Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Mitologia gnóstica no cinema para iniciantes, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Apesar de em toda História o Gnosticismo ter cultivado o elitismo espiritual por meio de sociedades secretas e conhecimentos arcanos, desde a literatura do Romantismo até o cinema a mitologia gnóstica vem cada vez mais fazendo parte do atual cenário da cultura pop. O Cinema atual insere em suas narrativas de diversos gêneros quatro principais mitos gnósticos: o do “Demiurgo”, o da “Alma Decaída”, o do “Salvador” e do “Feminino Divino”. Portanto, vamos introduzir aos novos leitores do Cinegnose o tema do Cinema Gnóstico e fazer um pequena síntese das pesquisas desses seis anos aos mais antigos seguidores do blogue.

Para aqueles que estão chegando agora ao Cinegnose e, mesmo para aqueles que já são iniciados no tema e constatam a complexidade conceitual da área, vamos fazer uma introdução didática sobre a presença de elementos da mitologia gnóstica no cinema.

Desde as suas origens no início da Era Cristã até os dias atuais a tradição gnóstica tem rejeitado as convenções culturais como formas decadentes de um mundo ilusório. Por isso, o gnosticismo tem cultivado o elitismo espiritual – conhecimentos arcanos e sociedades secretas.

Tal estratégia histórica é compreensível se considerarmos que o Gnosticismo considera o mundo material – e os seus defensores – como ilusórios e falhos produtos de um Demiurgo, um deus inebriado na sua crença de ser único e poderoso mas que não passa de uma emanação decadente de um plano transcendente e harmônico. 

Depois dos diversos renascimentos ao longo da História (como na literatura do Romantismo dos séculos XVIII-XIX), a mitologia gnóstica chega ao cinema no século XX. 

E os temas gnósticos no cinema não são recentes. Desde antigos filmes como The Revenge of the Homunculus (Otto Rippert’s, 1916) sobre as trágicas consequências de um experimento alquímico mal sucedido; The Golem (de Paul Wegener’s, 1920) mostrando os trágicos resultados da magia cabalística; Frankenstein (de James Whales, 1931) onde o tema é o fracasso gnóstico em transcender a matéria mortal. 

The Revenge of Homunculus, 1916

Os temas gnósticos retornam mais tarde, desta vez através de filmes não-comerciais ou rotulados como cults que endossam valores heterodoxos. 

Blow Up (Antonioni, 1966) é uma exploração gnóstica de como a cultura consumida pelas aparências suplanta a realidade. 

Confundindo forma e conteúdo através de uma narrativa altamente ambígua e alucinante que incomoda tanto os personagens do filme quanto o público,  (Fellini, 1963) explora a cabalística crença de que um ideal humano pode ser alcançado através do artifício, a criação de um Adão cinemático; 

Zardoz (John Boorman, 1974) uma verdadeira fábula gnóstica onde, em um futuro pós-apocalipse, o protagonista alcança a iluminação ao descobrir que o deus em que acreditava (Zardoz) era, na verdade, uma criação artificial de uma elite imperfeita e decadente.

The Man Who Fell to Earth (Nicholas Roeg, 1976) apresenta um extraterrestre que vem para a Terra em busca de água para o seu planeta que está morrendo. Incapaz de cumprir sua missão acaba prisioneiro de uma rede de corrupção em uma América corporativa. Diferentes dos antigos filmes, estes filmes gnósticos cults criticam o status quo, sugerindo que a cultura pós-moderna é um desolado mundo de ilusões que produz conformismo.

O que distingue os filmes de temática gnóstica dos últimos vinte e cinco anos é que, diferente do passado cult ou de vanguarda, agora estão presentes no cinema mainstream hollywoodiano. A temática gnóstica abandona o campo do cinema alternativo de público elitizado para atingir as massas através do cinema comercial. Ao contrário do passado, os temas gnósticos estão presentes em filmes com produções de bom orçamento, atores celebrizados pelas mídias de massa e enquadrados dentro de gêneros fixos tradicionais.

Basicamente são a partir de quatro mitos básicos que o cinema vem explorando o Gnosticismo:

1.   O Mito do Demiurgo

Dark City, 1998

A Criação, o Mundo ou a própria realidade é controlada por uma divindade inferior e os seus agentes. Esses anjos (ou arcontes) lançaram um véu de ilusão, ignorância ou desespero existencial sobre aqueles que procuram dominar (e às vezes se alimentam). No gnosticismo clássico, o caráter do Deus do Antigo Testamento era um modelo preferido para o vilão extramundano. Ele é muitas vezes referido como o Demiurgo. 

No cinema, o Demiurgo não tem necessariamente de ser um antagonista do divino, mas pode assumir a forma de qualquer entidade opressora incluindo ETs , tecnologias opressoras e até mesmo as instituições humanas. Tudo se resume a questão do controle humano versus a liberdade humana. Esse mito inflama a questão sobre o que é real e o que é falso em intrincados níveis ontológicos (ou dimensões).

Alguns exemplos:

 

Êxodo: Deuses e Reis (2014) e Noé (2014) – Deus do Velho Testamento como um Demiurgo vingativo, ciumento e violento.

Prometheus (2012) ou Dark City (1998) – Demiurgos como raças avançadas de seres alienígenas que transformaram os humanos em experimentos científicos.

Mais Estranho Que a Ficção (2006) – o Demiurgo é um escritor que manipula de diversas formas uma narrativa literária tentando matar o protagonista.

Show de Truman (1998), EDtv (1999) ou Mad City (1997) – o Demiurgo pode ser um produtor de um reality show, um repórter manipulador ou a própria grande mídia que explora a espontaneidade e simplicidade do protagonista.

Uma Aventura Lego (2014) – o Demiurgo é o pai de um menino que disputa o filho o controle do destino de uma cidade construída em blocos de Lego

Clique na tag Demiurgo para buscar mais filmes.

 

2. O mito da alma decaída

Earthling, 2010

A ideia de que a semente divina, proveniente de um lugar chamado Pleroma (ou Plenitude) tenha caído em um mundo estranho. