O partido industrial, por Renato Janine Ribeiro

Por Luís Nassif

Uma surpresa, uma concordância e um reparo ao artigo de hoje no Valor do Renato Janine Ribeiro.

A surpresa é de saber que é filho de Benedito Ribeiro, um dos pioneiros do jornalismo econômico.

A concordância é que a bandeira da industrialização continua sem representação política.

O reparo é a Janine abraçar convicção usual de que José Serra representaria essa visão industrialista. É blefe, no qual caí por algum tempo.

Ao longo dos anos 90, Serra se manifestava exclusivamente em off e em cima de um bordão apenas: o câmbio tem que ser competitivo e a indústria tem que ser o motor da economia. Só. Não se tem um trabalho mais elaborado sobre política industrial, pensamento industrialista, inovação, diplomacia comercial, mercado de consumo de massa. Repito: nenhum.

Abraçou esse slogan meramente porque era o único que lhe cabia no latifúndio do plano Real. Não tinha estofo técnico para debater aspectos macroeconômicos do Real, nem visão econômica que transcendesse o dia-a-dia do orçamento – que ele entregava a assessores.

Suas manifestações eram apenas repetição, de orelhada, da opinião de alguns gurus intelectuais – como Mauro Ricardo e José Roberto Affonso.

Como suposto intelectual não se conhece um trabalho seu, sequer, que demonstrasse minimamente conhecimento da economia. Ressalve-se um ensaio sobre Aníbal Pinto que corto dois dedos se não foi trabalho de ghost writer. Seria interessante reconstituir seu conhecimento de economia a partir dos depoimentos de ex-alunos da Unicamp.

Como Ministro de Estado e governador do mais industrializado estado brasileiro, Serra não tomou uma medida sequer, não adotou uma política mínima que fosse, que pudesse ser enquadrada como política industrial.

Na crise de 2008, para ser recebido por Serra associações industriais ameaçaram fazer piquete na porta do Palácio, junto com federações de trabalhadores. Enquanto o governo federal isentava vários produtos da cobrança de IPI, Serra aproveitava para faturar mais no ICMS.

Do Valor Econômico

Por Renato Janine Ribeiro 

Há no Brasil um projeto político – sem partido – composto daqueles que se inquietam com a desindustrialização do país, ou melhor, com a redução da parte da indústria em nossa produção e exportações. Em meados do século 20, quando o subdesenvolvimento e seus males despertaram reflexões de alta qualidade, entendeu-se que, para saírem da miséria, os países mais pobres deveriam ir além da agricultura, pecuária e extração de minérios. A única forma de se desenvolverem seria agregando valor-trabalho a seus produtos. As mercadorias com baixa quantidade de riqueza gerada pelo homem acabam valendo menos. Mesmo a grande exceção dentre os produtos coletados, o petróleo – que, por sinal, começou a se tornar mais caro apenas na década de 1970 -, não é uma benção para as nações que o extraem. A grande exceção são os Estados Unidos, mas justamente porque sua produção de petróleo é apenas um item numa economia complexa e rica. Em outros lugares, o petróleo desestimula a geração de riquezas pelo trabalho humano. Mas, ficando no Brasil, entendeu-se que a solução de nossos males passava pela industrialização. É o que une Volta Redonda, construída ainda na ditadura Vargas, os projetos de JK na década de 1960, o planejamento de Celso Furtado e as grandes obras da ditadura militar.

