Dilma busca mais controle sobre bancos do que Lula

Do blog Desenvolvimentistas

Dilma buscou maior controle sobre os bancos do que Lula

A Associação Keynesiana Brasileira (AKB) acaba de lançar o livro Sistema Financeiro e Política Econômica em Uma Era de Instabilidade: tendências mundiais e perspectivas para a economia brasileira. Duas questões predominam nos textos: a crise financeira mundial e o esforço dos autores para identificar diferenças entre as políticas econômicas de Lula e Dilma Rousseff.

“O livro expressa preocupação com a desregulamentação financeira que começou na década de 80 e permitiu inovações e práticas que acabaram por alavancar a especulação e contaminar outras economias, por causa da integração financeira que existe hoje”, disse o presidente da AKB, Luiz Fernando de Paula, economista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

De Paula acrescentou, durante o seminário de lançamento da obra, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que Keynes trabalhava com a idéia de que as instituições financeiras fazem avaliações de risco pró-cíclicas. Ou seja, em momentos de expansão tendem a se arriscar mais e, portanto, precisam ser reguladas por instituições.

“Não existe uma única visão keynesiana, mas há questões compartilhadas no livro, como a idéia de que economias monetárias capitalistas estão sujeitas à incerteza radical. O capitalismo, devido às forças monetárias e financeiras, é propenso à crise e o que as evita é a existência de instituições”, disse, ponderando que Keynes colocava a necessidade de haver um equilíbrio entre Estado e mercado: “O sistema Bretton Woods mantinha uma razoável estabilidade.”

Lula x Dilma

Com relação ao Brasil, ele observou que, enquanto Lula foi “muito conservador”, mantendo Henrique Meirelles e os “falcões do mercado” no Banco Central, e não fazendo nada para conter o “boom de fluxos de capitais”, Dilma introduziu controles sobre o mercado de capitais e sobre mercado de derivativos cambiais: “Com Dilma há maior controle sobre a taxa de câmbio, basta ver a desvalorização do real, de R$ 1,60 para R$ 2,10. Os chamados novo-desenvolvimentistas acham que é pouco. Por outro lado, Dilma tenta puxar o crescimento pelo investimento público, com enorme dificuldade, mas há preocupação e iniciativa nesse sentido”, destaca.

“Questiona-se também se houve, no segundo mandato de Lula, flexibilização das regras de Fernando Henrique, baseadas no tripé superávit primário-câmbio flutuante-metas de inflação. Em caso afirmativo, se foram medidas keynesianas ou pragmatismo no momento de crise”, observou De Paula, para quem, no livro, há dois olhares em relação aos governos do PT:

“Uma, novo-desenvolvimentista, que aponta para intervenção na taxa de câmbio para dar competitividade à indústria e levanta questões sobre a doença holandesa e a desindustrialização. Outra visão, do pessoal da Unicamp, social-desenvolvimentista, fortemente governista, tenta mostrar que há um modelo de crescimento com distribuição de renda baseado no consumo interno induzido, seja por conta do crescimento do salário mínimo ou por causa do crédito consignado, com efeitos na distribuição de renda e nova classe média.”

Euro: miopia política

Sobre a crise do euro, o presidente da AKB afirmou que os trabalhos do livro e a visão pós-keynesiana têm enfocado que a moeda única européia tem problemas no desenho, que seria equivocado: “Foi uma estrutura montada fortemente influenciada pelos preceitos ortodoxos e liberais. Não se criou uma estrutura de instituições e políticas estabilizadoras. O euro não está preparado para enfrentar uma crise. Em sua estrutura não tem nada pronto para isso”, conclui o economista da Uerj, acrescentando que o Banco Central Europeu (BCE) era voltado para a estabilidade de preços, mas tinha suas funções de emprestador de última instancia bastante inibidas.

“Só recente e tardiamente o BCE anunciou que estará disposto a fazer compras ilimitadas de títulos soberanos para evitar que os preços despenquem. Então, enquanto “grande banco”, o BCE é bastante capenga”, define.

Também o governo central, na visão dos autores, seria “capenga”, pois na região do euro não existe entidade supranacional fiscal: “Acrescente-se o fato de que a região é socialmente muito assimétrica, com desníveis agudos de competitividade. O Banco de Reconstrução Europeu fez investimentos, mas a região precisava de uma política permanente de transferência de renda para que a periferia se desenvolvesse. Mas não foi o que aconteceu. O bloco se manteve dependente dos países centrais, sobretudo da Alemanha. Com câmbio fixo, o país se tornou a grande exportadora para toda a região do euro”, critica De Paula.

Mais incerteza

Já Rogério Sobreira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destacou que os aperfeiçoamentos feitos no Acordo de Basiléia (mecanismo de supervisão bancária global) não alteraram o caráter auto-regulatório que lhe é intrínseco, o que manteria este conjunto de regras incapaz de mitigar crises do porte da verificada a partir de 2007: “A crise capitalista é um momento de aumento da incerteza, mas também muito rico para o debate. Defendemos que o desenho da regulamentação tipo Basiléia não tem condições de evitar crises como a que estamos vivendo.”

Sobreira argumenta que Basiléia 1, instituída em 1988, veio substituir uma regulação de caráter muito mais direto quanto ao controle de fluxos de capital e de liquidez: “Esse modelo de regulação era facilitado porque havia sistemas financeiros ainda não tão desenvolvidos e as inovações não tinham o alcance que passaram a ter, bem como os sistemas financeiros não tinham caráter tão global quanto passaram a ter a partir da segunda metade dos anos 80. A regulação financeira era muito mais doméstica e foi conduzida a bom termo”, historiou.

Segundo o economista da FGV, nos momentos de expansão é mais difícil controlar a expansão do crédito, pois os bancos têm tendência pró-cíclica, ou seja para relaxar a análise de risco: “Mesmo assim o tecido regulatório pré-Basiléia funcionava razoalvelmente. Depois passaram a lançar mão de inovações de processo e, principalmente, de produto. Derivativos, operações de securitização, alavancagem, inclusive, em operações internacionais. Desde os anos 70, já havia modelos de “apreçamento” de derivativos mas eles só passam a ser mais genericamente utilizados a partir das segunda metade dos anos 80, por causa do desenvolvimento da capacidade computacional. Isso começa a criar problemas críticos para o tecido regulatório.”

Globalização da crise

Segundo Sobreira, também os sistemas começaram a operar no vácuo das medidas de política que sugeriam abertura das contas de capital, fato que levou os sistemas financeiros a operarem de forma muito mais global: “O edifício regulatório passa a operar na base de incentivo (à auto-regulação), mais do que na intervenção direta”, afirmou.

O sistema, segundo ele, foi aperfeiçoado, em 2004, com Basiléia 2, mas isso não evitou que a crise explodisse em 2007-2008: “Foi uma grande ducha de água fria. Como um mecanismo tão sofisticado acabou não mitigando uma crise dessas proporções?”

Segundo Sobreira, perceberam-se pelo menos duas falhas em Basiléia 2: a tendência à inovação nos sistemas financeiros não foi alterada, bem como a falta de liquidez nos momentos de estresse.

Essa leitura orientou a construção de Basiléia 3: “Ampliou-se a responsabilidade do regulador, mantendo a filosofia do incentivo. Foi uma evolução, mas não resolveu dois problemas fundamentais: não atua na tendência dos sistemas financeiros de operarem cada vez mais no curto prazo, elevando a desfuncionalidade do sistema financeiro, e cria problemas em relação à capitalização dos bancos de desenvolvimento e bancos públicos”, finalizou.

Luis Nassif

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