Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Felicidade Demais Incomoda o Público no Cinema

 

O fascinante no filme é a tensão entre a fantasia liberada e o restabelecimento da ordem. Sonhos, desejos e loucuras proibidas,são desenvolvidos nos produtos de entretenimento, mas vão até certo ponto para não incomodar a feliz adapatação do público à realidade. Felicidade e “happy ends” são neutralizados para que não coloquem em xeque o princípio de realidade do espectador.

“A visão gnóstica não é inimiga de teóricos sociais como Adorno e seus seguidores. É uma aliada na grande revolução contra os demiurgos do mundo corporativo, gananciosos fornecedores de opressivas abstrações e mercadorias alucinatórias. Esta espécie de cinema é um borrão cinético que bloqueia a circulação de coisas”[1] 

Em postagem anterior discutíamos o domínio do realismo na história da narrativa cinematográfica com a ascensão das classes médias como público prioritário da indústria do entretenimento. Afirmávamos que a mentalidade pragmática desses setores médios não tolera conteúdos ou narrativas surreais, “non sense” ou absurdas, sendo absorvidas por narrativas que priorizam a verossimilhança e o efeito de realidade (veja links abaixo).


Se o realismo passa a dominar a narrativa cinematográfica, qual o destino de elementos potencialmente transcendentes (arquétipos, fantasias etc.) habitualmente explorados pela indústria do entretenimento? Se esses elementos imaginários provenientes do psiquismo e do inconsciente coletivo são potencialmente transcendentes, isto é, podem colocar em xeque a feliz adaptação da consciência do espectador ao “status quo”, como a narrativa fílmica opera esse duplo vínculo contraditório: transcendência e adaptação, quebra da ordem e retorno à ordem? 


Podemos encontrar a resposta em dois caminhos críticos: a análise do gnosticismo no cinema e chamada “teoria crítica” da Escola de Frankfurt.

A análise fílmica do filme gnóstico empreendida por Eric Wilson tangencia, em muitos momentos, com as teses da Escola de Frankfurt, principalmente com as de Adorno. Principalmente quando Wilson faz uma análise de recepção: ao afirmar que dos motivos que levam o espectador a uma sala de cinema o mais poderoso talvez seja o desejo de escapar dos duros limites da vida cotidiana – a busca de outro mundo onde a experiência seja autêntica, imprevisível e atrativamente chocante. O autor sugere que por trás desse desejo aparentemente escapista e alienador escondem-se arquétipos místicos ou esotéricos, potencialmente emancipadores e que podem ser explorados como possíveis modos de transcendência. 


 

Empurrar o espectador para fora dos limites
e, ao mesmo tempo, reduzir o desejo a
 simples fantasia escapista

 

Não apenas o filme gnóstico, mas a própria indústria cultural trabalharia com um duplo vínculo contraditório: alimentar o desejo que empurra o espectador para fora dos limites da realidade institucional e, ao mesmo tempo, reduzir esse desejo à simples fantasia escapista que mantém o espectador preso aos limites da mercadoria de consumo.


O Duplo Vínculo


Dentro da Escola de Frankfurt, principalmente Adorno pressentiu esse duplo vínculo na relação dos receptores com o produto cultural: o impulso por transcendência, imanente ao objeto artístico e ao receptor que o consome, e a totalidade falsa criada pela lógica da mercadoria na indústria cultural.

Em sua análise sobre música popular, Adorno descreve esse duplo vínculo que alimenta a recepção do ouvinte:

“Toda a esfera de diversão comercial barata reflete esse duplo desejo. Ela induz o relaxamento porque é padronizada e pré-digerida. Sendo padronizada e pré-digerida serve, na psicologia familiar das massas, para poupar-lhes o esforço dessa participação (mesmo de ouvir e observar), sem o qual não pode haver receptividade à arte. Por outro lado, os estímulos que ela providencia permitem uma escapadela da monotonia do trabalho mecanizado”[2]

Escapar à monotonia e poupar esforços são movimentos incompatíveis. Como afirma Adorno, a indústria cultural lida com um problema insolúvel: ao mesmo tempo oferecer produtos novos e estimulantes que façam o receptor escapar da rotina e, simultaneamente, tornar essa novidade padronizada e familiar para relaxar e poupar esforços. Nesta corda bamba equilibra-se a indústria cultural ao ter que criar um entretenimento que mantenha a ordem institucional e, ao mesmo tempo, ofereça a esperança de rompê-la. 

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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