Um monetarista contra o BC

Por Antonio Machado, no Correio Braziliense

(…) Um ex-presidente do BC, e dos mais monetaristas entre todos que passaram por lá, Antonio Carlos Lemgruber, ressurgiu de seu auto-exílio do debate econômico para botar lenha na fogueira onde arde a polêmica sobre uma estratégia que derrubou a inflação para muito abaixo de sua meta anual – 2,96% em bases correntes contra o alvo de 4,5%. E tornou, por isso mesmo, o real uma moeda de caça para a fina flor da especulação nativa e internacional.

“Estamos diante de um monetarismo burro”, disparou Lemgruber numa curta nota técnica enviada a amigos na qual sustenta sua opinião, precisamente, num conceito do qual é especialista: os efeitos para a economia do mecanismo da emissão de moeda.

Lembre-se: Lemgruber é monetarista de quatro costados, dos melhores que passaram pela FGV, segundo o já falecido ex-ministro da Fazenda Octavio Gouvêa de Bulhões (…)

Lemgruber diz que há uma preocupação excessiva com a emissão de moeda, o que seria natural, se o BC estivesse pressionado a botar a Casa da Moeda para imprimir dinheiro para pagar os déficits do orçamento fiscal. Existe uma limitação legal para isso desde 1994, o ano do Plano Real, de maneira que os déficits são financiados com a emissão de títulos da dívida pública.

(…)O que chamou sua atenção, segundo ele, é que o BC não diferencia a emissão de moeda com lastro (como seria a contrapartida para os dólares comprados a goladas praticamente diárias) da emissão oca, caso se destinasse a pagar os gastos governamentais, por exemplo.

Isso, diz Lemgruber, explica “porque o Banco Central está perdendo a guerra contra o ataque especulativo dos fundos de hedge” – como o economista Márcio Garcia, da PUC-Rio, segundo ele, demonstrou ao falar da influência sobre a taxa de câmbio das intervenções do BC.

A teoria é outra

Contra o ataque especulativo que leva à valorização do real, como discutido na coluna de ontem, o BC enxuga gelo, já que financia a compra de dólares com a emissão de dívida pública, não com reserva fiscal, que é inexistente na execução orçamentária pelo Tesouro.

O temor é que, se não esterilizasse os reais trocados pelos dólares, o aumento do dinheiro em circulação poria fogo no consumo e, logo depois, na inflação. A teoria é essa.

O problema é que como grande parte da dívida é referenciada pela taxa Selic, que continua muito alta, 12,5% ao ano, e o BC recupera com a aplicação das reservas não mais que 5%, há um baita prejuízo fiscal, limitador por isso da capacidade de intervenção. É um dos erros, segundo Lemgruber.

(…) Sua prescrição: “Comprar dólares, sem emitir reais, requer a venda de títulos públicos. Na verdade, para cortar o ataque especulativo, é preciso realmente emitir moeda e baixar a taxa de juros. Vai ser a chamada inflação importada, que se encontra nos livros-texto de economia. A esterilização funciona só quando há uma situação de aversão ao risco e fuga de capitais”.

“A hora é agora”

Lemgruber acredita que “chegou a hora, e é agora, de se anunciar uma banda cambial entre R$ 2 e R$ 3 e emitir moeda, se necessário, para comprar dólares no nível próximo a R$ 2”. Para ele, há hoje, “no Brasil, uma reversão completa da explicação da inflação como fenômeno monetário. Os problemas fiscais são tão graves, que o governo é obrigado a emitir títulos e aumentar tributos”.

Como se sai dessa? Como “não vai haver inflação dramática se a moeda tiver lastro, não se deve esterilizar nada”. Mas tem de haver, diz, uma banda cambial larga. “Senão vamos ter recessão e até deflação em reais.” É o que se insinua: dólar abaixo de 2 e inflação, idem.

(…) Tal distorção (aumento dos gastos fiscais), somada à cautela militante, faz do Brasil, segundo Lemgruber, “uma festa” com juros de 12% e apreciação cambial. “Tem fundo de hedge ganhando 100% no Brasil em poucos meses”, espanta-se. “E a porta de saída?”, ele indaga, remetendo aos movimentos de reversão dos capitais ocorridos em 1998 e 2002. O que impressiona, insiste, é que o país não precisa agora desses capitais.

