Limites ao crescimento: o caso do Brasil e China, por Joaquim Pinto de Andrade

É interessante esboçar uma comparação do modelo do Brasil do milagre do período 1968-1974 com o modelo Chinês

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Limites ao crescimento: o caso do Brasil e China

por Joaquim Pinto de Andrade

Revisitar a obra da professora, economista e pensadora Maria da Conceição Tavares é sempre fonte de insights para entender o Brasil de hoje. O livro da Fundação Perseu Abramo, intitulado Maria da Conceição Tavares: vida, ideias, teorias e políticas, lançado conjuntamente com a editora Expressão Popular e o Centro Internacional Celso Furtado, em 2019, organizado por Hildete Pereira de Melo, reúne suas principais contribuições ao pensamento crítico histórico-estruturalista da América Latina, em geral, e, de forma particular. do Brasil.1

O Brasil, à luz do pensamento de Conceição pode ser examinado a partir de uma sucessão de modelos que vivenciamos entre os anos 1990 e os anos 1970 quando passamos a experimentar um crescimento menos vigoroso e uma desaceleração do crescimento da indústria, que culminou no processo de desindustrialização do momento atual. Outro aspecto que muito nos limita é o padrão vergonhoso de distribuição de renda.

No Modelo Primário Exportador as vantagens comparativas permitiam a exportação de produtos agrícolas e minério. Este modelo vingou até 1930, ano em que as exportações foram reduzidas pelos efeitos da guerra.

Seguiu-se, o Modelo de Substituição de Importações em que o rompimento das relações internacionais obstruiu o fluxo de exportações e levou ao ajuste via redução das importações. Este modelo teve muito sucesso, mas foi limitado pela dinâmica implicada pelo próprio sistema. A substituição das importações de bens finais era bem-sucedida, mas os efeitos sobre a balança comercial nem sempre eram sustentados. A razão era simples a redução da importação do bem de consumo era apenas o final da cadeia produtiva. Os insumos necessários à produção do consumo final exigiam aumento das importações que as vezes superava a redução inicial das importações. Isso limitava o modelo. 2

E como se comportava a distribuição da renda nesse período? Uma hipótese básica: A distribuição de renda era exógena ao processo de acumulação sendo determinada pelo quadro político sindical.

A economia brasileira crescia puxada pelo efeito acelerador do investimento e multiplicador de renda. A concentração de renda por razões político – institucionais permitiu a expansão do consumo das classes de rendas mais altas.

Segundo Belchiovsky3 a segunda contribuição fundamental da Conceição foi a ideia de que a concentração de renda foi funcional ao crescimento pela demanda que gerava de bens de luxo. Interessante o entendimento de que a concentração de renda levou ao crescimento da economia.

Esta proposição deu origem ao modelo da Belíndia de Edmar Bacha e Lance Taylor4 maior a pobreza maior o crescimento da economia. A metáfora do Edmar era que o Brasil apresentava na verdade um contraste de renda entre os ricos e os pobres que se assemelhava à Bélgica, país rico e de baixo contingente populacional, e a Índia, um país pobre e populoso, convivendo em um único país. De fato, a ideia já estava esboçada no trabalhode Conceição e José Serrade 1973. A diferença é que lhes faltou a modelagem que foi desenvolvida por Edmar e Lance Taylor.

A metáfora do Bacha /Taylor sugeria que o crescimento do Brasil se deu por um lado pelo reduzido custo da mão de obra da Índia e por outro pelo estímulo ao crescimento da Bélgica, alimentado pela demanda de bens de luxo e duráveis.

É interessante esboçar uma comparação do modelo do Brasil do milagre do período 1968-1974 com o modelo Chinês.5

A China apresentava um excesso de excedente de produção de aproximadamente 30%. A solução encontrada foi exportar para o resto do mundo. Em particular manufaturados. Entretanto, esta saída foi barrada pela conjuntura mundial e a demanda doméstica insuficiente.

A solução alternativa foi estimular o mercado imobiliário pelo financiamento barato. O aumento dos gastos na compra de imóveis foi bem-sucedida. Entretanto, o mecanismo financeiro, para tanto, postergava a propriedade efetiva. As pessoas compravam imóveis, mas só iriam receber depois de terminado o pagamento do financiamento.

O sistema foi muito bem-sucedido até o momento em que ocorreu excesso de imóveis e os preços começaram a baixar. As imobiliárias quebraram e o mercado de novos apartamentos encolheu. Este momento foi o final do milagre chinês, superprodução de imóveis.

Esse movimento que gerou recessão e queda dos preços dos imóveis se propagou pela economia. Até agora a economia busca resolver este problema.

Por outro lado, outro fator de dinamismo da economia chinesa, a expansão das exportações de manufaturados, está cada vez mais limitada pelas economias da Europa ocidental e norte-americana que detêm a maior parte da tecnologia.

O boom da indústria automobilista sofre ameaça dos Estados Unidos, Alemanha e outros. O crescimento bem-sucedido da China está ameaçado e o fantasma da recessão bate na porta. No momento, a China tenta redesenhar o seu modelo de crescimento.

Brasil e China partiram de condições iniciais parecidas, mas chegaram a resultados diferentes. O Brasil cresceu na medida em que a concentração de renda permitiu um aumento da massa de lucro acompanhado do surgimento de uma classe média disposta a comprar bens de consumo duráveis e de luxo. Isto permitiu uma expansão notável na época, chamada de milagre, em que o crescimento atingiu percentuais próximos de10% ao ano. O modelo permitiu crescer com concentração de renda.

Por outro lado, a China, que cresceu mais do que o Brasil, acabou assombrada com o fantasma da recessão. A expansão da indústria imobiliária baseada num sistema de crédito em que o bem só seria apropriado quando as dívidas fossem pagas, estimulava um movimento especulativo. A crise imobiliária foi profunda levando a economia a recessão.

Joaquim Pinto de Andrade é formado em economia na UFRGS, com mestrado na EPGE FGV e doutorado em economia na Universidade de Harvard. Pós Doutorado em Stanford e Harvard. Atualmente é professor emérito da Universidade de Brasilia.

Notas de rodapé:

1. Sobre os modelos ver: (1.a) TAVARES, Maria da Conceição. Transformações do modelo de desenvolvimento na América Latina e TAVARES, Maria da Conceição e José Serra, Estagnação ou crise? In (1.b) TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2a ed., 1973. 2.

 2. Ver TAVARES, Maria da Conceição (1975) Distribuição de Renda, Acumulação e Padrões de Industrialização: Um Ensaio Peliminar.In: Tolipan,R e Tinelli A.C.(org) a Controvérsia sobre Distribuição de Renda e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Forense.

3. BIELSCHOWSKY, Ricardo. “Maria da Conceição Tavares”. Revista de Economia Contemporânea. IE-UFRJ. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 193-200, jan./abr. 2010.

4. Ver Bacha, Edmar e Lance Taylor , Jornal Opinião 1974 e TAYLOR, Lance e BACHA, Edmar (1976)  “The Unequalizing Spiral: A First Growth Model for Belindia”, Quarterly Journal of Economics, vol 90no 2 maio, p. 197-218

5. Nolt, James H. professor international relations NY university, China’s Economic Slump is Here to Stay

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