-doutor do IE-UFRJ – website: www.ie.ufrj.br/moeda/sicsu

Luis Nassif

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