O porquê do real valorizado

Vou tentar explicar, didaticamente, os mecanismos que interferem na política monetária e de câmbio.

A primeira questão é: porque o câmbios se aprecia (o real se torna mais caro)? Alguns leitores julgam que é lei de oferta e da procura que não pode ser desrespeitada. O real de aprecia (e torna mais difícil exportar) porque muitos dólares estão entrando na economia. Quanto mais dólares entram, mais o real se aprecia.

Na verdade, há várias forças que interferem no câmbio. Do lado comercial, a relação entre exportação e importação, medida na conta saldo comercial. Quanto maior o saldo, mais dólares estão entrando e mais a moeda nacional se aprecia.

Primeira distorção: hoje em dia há um super-aquecimento nas cotações de alguns produtos minerais, como o ferro. O “preço” do exportador equivale às cotações internacionais mais a taxa de câmbio. Quando os preços de alguns produtos importantes aumentam substancialmente, há um ingresso maior de dólares apreciando o valor do real, prejudicando todos os produtos manufaturados ou aqueles que não se beneficiaram da alta internacional.

Na Holanda ocorreu fenômeno semelhante quando houve grandes descobertas de gás. Explodiram as exportações e gás, o câmbio apreciou e quebrou grande parte da indústria holandesa. Desde então esse fenômeno, batizado de “doença holandesa”, é evitado por qualquer país racional – menos o nosso.

A segunda maneira de os dólares entrarem é através da conta capital, no mercado financeiro. Essa conta é influenciada pela diferença entre a taxa Selic (aquela fixada pelo Banco Central) e uma taxa de equilíbrio externa, representada pela taxa de juros básica dos EUA, mais risco Brasil, mais um pouco, por conta de eventuais desvalorizações cambiais no Brasil.

Porque essa comparação? Porque os grandes fundos ou investidores, quando decidem investir no Brasil, tem duas possibilidades: aplicar em títulos externos brasileiros ou em títulos internos. Lá fora, eles recebem taxa básica mais o risco Brasil (que hoje equivale a pouco mais de 200 pontos, ou 2 pontos percentuais na taxa). Quando a taxa interna é muito maior que a taxa de equilíbrio, aumenta o ingresso de dólares. Quando se aproxima da taxa de equilíbrio, reduz o ingresso de dólares.

Esse fluxo de dólares também pode ser afetado por outros fatores, como aumento das taxas internacionais, aumento da percepção de risco na economia internacional etc.

Segunda distorção: uma taxa Selic substancialmente acima da taxa de equilíbrio provoca uma entrada exagerada de dólares. Sempre que cai o risco Brasil, o BC deveria reduzir a Selic para evitar a discrepância entre as taxas.

A segunda distorção leva a uma terceira. Muitos grandes exportadores, para driblar a apreciação do real, fazem venda antecipada de sua produção. Ou seja, tomam linhas de financiamento em dólares equivalentes a um, dois, até três anos de sua exportação. Depois, aplicam esse dinheiro no mercado financeiro ganhando na diferença de juros. Com isso, melhoram os seus ganhos, mas provocam uma apreciação adicional do real.

A quarta distorção é um volume considerável de apostas que são feitas em mercados internacionais em torno da cotação do real. Essas apostas influenciam diretamente o câmbio aqui dentro.

Repare que a maior parte dessas distorções decorre de uma taxa de juros fora do lugar, errada, imprudentemente errada.

Na China jamais entrariam nessa firula de nada fazer para “não desrespeitar as leis do mercado”. Primeiro, porque as leis estão sendo distorcidas. Segundo, porque quando o câmbio começa a apreciar e provocar quebradeira, tem que se impedir o prosseguimento da apreciação. Discutir razões e quetais é coisa de intelectual.

Luis Nassif

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