Riqueza natural não basta para fazer rico um país

Contudo, os dois últimos presidentes da República, FHC e Lula, conviveram bem com o que desde a década de 1990 alguns chamaram de desindustrialização. Voltou a crescer, em nossa pauta de exportações, o que vem da terra: seja a riqueza mineral gerada ao longo de milhões de anos e que desaparece para sempre, seja o produto do campo, ora lavoura, ora pecuária. Na análise que a Cepal fazia das causas da pobreza, trata-se de produtos honrosos, mas que não permitiriam dar o salto para o desenvolvimento. É verdade que a agropecuária e a extração de minérios hoje têm uma qualidade nunca antes vista. Ciência e tecnologia estão embutidas nelas. Por outro lado, hoje não basta ter indústrias: há as de primeiro e de segundo time. Só as melhores representam um diferencial. O trabalho agora valorizado não é qualquer um – é, sobretudo, o intelectual. Ou seja, a diferença de nossos dias não é bem entre indústria e agricultura: é entre o uso da inteligência e o uso dos braços. Mesmo assim, o fato é que nas últimas décadas – por coincidência as mais estáveis de nossa história política, as que também mais contribuíram para a redução da miséria e da pobreza – nossa economia de exportação voltou a se constituir principalmente de produtos com pouca agregação de valor. Há, aí, pelo menos um paradoxo, e talvez um risco.

Testemunhei um episódio dessa história quando jovem. Meu pai, Benedicto Ribeiro, jornalista econômico (ver José Venâncio de Resende, “Construtores do Jornalismo Econômico”, 2005), trabalhava em 1967 com Horácio Coimbra, que presidia o Instituto Brasileiro do Café. Horácio, dono da Cia. Cacique de Café Solúvel, perdeu o cargo, vítima das pressões norte-americanas para que o Brasil não exportasse café solúvel, mas só em grão. Em plena vigência do Ato-5, o então deputado Helio Duque relatou esse caso em “A guerra do café solúvel” (1970). A simples transformação do café para solúvel, incluindo mais trabalho no valor do produto, já era um elemento de combate ao subdesenvolvimento.

Temos economistas e políticos preocupados com essa redução da qualidade do que exportamos. Os nomes óbvios são Luiz Carlos Bresser-Pereira, que deixou o PSDB no ano passado (como revelou ao jornal Valor), e José Serra, que em sua carreira se empenhou na defesa da indústria. Contudo, este assunto hoje não é pauta de discussão política. Não tem destaque na maior parte dos jornais, nem na televisão aberta. Apenas devo lembrar, aqui, que não se trata exatamente de defender a indústria na exportação brasileira; é antes de mais nada entender que o país não pode depender tanto da exportação, digamos, de soja para alimentar o gado estrangeiro. É ótimo exportarmos esses produtos, mas não bastam. Ou seja, o que chamei de partido industrial não é bem um defensor só da indústria, ou de qualquer indústria: o que o incomoda é a hipercommoditização do que mandamos para fora, que nos deixa econômica e politicamente vulneráveis, e o que ele quer é agregar trabalho brasileiro para o país produzir mais riquezas. Mais ainda: pretende romper com a ideia do país “rico por natureza”, quando riqueza é o que fazemos, com o trabalho e, cada vez mais, a inteligência.

O problema é que esse partido da agregação do valor-trabalho não existe. Há economistas preocupados com o problema. Só que o assunto não vai à praça pública. Nem sei se Serra ainda lhe dá importância: na campanha, mal o mencionou. Pode ser tema impopular – é tão barato importar da China… Mas os pontos cruciais são dois: aparentemente, vemos aqui o calcanhar de Aquiles de nossa economia, que tem permitido uma redução drástica da pobreza; e, seguramente, é o assunto de que não se fala. Haverá políticos querendo trazer o assunto para o debate? Na verdade, o que chamei de partido industrial deveria ser conhecido como o “partido da inteligência como força produtiva”. Talvez aí esteja o problema: ele se concentra demais no Ministério da Ciência, Tecnologia e, agora, Inovação. Poucos sabem dele. Mas é prioritário para nosso desenvolvimento. Não sei, a rigor, se ele tem que virar partido. Como os empreendedores de quem falei na coluna passada, talvez seja melhor que contaminem as diversas forças políticas. Mas tem que fazer-se presente no debate público.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

E-mail; [email protected]

Luis Nassif

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