A Cristofobia e a vitimização do opressor

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Renan Quinalha

Do Justificando

Uma das mais perversas formas de manter uma relação de dominação e aprofundar uma desigualdade é sob a justificativa da vitimização e da autodefesa do próprio opressor.

Tornou-se recorrente, nos debates políticos recentes do país, que os setores conservadores imponham sua agenda autoritária alegando que seus valores estão sofrendo ameaças e que são vítimas de perseguições por parte de grupos militantes de direitos humanos.

Nos últimos dias, os religiosos mais fundamentalistas, sob pretexto de defender sua liberdade de crença e o respeito a seus símbolos sagrados, desencadearam uma ofensiva legislativa contra a população LGBT.

Um exemplo bastante simbólico desse discurso cínico emergiu, com bastante força, após a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, realizada no início desse mês. Na ocasião, a performance de uma artista transexual crucificada e martirizada para denunciar a LGBTfobia hoje existente tornou-se pretexto para comoção da bancada da Bíblia.

Deputados-pastores (ou pastores-deputados) bradaram imediatamente contra o ato. Realizaram sessão legislativa que mais parecia culto evangélico, com orações e citações da Bíblia. Aproveitaram e mostraram fotos de ofensas a símbolos religiosos que ocorreram há anos, em outros contextos e mesmo em outros países.

Por sua vez, vereadores começaram a propor proibição de manifestações públicas (“paradas”) do movimento LGBT. Até mesmo os planos de educação estão sendo patrulhados para que não possam prever o combate à discriminação baseada no gênero e na sexualidade nas escolas.

Nesse espetáculo farsesco a que assistimos, a tônica dos inflamados discursos é de que está em curso uma cruzada contra os valores da família tradicional e das religiões cristãs. Inverte-se assim a relação entre opressor e oprimido para que aquele, agora supostamente atacado, conte com maior solidariedade e apoio de outros setores sociais para seguir no propósito cassar os direitos de pessoas LGBT.

E, assumindo a condição de vítimas de uma implacável perseguição de grupos de “degenerados”, os fundamentalistas querem responder à altura. Alegam ser preciso retirar “privilégios” a que as pessoas LGBT almejariam.

Realizar manifestações públicas, incluir nos planos de educação uma perspectiva de combate à desigualdade de gênero e sexualidade, assegurar os mesmos direitos dos casais heterossexuais aos homossexuais, exigir políticas públicas para promoção de direitos e enfretamento da violência LGBTfóbica. Todas essas lutas por igualdade e respeito são caracterizadas como se fossem tentativas de obter privilégios.

A desfaçatez é tamanha que, diante do pedido legítimo e necessário de criminalização da homotransfobia diante dos altos índices de violência a que estão sujeitas as pessoas LGBT, os deputadores-pastores respondem que é preciso tornar a “cristofobia” um crime hediondo, como se a intolerância religiosa contra cristãos fossem uma ameaça à democracia.

Falácia maior, impossível. Intolerância religiosa dirigida à cristãos não é um fenômeno com amplitude significativa em nosso país. Já existiu e ainda existe em outros lugares, mas não aqui.

Aliás, o que se passa por essas terras é a intolerância às religiões afro-brasileiras incentivadas por setores dos evangélicos, como nos últimos dias, em que houve a agressão a uma garota do candomblé no Rio de Janeiro, o apedrejamento do templo A Casa do Mago ontem (18) e, hoje, o assassinato de um pai de santo, também no Rio.

Essas evidências não podem permitir que esses grupos que propagam discursos de ódio e de preconceito deturpem a realidade para fortalecer sua ação antirrepublicana e autoritária. Afinal, são os religiosos que têm privilégios nessa democracia que ainda precisa avançar muito para ser verdadeiramente laica, conforme lista a seguir:

1 – Ensino religioso é de oferta obrigatória nas escolas públicas de ensino fundamental;
2 – Ostentação de símbolos religiosos em espaços públicos e oficiais do Estado;
3 – Imunidade tributária de que gozam os templos religiosos;
4 – Concessões de rádio e de TV a grupos religiosos ou mesmo arrendamento, por parte destes, de espaços cada vez maiores nas programações normais;
5 – Feriados oficiais consagrados em dias santos;
6 – Padres e pastores que prestam assistência em hospitais ou presídios, sendo conhecidos como “capelães militares”, que por essa condição têm acesso a entidades civis e militares de internação coletiva;
7 – Existência de concordatas vaticanas, acordos celebrados entre o Brasil e a Santa Sé, mediante o qual se confere tratamento estatal diferenciado a uma crença religiosa em detrimento das demais (que não possuem órgão com personalidade jurídica como a Igreja Católica) e de cidadãos ateus e agnósticos;
8 – Frentes parlamentares religiosas, evangélicas, cristãs e outras análogas em diversas casas legislativas do país;
9 – Ataques sistemático a religiões de matriz africanas e afro-brasileiras;
10 – Tentativa de impor modos de vida e concepções morais particulares com a restrição ao direito ao aborto, à eutanásia, à cidadania LGBT e em outros temas.

