Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Em “AfterDeath” o Inferno é a própria Criação, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

“AfterDeath” (2015) é uma grata surpresa dentro da onda “recente” (já dura quase três décadas) de representações da existência pós-morte no cinema. Inspirado na peça teatral “Entre Quatro Paredes” (1944) do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, “AfterDeath” consegue derivar do existencialismo (“o Inferno são os outros”, frase que encerra a peça sartriana) para o Gnosticismo (o Inferno é a própria Criação). Cinco jovens despertam em uma praia desolada trazidos pela maré. Só existe um farol e uma cabana, além de uma entidade ameaçadora, uma fumaça negra. Lá descobrirão que estão mortos e num lugar que é mais do que uma antessala para o Céu ou Inferno. Um filme sobre como a culpa e pecado podem fazer parte de um jogo perverso criado por alguém que não nos ama. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Já foi o tempo no qual as representações da vida após a morte no cinema se limitavam a locais definidos: ou o céu, ou o inferno. Hoje, a representação fílmica mais comum é a do protagonista perdido em variações do limbo entre a vida e a morte, ou desorientado em alucinações e pesadelos como uma espécie de inferno psíquico ou preso em um perverso sistema de pecado e punições.

Já discutido em uma postagem antiga do Cinegnose sobre o tema, a pesquisadora Amanda Shapiro em sua tese de doutorado “You Only Live Twice: The Representationof the After life, da Miami University aponta que na atualidade vivemos o segundo pico de produções cinematográficas sobre o pós-morte – clique aqui.

O primeiro pico foi a década de 1940: Beyond Christmas (1940), A Guy Named Joe (1943), A Matter of Life and Death (Stairway to Heaven, 1946) Here Comes Mr. Jordan (1941), Heaven Can Wait (1943), Cabin in the Sky (1943), Angel on My Shoulder (1946), The Ghost and Mrs. Muir (1947), Sunset Boulevard (1949) etc. Para Shapiro, a principal causa seria o impacto na cultura das mortes de milhões de pessoas na Segunda Guerra Mundial. 

Com o fim da guerra e a expansão econômica com a sociedade de consumo, rock e a pornografia, o tema passou a ser tratado de forma esparsa pelo Cinema.

 

Desde os finais dos anos 1990 vivemos uma segunda e longa onda de filmes sobre o pós-morte: Amor Além da Vida (1998), After Life (1998, Japão), O Sexto Sentido (1999), American Beauty (1999), What Lies Beneath (2000), Dogma (1999), Gladiator (2000), Final Destination (2000), Um Olhar do Paraíso (2009), After Life (refilmagem, 2009, EUA), A Nightmare on Elm Street (remake, 2010), Charlie St. Cloud (2010), Enter the Void (2009), Devil (2010), e Hereafter (2010).

O pós-morte é plástico e solipsista

AfterDeath (2015) é mais um filme dessa longa segunda onda. Uma produção interessante porque sintetiza a maioria das características recorrentes dessas produções sobre as visões do outro lado da vida. Desde o filme Amor Além da Vida, as representações das existências pós-morte se tornaram mais “plásticas” e solipsistas: lugares criados por projeções psicológicas como medo, culpa etc. ou por desejos e sonhos. 

Esses mundos no outro lado podem ser armadilhas solipsistas contra o protagonista ou perversos sistemas que manipulam culpa, remorso e arrependimento do que foi feito em vida.

A narrativa de AfterDeath é uma curiosa combinação de solipsismo no melhor estilo A Passagem (Stay, 2005 – um jovem preso em um mundo límbico criado pela culpa e remorso após um fatal acidente automobilístico) com visões de protagonistas presos em um perverso sistema cósmico: alguma coisa entre Enter The Void e Matrix

 

Mais ainda, o roteiro da produção é inspirada na peça teatral do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre “Entre Quatro Paredes” (Huis Clos, 1944), conhecida pela famosa frase “o inferno são os outros” – três personagens morrem e chegam ao Inferno. Porém, não há Diabo ou fornalhas. Apenas um quarto fechado onde os três são obrigados a conviver uns com os outros.

O Filme

Uma jovem chamada Robin (Miranda Rayson) acorda numa praia, trazida pela maré. É noite e tudo que vê é um farol distantes numa paisagem desolada, lembrando o visual da série River World – clique aqui. Uma estranha e ameaçadora fumaça negra (ecos também da série Lost?), soltados pavorosos grunhidos, está por perto. Mais adiante, Robin vê uma cabana por algum motivo familiar. 

Ao entrar, dá de cara com duas jovens (Lyvia – Lorna Brown – e Patricia – Elarica Johnson) e um rapaz chamado Seb (Sam Keely) fazendo sexo, enquanto o aparelho toca uma música em alto volume e ao lado uma caixa repleta de garrafas de vodka. E no outro quarto, uma garota chamada Onie (Daniella Kertesz) tenta se matar cortando os pulsos. Mas sem sucesso porque, afinal, já está morta!

E ainda há aquela estranha fumaça negra entrando e saindo pelo teto, agora atacando a todos. O impressionante design de som de Doug Johnson é poderoso e assustador, tornando a atmosfera sombria e imprevisível.

A princípio não se lembram como foram parar ali. Mas aos poucos, juntando os pedaços de lembranças de cada um, descobrem o motivo de estarem reunidos naquela cabana: todos estavam em uma casa noturna lotada na qual ocorreu uma tragédia – o teto veio abaixo, matando a maioria dos clientes.

Mas por que aquela cabana? Também começam a perceber que cada cômodo é familiar – resquícios de memórias de quando eram vivos: quartos onde moraram, a casa da infância etc. O que torna a cabana uma espécie de colcha de retalhos da memória afetiva de cada um.

 

Além da ameaça da fumaça negra (alguma espécie de entidade diabólica que parece se nutrir dos impulsos daquele grupo como sexo, violência, culpa etc.) há o enigmático farol à beira do mar. Ele varre com um facho de luz a paisagem desolada. Quando luz ilumina a casa, produz um doloroso efeito em todos – caem no chão com  dores terríveis, enquanto na mente passam flashes de fragmentos de memórias da vida deixada na Terra.

À medida que o filme progride, revela uma trama bem desenvolvida que à primeira vista pode parecer clichê: a ideia de que todos nós somos julgados antes de ascender aos céus ou descer ao Inferno não é nova. Nada que não tenha sido explorada antes em filmes como Um Olhar do Paraíso (Lovely Bones, 2009), por exemplo.

Mas AfterDeath oferece uma nova perspectiva, superando inclusive o existencialista desfecho da peça de Sartre: afinal, todos nós já estamos no Inferno, obrigados a conviver com o outro.

É nesse momento que o filme combina a perspectiva PsicoGnóstica (os personagens estão aprisionados em um mundo plasticamente moldado segundo seus psiquismos) com a CosmoGnóstica – há alguém que não os ama que os detém ali em um sistema perverso de punição e culpa.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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