Luis Nassif

10 Comentários

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  1. O aior problema meu caro,
    é
    O aior problema meu caro,
    é que os “cabeças de planilha” que participam da “unanimidade construída”, irão criar um clima 2002.

  2. A saída esta em vincular o
    A saída esta em vincular o superavit primario ao montante para pelo serviço da dívida pública, na medida que vai reduzindo os juros da Selic destina parte do superátiv primário para investimento em infraestrutura. E claro que após a estabilização dos juros da Selic num patamar razoável entre 6% e 8% nominais ao ano iniciar um processo de redução da carga tributária.

    Só para se ter uma idéa, hoje os gastos com os serviços da dívida pública estão em 6% do PIB reduzindo em 50% estes gastos, poderia se reduzir a carga tributária em 3% do PIB, passando dos atuais 35% para 32% do PIB, um nível razoável para um país que tem um moderno sistema previdenciário, e que tem a pretensão de oferecer o sistema de Ensino e de Saúdeuniversal e gratuito.

    Numa fase mais adiantada uma redução ainda maior da carga tributária poderia ser viabilizada pelo provável aumento da receita num ambiente de forte crescimento do PIB no Brasil.

  3. uma hora cai a ficha. só
    uma hora cai a ficha. só espero que meu emprego dure até lá. do jeito que vai, não sei se passa deste ano, salvo algum milagre inesperado.

  4. Eu só sei de uma coisa…

    Se
    Eu só sei de uma coisa…

    Se eu tivesse grana mandava para fora e tornava a aplicar no Brasil como investidor estrangeiro …. Iria ganhar muita grana, ia deixar até os atuais rendimentos da Bovespa no chinelo …

    hehehe

  5. TEXTO DO LENGRUBER:
    1) Sua
    TEXTO DO LENGRUBER:
    1) Sua prescrição: “Comprar dólares, sem emitir reais, requer a venda de títulos públicos. Na verdade, para cortar o ataque especulativo, é preciso realmente emitir moeda e baixar a taxa de juros. Vai ser a chamada inflação importada, que se encontra nos livros-texto de economia. A esterilização funciona só quando há uma situação de aversão ao risco e fuga de capitais”.
    Lemgruber acredita que: “chegou a hora, e é agora, de se anunciar uma banda cambial entre R$ 2 e R$ 3 e emitir moeda, se necessário, para comprar dólares no nível próximo a R$ 2”. Para ele, há hoje, “no Brasil, uma reversão completa da explicação da inflação como fenômeno monetário. Os problemas fiscais são tão graves, que o governo é obrigado a emitir títulos e aumentar tributos”.
    2) RESUMINDO, AFIRMA:
    a) POLÍTICA FISCAL com problemas sérios (aumento de tributos e emissão de títulos).
    b) POLÍTICA MONETÁRIA: burra, taxa básica alta, provoca ataque especulativo que leva à valorização do REAL, emissão de títulos para esterilizar (desmonetizar) a economia é ineficiente para segurar a desvalorização do dólar e fará a inflação ir abaixo de 2% (até possível deflação e recessão).
    3) RECEITA:
    Emitir moeda para comprar dólares (ataque especulativo). A emissão seria garantida pelos dólares (mais ou menos o que foi o plano argentino, só que a Argentina emitiu sem lastro em dólares). O texto não é muito claro se ocorrerá inflação ou não, fala que ocorrerá e fala que não.
    4) ANALISANDO A RECEITA DO LENGRUBER.
    4.1) ANTES, UM RETRATO E CENÁRIO PARA O PAÍS:
    a) inflação descendente mas ainda uma realidade presente e futura;
    b) vários segmentos multiplicadores com demanda crescente;
    c) os grandes grupos brasileiros (nacionais e multis) quase sem exceção, com vultosos investimentos em andamento e previstos;
    d) exportações crescentes;
    e) PIB com previsão de crescimento ascendente;
    f) lucro do setor produtivo superando o do setor financeiro;
    g) setor financeiro moderno e seguro. O único risco é a jogatina a favor do Real. Se perderem as apostas alegarão risco sistêmico? Como no passado os contribuintes serão obrigados a absorver?
    h) muitos segmentos de produtos importados ainda não repassaram a redução dos custos para os preços (a demanda está permitindo aumento dos lucros);
    i) energia elétrica poderá ser gargalo em 2009?
    j) taxa de juro de longo prazo descendente permite taxa básica também descendente (sem demagogias).
    4.2) OS EFEITOS:
    a monetização do país recomendada pelo Lengruber, apesar de lastreada em dólares, com certeza provocará inflação. Inicialmente, em um primeiro momento, a monetização permitirá a baixa da taxa básica, mas imediatamente o aquecimento artificial da economia provocará o retorno da inflação (e o esforço passado será perdido). A taxa básica de juro terá que ser aumentadas para evitar a inflação (voltará tudo de novo).
    5) Existem outras receitas, menos honerosas para o país, para combater o ataque especulativo. Não existem jogadores contra o Real. Apenas o Bacen, à custa dos contribuintes, para bancar o lucro dos especuladores (que não aguentarão as perdas se porventura acontecerem). O Bacen pode sair do campo das apostas e combater o ataque especulativo (se continuar ocorrendo) com a baixa da taxa básica (isto amedontrará os especuladores). Pode dificultar as jogatinas através de exigências burocráticas quanto a segurança. Pode cobrar IOF para operações de curto prazo (é difícil de implementar, mas funcionará por uns meses. O mercado de ações deve ser preservado).
    6) A Taxa de Juro Longo Prazo bateu 10,73%. A Selic está 1,77% acima. É muito. Poderia ficar acima 0,7%, o que daria uma Selic de 11,43% (claro que a queda deveria ser de 0,5% em 0,5%).
    MONETIZAR a economia só se estiver ocorrendo deflação (mesmo assim com Gastos Públicos em atividades produtivas, como infra-estrutura, etc)

