Chile: forte ofensiva russa no mercado sul-americano de tecnologia militar e logística

Frederico Füllgraf
Santiago do Chile
 
Acaba der terminar no Chile a FIDAE 2014, feira bienal internacional de tecnologia aeroespacial, de berço pinochetista, desde 1980 patrocinada pela força aérea chilena. Como uma das cinco maiores feiras mundiais do gênero, a FIDAE conta atualmente com a participação de mais de trinta países, entre produtores e compradores de tecnologia de aplicações predominantemente militares. 
 
Notável plataforma comercial, com suas edições mais recentes, a FIDAE abriu-se à aviação civil e comercial, à manutenção de aeronaves e equipamento aeroportuário, além de ampla mostra estática de aviões em pista e shows de acrobacias aéreas, com a finalidade de atrair o público difuso, mas ávido por uma aventura, assim dissimulando o  estigma da feira, já notória como bazar multinacional de armamento de guerra.
 
Pragmatismo russo
 
A FIDAE 2014 foi inaugurada enquanto Barack Obama mobilizava aliados e súditos para a votação na ONU da resolução contra o plebiscito de adesão da Crimeia à Rússia.
 
Apesar do Chile (e além dele Colombia, Perú, México, Panamá, Costa Rica, Guatemala, Honduras e República Dominicana) ter(em) somado seu voto à denúncia norte-americana da suposta “ilegalidade do referendo na Crimeia”, a Rússia foi um dos expositores de maior expressão na FIDAE, e não se fez de rogada, aproximando-se com otimismo e tentadoras ofertas do recém-empossado governo de Michelle Bachelet, que em sua trajetória política coleciona um mandato de ministra da defesa.
 
Apesar de seu voto contra a suposta “anexação” da Crimeia, Bachelet é bem quista pela Rússia. Durante os últimos meses de seu primeiro governo, em 2010, os dois países estavam às portas da assinatura de um contrato para a aquisição de diversos modelos de aviões e outros equipamentos militares, mas foram surpreendidos pelo terremoto de 27 de fevereiro de 2010, que congelou o negócio, jamais retomado pelo sucessor de Bachelet, Sebastián Piñera.
 
Comprador tradicional de armamento de origem ocidental, o Chile é seduzido pela Rússia para inverter esta tendência. Quatro anos após o terremoto de 2010, Alexánder Fomín, diretor do Serviço Federal para a Cooperação Técnico-Militar da Rússia, aposta na reversão, apontando segurança, uso facilitado e relação qualidade-preço como os grandes trunfos comerciais do armamento russo. Virtualmente irrecusável é a inédita oferta russa de transferência de tecnologia. Tendo em conta as condições de alta montanha de grande parte do território chileno, os russos esperam vender principalmente seus sofisticados helicópteros – como o polivalente Mi-35M – mas também  caças e  aviões de transporte militar.
 
Brasil, sócio preferencial
 
A abstenção do Brasil durante a votação na ONU não foi bem recebida pela Casa Branca, mas muito bem vista pelo Kremlin em Moscou, para quem qualquer continência estava de bom tamanho, principalmente em se tratando do Brasil, pois Vladimir Putin não ignora a necessidade de jogo de cintura do Governo Rousseff perante o que Washington e Berlim definem como  “Ocidente”, mas simultaneamente buscando equilíbrio em suas parcerias off mainstream, como é o caso dos BRICS. Aliás, no vamos ver quem deve satisfações a quem, Obama é devedor contumaz de Dilma, pois  ainda não explicou e garantiu a suspensão da escancarada espionagem pessoal pela NSA da mandatária da maior nação latino-americana.
 
Tendo como pano de fundo as sanções comerciais e institucionais adotadas pela OTAN e a União Europeia contra o retorno da Crimeia à Federação Russa, esta definiu o Brasil como um dos parceiros estratégicos para substituir os tradicionais clientes ocidentais. O interesse de Vladimir Putin é incrementar em mais de 20% o comércio com o Brasil, elevando seu valor atual, situado entre 6 e 7 bilhões dólares, para 10 bilhões de dólares anuais até 2016. 
 
Faz parte desta meta, por exemplo, a renovação da parceria tecnológica entre dois gigantes dos BRICS até o final de 2015: a Rostec russa e a brasileira Odebrecht Defesa e Tecnologia.
 
A “Rostekhnologii” (Rostec) foi criada em 2007, como o maior complexo industrial-militar da Federação Russa. O conglomerado abrange 663 empresas, institutos e laboratórios de pesquisas militares e tecnologias derivadas, distribuídos por  60 regiões do país, contando com 900 mil funcionários na folha de pagamento, nada menos que 1,2 % de la população ativa da Rússia. 
 
