Entrevista de Roubini

Do Estadão

‘Precisamos de um plano B na Grécia’

Nouriel Roubini, economista

Thomas Schulz, Alexander Jung – O Estado de S.Paulo

DER SPIEGEL

Primeiro veio a crise imobiliária. Então o sistema financeiro entrou em colapso. Agora, uma dívida pública de proporções cada vez mais esmagadoras ameaça países inteiros. O famoso economista Nouriel Roubini conta que crises mais serão sentidas e superadas antes que os líderes mundiais cheguem a um acordo para a implementação de uma verdadeira reforma.

Professor Roubini, o sr. faz uma breve participação na continuação do filme “Wall Street ? Poder e Cobiça”. Qual foi o papel que o sr. interpretou?

Faço o papel de mim mesmo. Mas minha participação é discreta. Há uma cena logo após o colapso do Lehman na qual sou entrevistado como “Dr. Catástrofe”, fazendo declarações preocupadas a respeito do sistema financeiro global.

Soubemos que o sr. também atuou como consultor para o diretor do filme, Oliver Stone.

Não foi uma consultoria formal, eu apenas dei a ele alguns conselhos. Nos encontramos em algumas ocasiões e ele me perguntou a respeito da crise financeira. Ele também me procurou num evento com clientes de minha firma. Meu papel de “Dr. Catástrofe” surgiu no filme de maneira acidental.

Esse apelido veio, sem dúvida, do fato de o sr. ter previsto a crise numa época em que outros economistas ainda se mostravam cheios de otimismo. O sr. ainda é pessimista em relação ao futuro da economia global?

Em primeiro lugar, não sou uma pessoa pessimista permanente. Não enxergo o futuro sempre com lentes negativas. Em vez disso, tento elaborar uma interpretação correta para a situação. Mas, olhando para as perspectivas atuais da economia global, ainda vejo um grande número de motivos para preocupação.

De acordo com o FMI, a atividade econômica está aos poucos retomando o ritmo anterior, com previsões de crescimento de 4% para este ano. Isso não seria motivo para o Dr. Catástrofe dar o braço a torcer ao Dr. Prosperidade?

Sou um realista. Enxergo apenas alguns pontos mais promissores em países como China, Índia e Brasil. Mas e o restante? A recuperação dos Estados Unidos tem sido anêmica, o Japão parece estar num coma, e a Europa está enfrentando um declínio em forma de W. O continente corre o risco de cair novamente na recessão. Mesmo antes do choque grego, as perspectivas não eram muito favoráveis, mas agora as estimativas de crescimento para a zona euro estão mais próximas do zero.

O que o sr. acha dos perigos que a Grécia representa? (A entrevista foi realizada antes do anúncio do pacote 750 bilhões) Hoje os mercados estão muito preocupados com a Grécia, mas essa é apenas a ponta do iceberg. Cada vez mais, os justiceiros dos mercados de obrigações despertaram em países como Grã-Bretanha e Irlanda. Até EUA e Japão devem enfrentar problemas por causa de seus imensos déficits orçamentários. Talvez isso não aconteça este ano, mas tal destino parece difícil de se evitar. Nos EUA, Estados como Califórnia, Nevada, Arizona, Nova York e Flórida têm imensos problemas fiscais. Os déficits fiscais crescentes e o gigantesco endividamento dos governos são na verdade o que mais me preocupa.

Será que a ajuda oferecida pelo FMI e pela UE à Grécia é a melhor saída a ser adotada?

Isso só vai adiar o problema por mais um ano. Temo a grande probabilidade de a Grécia não enfrentar apenas uma situação de falta de liquidez, mas de insolvência. Fornecer dinheiro a um país insolvente e obrigá-lo a implementar cortes dolorosos não é uma solução para o problema. Mesmo que os impostos sejam aumentados e os gastos reduzidos, a Grécia não se tornará com isso um país necessariamente mais competitivo. Ao contrário, a produção pode cair, o desemprego pode aumentar, e a participação no mercado será reduzida. Precisamos de um plano B.

Como deve ser esse plano B?

É preciso começar com uma reestruturação preventiva do endividamento. Temos que encontrar uma solução organizada que atenda a devedores e credores. E temos também que determinar ajustes fiscais para outros países da zona do euro, como Portugal e Espanha.

A chanceler alemã Angela Merkel pode ser culpada pelo agravamento da crise por não ter agido com rapidez suficiente?

Sim, a UE perdeu meses preciosos com a elaboração de um pacote de ajuda à Grécia em parte por causa da resistência política alemã a um pacote desses.

A união monetária pode ser considerada um erro?

Eu não iria tão longe. Talvez o erro esteja na admissão de um número tão grande de países num momento prematuro. Um núcleo de países economicamente mais homogêneos teria representado uma união monetária de maior sucesso.

Hoje, a crise está no endividamento. Antes disso, tratava-se de uma crise bancária. No começo, a crise era imobiliária. Devemos nos acostumar à ideia de sermos atingidos por uma sequência interminável de novas crises?

Temo que sim. Em meu novo livro, mostro que as crises fazem parte do DNA do capitalismo. Elas não representam exceções, e sim a regra. Muitos elementos vitais ao capitalismo, como a inovação e o risco, também detonam colapsos. E a situação pela qual acabamos de passar pode se tornar pior no futuro.

O sr. faz parecer como se as crises fossem inevitáveis.

Elas não são inevitáveis. Mas se analisarmos a história, veremos que há padrões que se repetem ? como políticas monetárias excessivamente relaxadas, vulnerabilidades alavancadas e regulação fraca. É provável que tenhamos um número ainda maior de crises no futuro. Precisamos deixar a fera morrer de fome.

Existe um roteiro para crises?

Nenhuma crise é idêntica a outra, mas muitas delas são parecidas. Existe um estágio de prosperidade e formação de bolhas que antecede o colapso e a quebra. As pessoas testemunham o aumento nos preços de certos ativos, como imóveis e ações, e então usam estes ativos como garantias para empréstimos excessivos, e assim acumula-se no sistema financeiro um nível de alavancagem cada vez maior. E então, quando a bolha começa a estourar, o valor dos ativos cai e as pessoas se veem presas a dívidas que não podem pagar.

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Luis Nassif

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