O referendo britânico sobre a permanência na União Europeia

Da Carta Maior

Cameron quer referendo sobre permanência na União Europeia

A crise europeia e, em especial, a dos 17 países da eurozona, deu força à posição natural da maioria britânica: um insular isolacionismo. Com uma economia que marcha para a terceira recessão em quatro anos, com uma forte tendência eurocética entre seus próprios deputados, com um partido antieuropeu roubando-lhe votos, David Cameron decidiu que a melhor defesa é o ataque. A análise é de Marcelo Justo, de Londres

Em meio à crise econômica europeia o primeiro ministro David Cameron abriu a porta para a saída britânica da União Europeia (UE). A 40 anos da incorporação do Reino Unido ao projeto pan-europeu, Cameron indicou que convocará um referendo sobre a permanência britânica na UE caso os conservadores ganharem as eleições de 2015. “É hora de os britânicos se pronunciarem sobre esse tema. É hora de solucionarmos o tema europeu na política britânica. É o que digo aos britânicos: esta será sua decisão”, disse Cameron em um discurso em Londres.

A crise europeia e, em especial, a dos 17 países da eurozona, deu força à posição natural da maioria britânica: um insular isolacionismo. Com uma economia que marcha para a terceira recessão em quatro anos, com uma forte tendência eurocética entre seus próprios deputados, com um partido antieuropeu roubando-lhe votos, David Cameron decidiu que a melhor defesa é o ataque. “A desilusão com a União Europeia alcançou o ponto máximo. Não podemos seguir pedindo aos britânicos que sigam aceitando um acordo europeu no qual não tiveram nem voz nem voto. Por isso, quando negociarmos um novo acordo com a Europa, o submeterei a um referendo com uma clara opção: ou aceitamos o novo acordo ou saímos da União Europeia”, disse Cameron.O primeiro ministro insiste que o aprofundamento de uma união fiscal e bancária da eurozona que está em marcha exige um novo tratado em nível europeu que substitua o tratado de Lisboa, vigente desde 2009 e equivalente a uma espécie de constituição para os 27 membros da UE. Segundo a lógica de Cameron, o novo tratado exigirá uma consulta popular para ratificá-lo. De fato, o referendo está repleto de orações condicionais. Não há nenhuma garantia de que os conservadores ganharão as eleições em 2015 com ampla maioria, a chanceler alemã Angela Merkel colocou panos frios na necessidade de um novo tratado que muitos consideram inevitável e, no caso desse novo tratado ocorrer, não há nenhuma certeza de que o Reino Unido conseguirá renegociar as cláusulas da política social e trabalhista europeia que está exigindo. Mas toda esta condicionalidade tão hipoteticamente dependente do futuro tem efeitos econômicos, diplomáticos e políticos no presente.

No plano econômico abre um sinal de interrogação que pode afetar os investimentos. Em outras palavras, uma multinacional de olho no mercado europeu em seu conjunto se instalará no Reino Unido se existe o perigo de saída britânica da União Europeia? Um empresário britânico que conversou com a BBC na reunião dos multimilionários em Davos, disse que havia conversão com montadoras da Coreia do Sul, Índia, China, Japão e Estados Unidos que se manifestaram profundamente preocupados com o compromisso britânico com a UE. “O problema deste anúncio do primeiro ministro é que cria incerteza e isso é o que menos precisamos. Não é positivo para o investimento”, disse Sir Martin Sorrell. Em especial – caberia acrescentar – em uma economia que está a beira da recessão, acossada por um duro programa de ajuste fiscal.

Em nível diplomático, a mensagem foi imediatamente condenada pela maioria dos líderes europeus. O chanceler francês Laurent Fabius falou dos perigos para o Reino Unido de estar fora da União Europeia, enquanto o alemão Guido Westerwelle rechaçou a possibilidade de uma renegociação de aspectos da UE, um ponto enfatizado também pelo sueco Carl Bildt que diz que se cada país quiser uma renegociação das partes que não lhe agradam, a União Europeia se converteria em um caos. Nos dias anteriores ao discurso, o próprio Barack Obama telefonou a Cameron para dizer a ele que a relação especial bilateral com os Estados Unidos será mantida desde que o Reino Unido esteja no interior da União Europeia.

A chave para Cameron é o impacto político. Na Câmara dos Comuns, o primeiro ministro teve uma recepção de imperiador vitorioso por parte de seus deputados, muitos dos quais vinham alimentando murmúrios conspirativos contra seu governo. A vertiginosa subida nas pesquisas e eleições municipais e europeias do UKIP, partido antieuropeu britânico, foi um dos eventos políticos de 2012: seus principais simpatizantes são conservadores desiludidos. No curto prazo, o discurso conseguiu recuperar o apoio dos eurocéticos de suas próprias fileiras e – será preciso ver a próxima pesquisa – provavelmente servirá para atrair alguns companheiros da rota do UKIP. No médio prazo, é uma perigosa aposta que pode terminar com um resultado que o próprio Cameron – um europeísta reticente – não quer: a saída da União Europeia.

Luis Nassif

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