Em 2012 o faturamento do gigante russo foi de 31,0 bilhões de dólares. Naquele mesmo ano, a Rostec assinou um contrato de cooperação tecnológica com a Odebrecht brasileira nas áreas de desenho e produção de altas tecnologias de usos múltiplos, civis e militares, particularmente de mísseis antiaéreos, mas também de tecnologia de controle e segurança para a faixa litorânea brasileira; recursos entrementes adotados pela maioria dos BRICS. 
 
Em Santiago, contudo, Dmitry Shugaev, executivo da Rostec, lembrou que a cooperação técnica com o Brasil já se encaminha para a produção de helicópteros e o fornecimento de titânio, caríssimo metal de transição leve utilizado pela indústria aeroespacial. Até 2015, a Odebrecht pretende ainda absorver tecnologias de infraestrutura da Rostec, entre as que se destaca um complexo chamado “Porto Móvel Multipropósito”, espécie de mega-plataforma autônoma e transpórtável, que permite o atracamento de navios e naves submarinas e a realização de obras e tarefas portuárias que dispensam a necessidade de equipamento previamente transportado desde a costa.
 
Obviamente, a Rússia está de olho no potencial de mercado que se esboça com o lento avanço da UNASUL- União das Nações Sulamericanas, cujo Conselho de Defesa aprovou em sua recente IX reunião em Paramaribo, a criação da ESUDE- Escola Sulamericana de Defesa. 
 
A proposta do presidente Rafael Correa, que além da Unasul pretende sediar também a Esude no Equador, tem por objetivo instalar o primeiro centro de altos estudos de articulação de iniciativas nacionais dos estados membros, para a formação e capacitação de civis e militares em matéria de defesa e estratégias políticas de segurança regional.
 

3 Comentários

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  1. FIDAE 2014

     Tirando os chineses e israelenses, para o resto dos expositores, esta feira foi fraquissima.

      E meu filho, classificar a UNASUL de “lenta”, é elogio, ela está imovel, mas é uma grande produtora de “press-releases”, alem de um bom motivo para diplomatas e militares poderem realizar viagens, dar um”turismo oficial”, como a de Cartagena ( lugar lindo) e de Paramaribo ( horrivel).

  2. ” Porto Multi – propósito” – O que é

      Um “herdeiro” comercial da “Base Móvel” militar, concebida pelo escritório de projetos ( OKB, em russo) MKB Kompass ( em presa 100% da Rostec), exibida pela primeira vez no IMDS/2011 de São Petersburgo, e já vendida (uma unidade) ao Vietnã.

       Trata-se de um complexo de estruturas moveis, estandarizadas modulares, a gosto do “freguês”, que permite o rapido estabelecimento de um porto em areas litoraneas que não possuam infraestrutura prévia, dependendo da exigência, podem ser montado uma base/porto, no máximo em 30 dd ( fora a construção dos módulos).

        No exemplo militar, tipo vietnamita, 3 módulos são principais, organicos em qualquer projeto do MKB: energia, comando & controle, comunicações), os demais são sempre agregados a estes, no caso: atracadouros para 4 fragatas da compativeis a classe Gepard, 3 atracadouros para outros tipos de navios leves ( corvetas/lanchas de patrulha), e 5 módulos ( cereja do bolo, os mais caros), 4 deles que abrigam, cada um, 1 submarino classe “Kilo” e outro módulo “dobrado”, com as oficinas de manutenção para estes submarinos – alem destes módulos portuários, tanto “emersos” como “semi imersos”, outras estruturas modulares complementares podem ser agregadas, no caso vietnamita, hangares e oficinas para helicopteros.

          Portanto, derivar esta estrutura complexa, para um estabelecimento comercial ou de recepção off-shore, é só querer. 

          P.S.: Todos que ja me leram sabem o que acho de “embargos”, são idiotices politicas para satisfazer a midia e idiotas, então, analisem algumas das ultimas iniciativas da ROSTEC com industrias ocidentais:

           US$ 100 milhões, 50/50, com a canadense Bombardier, para a montagem de aviões turbo-hélices na região economica especial de Ulyanovsk  (janeiro de 2014)

            120 milhões de Euros, 50/25/25 – com a General Eletric, para o estabelecimento de uma planta industrial de turbinas a gás, em Rybinsk ( fevereiro de 2014).

  3. Assuntos de tecnologia e defesa.

     

      Bom dia Nassif. Você poderia criar uma coluna nesse blog somente sobre esses assuntos pois os mesmos são ignorados na grande mídia, e tem muita gente como eu interessada em ler sobre essas novidades. Obrigado, Antonio Lopes sp capital.

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