A poeta e a atriz, o vento e as rosas

Chego ao Rio e vou almoçar no restaurante Alho e Óleo, no Flamengo, com José Mauro Gonçalves. Zé Mauro é um mineiro de Barbacena que cinqüenta anos atrás lançou o livro “O Café Society”, desvendando o Rio e o Brasil daqueles tempos, nos quais duzentas famílias comandavam o jogo político e social, e se encontravam no Rio, a mais agradável capital do planeta.

É uma conversa nostálgica, de um mundo que já não existe. Na volta, passamos pela praia do Flamengo e ele vai apontando. Aqui morava o José Eduardo Macedo Soares, que já foi considerado o “príncipe dos jornalistas brasileiros”, mais adiante o Carlos Lacerda, talvez o mais influente jornalista brasileiro da história, em outro apartamento a Teresa Souza Campos, ao lado o João Cabral de Mello Neto.

As histórias vão fluindo, de ectoplasmas de um passado brilhante que os tempos não trazem mais.

Aí ele me contou uma história que transmito tal e qual a recebi, e que ele ouviu da principal personagem, a atriz Maria Fernanda, filha de Cecília Meirelles, em um programa na TV Educativa.

Maria Fernanda era uma atriz belíssima, filha de uma das musas do Rio de Janeiro, a poeta Cecília, paixão de todos os freqüentadores da Livraria Martins, e de grandes jornalistas, como Carlos Lacerda e Luiz Fernando Mercadante.

Nos anos 50, interpretou a personagem de Vivien Leigh em “E o vento levou”, em uma montagem carioca. Por conta da interpretação, ganhou um estágio na BBC de Londres. Certa vez a incumbiram de entrevistar a própria Vivien Leigh. Na entrevista, ela contou de suas peripécias teatrais e tornou-se grande amiga da atriz.

Em 1964 Vivien Leigh veio visitar São Paulo. Solicitou aos organizadores do evento que trouxessem sua amiga. Não foi possível. Quando cobrou sua presença, os organizadores informaram que ela estava acompanhando a mãe em fase terminal no Hospital.

No dia seguinte de manhã, Vivien levantou, foi até uma florista, comprou um buquê de rosas, pegou a ponte aérea e seguiu para o Rio. Foi até o hospital, enfrentou os porteiros que não queriam deixar que subisse até o apartamento de Cecília. Chegando, a poeta estava sozinha: Maria Fernanda tinha ido para casa descansar. Vivien esperou Cecília acordar, deu-lhe um beijo na testa, deixou o buquê em um vaso com água e retornou para São Paulo.

A poeta recuperou-se e ganhou uma sobrevida de dois meses. Nesse ínterim escreveu um de seus últimos poemas, que falava de rosas, como tantos outros que escrevera, e que dedicou a Vivien Leigh.

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. Que saco. Cheguei a combinar
    Que saco. Cheguei a combinar uma rodada com o Yamandu, encontrei com o Swami Jr. no hotel, mas o livro me tomou todo o tempo aí.

  2. Que lindo. Tentei achar o
    Que lindo. Tentei achar o poema que ela fez para Vivien Leigh, mas não encontrei. Não me lembro se o nome era “Rosas Solitárias”.

  3. NASSIF

    Não consegui
    NASSIF

    Não consegui encontrar o fato narrado por você, assim como o poema de que fala. Pode ter sido publicado após 1964, ano em que morreu Cecília Meireles. Encontrei os que se seguem abaixo, ambos escritos bem antes de sua morte. Caso venha a encontrá-lo, repasse-me, por favor.

    SE EU FÔSSE APENAS..

    Se eu fôsse apenas uma rosa,
    com que prazer me desfolhava,
    já que a vida é tão dolorosa
    e não te sei dizer mais nada!
    Se eu fôsse apenas água ou vento,
    com que prazer me desfaria,
    como em teu próprio pensamento
    vai desfazendo a minha vida!
    Perdoa-me causar-te a mágoa
    desta humana, amarga demora!
    – de ser menos breve do que a água,
    mais durável que o vento e a rosa…

    PRIMEIRO MOTIVO DA ROSA

    Vejo-te em seda e nácar,
    e tão de orvalho trêmula, que penso ver, efêmera,
    toda a Beleza em lágrimas
    por ser bela e ser frágil.

    Meus olhos te ofereço:
    espelho para face
    que terás, no meu verso,
    quando, depois que passes,
    jamais ninguém te esqueça.

    Então, de seda e nácar,
    toda de orvalho trêmula, serás eterna. E efêmero
    o rosto meu, nas lágrimas
    do teu orvalho… E frágil.

  4. A casa da Cecília, no Cosme
    A casa da Cecília, no Cosme Velho (meu bairro natal), ficou anos abandonada, com sua preciosa biblioteca e seu acervo — muita coisas inédita, principalmente seu teatro — em estado lastimável. O neto, Alexandre, agente dela, instalou sua agência literária na casa, que vai recuperando, e procura patrocínio para a restauração, que por enquanto vai bancando do próprio bolso na medida do possível. Certamente sai mais barato restaurar o acervo da nossa grande poeta do que patrocinar os Cirques du Soleil da vida. Que tristeza.
    Também não achei o poema. Pedindo licença à Lu por copiar sua idéia, aqui vão os versos finais de DESENHO (1963) para nossa meditação cotidiana:
    Somos raramente um pouco menos do que pensávamos.
    Raramente, um pouco mais.

  5. Opa, que mancada, ainda bem
    Opa, que mancada, ainda bem que voltei aqui! Corrijam-se urgentemente os versos da Cecília, que ficaram absurdos na minha citação:
    Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
    Raramente, um pouco mais.

  6. Mais duas coisinhas:
    1) Tive
    Mais duas coisinhas:
    1) Tive o privilégio de trabalhar na Rádio Mec na época da Maria Fernanda. Bela, classuda e extremamente gentil.
    2) Naquele prédio quase em frente ao Alho e Óleo, esquina com a Praia do Flamengo, morava o José Maria Alkmin. Ali naquela portaria Assis Chateaubriand dispertou uma estudantes que fazim manifestação contra ele a tiros p´ra cima e porrada. Tá no livro CHATÕ.

  7. 1Que bela história, Nassif!
    1Que bela história, Nassif!
    2) Que tristeza, Luis Eduardo
    3)Que sacanagem Nassif! Eu moro a 30 metros do Alho e Óleo e passo ali em frente pelo menos uma 5 vezes por dia.

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