  6. Só para lembrar: este Antônio
    Só para lembrar: este Antônio Machado é o mesmo que dizia, há alguns meses atrás, que a taxa de juros não podia cair por causa da alta carga tributária.

  7. E o Alexandre Schwartzman
    E o Alexandre Schwartzman ontem, na Globo News, pediu muita parcimônia. Segundo ele há uma visível pressão inflacionária via demanda. Ercercerecrec…

  8. Como leigo econômico me
    Como leigo econômico me parece claramente que esse lemgruber matou a charada, faz muito sentido sim, curto e direto, sem grandes complicações.

  9. Agora que a economia
    Agora que a economia americana não mais recebe os 3 bilhões de dólares diários de ingresso de capital para evitar a descida do dólar, este está em queda total, conforme o comprovam os 81,3 pontos do índice da moeda americana frente às principais moedas do mundo, bem abaixo dos 82 pontos tido como o limite da não recuperação.
    Já se fala em revalorização do ouro entre 7 e 20 vezes, ” para que se possa elevar o valor da base monetária mundial, e assim reduzir o peso da dívida” http://www.gata.org/node/4843
    Isto num momento em que os bancos centrais europeus estão se recusando a compar dólar.

  10. Marco Aurélio Garcia tem tudo
    Marco Aurélio Garcia tem tudo para ser um perfeito cabeça de planilha:
    1- Seleciona os argumentos que lhe favorecem quanto tenta descrever a situação/ política que defende (a atual)
    2- Tenta desacreditar a proposta alternativa focando em apenas pontos específicos, se baseando em dogmas e esquecendo que é possível controlar a dose do remédio.

    Ora, Marco Aurélio, que monetizar a economia pode resultar em aumento da inflação o Lemgruber sabe bem. Mas ele não sugeriu monetizar a economia ad infinitum. Sugeriu usar esse mecanismo para trocar por real os dolares das exportações, como forma de fazer a inflação convergir para a meta. (4,5%, lembra?)

    O que você sugere ser um descontrole é na verdade uma ferramenta para atingir a meta acordada.
    Descontrole mesmo é deixar os juros nas alturas, mesmo com a inflação prevista abaixo do centro da meta.

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