O modelo chinês

Publicado originalmente na “Folha” em 29/12/2003 +

O crescimento acelerado da economia chinesa não é meramente resultado de um planejamento objetivo que lhe permitiu ser o grande sorvedouro de investimentos mundiais: mais que isso, é condição fundamental para que não exploda o barril de pólvora do país.

A estratégia de abertura adotada pelo PCC é excepcional, uma obra de reforma de Estado única no século. Só que, para ser bem sucedida, depende do fator tempo. E por tal se entenda preparar a economia para absorver um contingente de 900 milhões de chineses do velho país para o novo em construção. Se o novo não crescer em ritmo suficiente, será sufocado pelo velho.

O “milagre chinês” começou com a abertura da economia em 1978, depois da fase terrível da Revolução Cultural. A partir de início dos anos 80 houve forte movimento de estudantes em direção principalmente aos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, o governo definiu cinco regiões para começar a liberalização da economia, criar o espírito empreendedor e testar o ritmo da abertura. Essa experiência permitiu a atração dos primeiros capitais, de chineses que haviam se exilado após a revolução maoísta.

Depois, a manutenção do câmbio substancialmente desvalorizado visou preparar o país para atrair investimentos voltados para o mercado externo, que pudessem se beneficiar do baixo custo dos salários -baixo, principalmente, em função dos baixos encargos que incidem sobre a mão de obra.

A grande explosão chinesa se deu nos anos 90, quando China, Índia e Brasil passam a atrair a atenção do mundo pelo potencial de crescimento do seu mercado interno. Depois de o plano Real ter incorporado milhões de brasileiros ao mercado de consumo, o sonho brasileiro foi abortado pelos excessos das política monetária e cambial do primeiro governo FHC. Ali se perdeu o bonde, e ali a China começou a colocar em movimento o seu comboio, aproveitando em sua plenitude os grandes rearranjos ocorridos nas multinacionais e no processo de fragmentação das cadeias produtivas.

A China se abriu para o mundo sem ter regulamentação, sem ainda haver fé plena na irreversibilidade da abertura econômica. Os capitais acorreram em manada de olho no mercado potencial, e porque outros capitais estavam indo para lá.

O que caracteriza o modelo chinês é o absoluto pragmatismo. Fixaram-se no país mais bem sucedido do mundo -os Estados Unidos—e mandam para lá centenas de missões para replicar os modelos vitoriosos.

Mas o que caracteriza a sua ação é uma corrida ansiosa contra o tempo, que muitas vezes resulta em modelos institucionais tortos, que acabarão desmoronando mais cedo ou mais tarde em muitos setores.

Hoje em dia a China tem um mercado de consumo moderno, com cerca de 60 a 70 milhões de consumidores de alto poder aquisitivo; tem novos empreendedores, que surgiram após 1978, selvagens e predadores como toda economia de mercado nova; tem o PCC, firme e coeso, mas têm centenas de milhões de miseráveis que, mais cedo ou mais tarde, vão começar a pressionar, em função da disparidade de renda que não havia antes.

Segunda falaremos sobre os desafios do modelo chinês.

Luis Nassif

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