O caso Pão de Açúcar, por Mansueto Almeida

Do Valor

Supermercados, desenvolvimento e falácias

Mansueto Almeida
01/07/2011

Causa surpresa a possível participação do BNDESPar com até R$ 4 bilhões na operação de fusão do supermercado Carrefour no Brasil com o grupo Pão de Açúcar. As explicações dadas por autoridades governamentais para a participação de um banco público nessa operação – aumento das exportações e importância que o setor de varejo no Brasil seja controlado por uma companhia nacional – mostram desconhecimento do funcionamento do setor de varejo.

A concentração do varejo é uma tendência mundial. No caso recente do Brasil e América Latina, essa concentração está ligada, do lado da demanda, ao crescimento da urbanização, participação crescente da mão de obra feminina no mercado de trabalho e expansão da renda per capita, que aumentou a demanda por refrigeradores e permitiu ao consumidor estocar por um tempo maior comidas perecíveis, o que diminuiu a necessidade de idas frequentes aos supermercados.

DolaDo lado da oferta, a saturação da concentração do varejo na Europa e nos Estados Unidos empurrou as grandes redes para os países em desenvolvimento. Adicionalmente, o desenvolvimento tecnológico do setor com o controle de estoques computadorizados e informação on line entre as grandes redes e seus fornecedores aumentou ainda mais a eficiência das grandes redes de supermercados.

Segundo dados da AC Nielsen, as cinco maiores redes de supermercados no Brasil respondiam por 23% das vendas totais do setor, em 1994, e essa participação aumentou para 41%, em 2000. Desde então a participação das cinco maiores redes oscilou ao redor desse valor e atingiu uma participação de 43% em 2009. Mesmo assim, a concentração do setor de supermercados no Brasil ainda é menor do aquele observado em países desenvolvidos da Europa no início do século atual: Reino Unido (60%); Alemanha (75%) e França (67%) 

Esse processo de concentração dos supermercados, que é uma etapa natural de evolução desse tipo de comércio levou vários países a adotarem medidas restritivas para contrabalançar esse movimento devido aos riscos que traz para os consumidores pela limitação da concorrência, como foi o caso de alguns estados nos Estados Unidos e até mesmo uma regulação restritiva para instalação de hipermercados em áreas urbanas da França. Este país adotou inclusive uma regulação mais intrusiva para controlar o poder de barganha das grandes redes de varejo (a lei Gallan).

É certo que há enormes vantagens operacionais ligadas à escala de operação e à forma de atuação das grandes redes de supermercados com suas políticas rigorosas de padrões de higiene fitossanitárias. No entanto, além dos riscos que decorre do excesso de poder de mercado e fixação de preço, há também o risco da maior concentração aumentar, excessivamente, o poder de barganha das grandes redes de varejo junto a seus fornecedores.

Um caso clássico da literatura foi o crescimento das exportações de frutas e verduras do Quênia para as redes de supermercados do Reino Unido, que em vez de aumentar, diminuiu a renda de vários produtores e levou a uma concentração da produção. Adicionalmente, em vez de aumentar a renda dos produtores, o crescimento das exportações em volume foi acompanhado por uma queda do valor unitário já que os produtores passaram a arcar com custos maiores referentes a embalagem, controle fitossanitários e custo de transportes impostos pelas grandes redes de varejo inglesas.

Há hoje na literatura de política industrial um quase consenso de que, se o governo quiser adotar algum política setorial para aumentar as exportações de frutas e verduras, por exemplo, o foco deve ser nos pequenos e médios produtores por meio de ações com características típicas de oferta de bens públicos tais como: 1) financiamento ao treinamento da mão de obra para se adequar aos cuidados exigidos no manejo das culturas; 2) informação quanto à política de compra das grandes redes de varejo; 3) políticas que facilitem aos pequenos e médios produtores se adequarem às exigências fitossanitárias das grandes redes de varejo e dos países importadores; 4) incentivos para transporte compartilhado em contêineres refrigerados para portos; 5) políticas de certificação de origem, etc.

Ou seja, para aumentar as exportações de forma inclusiva, que permita não apenas aos grandes, mas também aos pequenos e médios produtores participarem das cadeias de produção que cada vez mais são controladas pelas grandes redes de varejo, o foco da politica pública não deve ser as grandes redes de supermercados, mas sim ações voltadas para a modernização de grupos de produtores em uma mesma região.

Quem tem um mínimo de conhecimento da evolução de firmas regionais no Brasil sabe também a importância que teve e ainda tem o pequeno varejo e supermercados de bairros do Brasil. Em estudo que fiz há alguns anos escutei do diretor industrial de uma empresa, que hoje é um dos líderes no segmento de biscoitos e massas no Brasil, que o crescimento dessa empresa havia sido puxado mais pelas vendas para supermercados pequenos, o que garantia uma margem de lucro maior (por unidade), do que com vendas para o grande varejo, que apesar da margem de lucro menor garantiam um volume de vendas maior.

O argumento de que o BNDES deve participar do processo de fusão entre duas grades redes de supermercados pois essa operação é importante para a geração de emprego e aumento das exportações do Brasil carece de qualquer base empírica e não passa de uma grande falácia. No caso do consumidor, pouco importa a nacionalidade do dono da rede de varejo desde que o produto seja barato. No caso dos produtores, o que importa é conseguir se adequar a política de compras dos grandes supermercados e dos países importadores e não da nacionalidade do grupo controlador.

Mansueto Almeida é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). www.mansueto.wordpress.com 

Luis Nassif

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