Renan Quinalha é advogado e militante de direitos humanos, com formação em Direito e em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu o Mestrado em Sociologia do Direito e, atualmente, cursa o Doutorado em Relações Internacionais. É membro da diretoria do Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição (IDEJUST), do Conselho de Orientação Cultura do Memorial da Resistência e foi assessor da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”. Publicou o livro intitulado “Justiça de Transição: contornos do conceito” (2013) e, junto com James Green, o livro Ditadura e Homossexualidades (EdUFSCar, 2014).

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

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  1. Termos espertos e perigosos

    Volto aqui a criticar a utilização de conceitos como “xxxfobia”, ou “antixxxxismo”.

    Deve-se ampliar a utilização das mesmas leis comuns para todos os envolvidos, sem exceção, ao invés de criar leis especiais para determinados grupos de “vítimas” ou de “agressores”, que começam a morar em camarote especial. A liberdade de expressão e até de pensamento é transgredida ao criminalizar ou vitimar pessoas antes mesmo de ocorrer delito algum, tipo Minority Report (o filme). As minorias não devem ser segregadas, mas sim atraidas para dentro de uma única sociedade, onde o bom senso e as mesmas leis devam proteger ou condenar pessoas, pelos mesmos delitos, independentemente de quem tenha sido o agressor ou a vitima.

    1. Mesmo?

      Então comece uma campanha contra a lei, que já existe, que protege minorias religiosas, como os evangélicos,  de discriminação. 

      Essa lei também protege negros conta discriminação 

      Ou seu problema é só com os homossexuais?

      1. Muito parcial

        O seu comentário é muito parcial (homofobia) e não tem a ver com o ponto levantado.

        Acho ruim criminalizar e também vitimizar, com nomes que tipificam pensamentos e não ações ilegais, as quais devem ser punidas por igual, para qualquer cidadão.

        Quem bateu num cristão recebe a mesma punição de quem bateu num judeu ou num homossexual.

         

         

        1. Tem sim

          Vc disse que não é  necessário uma lei para proteger homossexuais 

          Mas existem leis que protegem outras minorias 

          Vc  é contra essas leis também ou só contra a criação de leis para proteger homossexuais ?

          1. Entendo

            Entendo agora a sua posição. Sou contra privilégios ou Leis que setorizam qualquer minoria, com exação do fato real que aconteceu e acontece com a raça negra, particularmente no Brasil.

            A situação relativa ao povo negro, com séculos de escravidão, realmente merecia não apenas uma Lei que protegesse a sua inserção na sociedade, mas também de ações compensatórias como hoje são utilizadas. Acontece que o negro normalmente não pode, apenas pela atitude ou opção, agir como pessoa comum, dentro da sociedade, sem ser claramente identificado como tal, apenas pela sua cor.

            Mas, aproveitando essa brecha, os judeus colocaram-se dentro desse grupo, aproveitando carona numa legislação que claramente os privilegia, pois nada os impede de circular, viver e participar da sociedade como cidadão comum. 

            Nesse embalo querem aproveitar de ingressar novas minorias, como LGBTs e, no futuro, qualquer outra

  2. Cristofobia

      A verdadeira cristofobia é praticada por esses fariseus com as tábuas das leis do judaismo no braços e não seguem os ensinamentos da tolerância e do amor veradeiramente cristãos, o fato de serem deputados é ofensa à Biblia, que prega a Deus o que é de Deus; a Cesar o que é de César, tendo sido Jesus Cristão um comilão e beberrão.

  3. SEMPRE HOUVE RAZOAVEL

    SEMPRE HOUVE RAZOAVEL RESPEITO AS RELIGIOES HOJE ESTAMOS NUM MOMENTO UNICO NA HISTORIA DO PAIS  ESTAMOS VIVENCIANDO DIAS DE  “`MEDO “ DOS EVANGELICOS   autoritarios quanto a vida alheia e da Naçao  Poderosos com muita GRANA a anos vinda do exterior  hoje extraida da populaçao mais credula por  grupos nacionais estao ai MACEDOS  JR SOARES  o inacreditavel APOSTOLO VADOMIRO  que ja desafiou o estado MEXAM COMIGO E  VERAO  quando interrompeu o trafego da Dutra na inauguraçao de um seu Templo   Com grande controle dos Meios de Comunicaçao  hoje tem o controle da CAMARA FEDERAL o Governo fica acuado com medo mas o PIOR E A MIDIA INCLUSIVE A BLOGOSFERA QUE NEM PUBLICA COMENTARIOS CRITICANDO ESTE ABSURDO   TODOS COM MEDO DOS DEPUTADOS/PASTORES

  4. Ledo engano

    “Como se a intolerância religiosa contra cristãos fosse uma ameaça a democracia”. Aqui o Sr. Renan derrapou feio! Toda a intolerência manifesta, de sexo, de cor da pele, de idade, de credo, de cultura, de condição social, entre outras, sempre será uma ameaça a democracia! Se não conhece a lei, não diga bobagens!

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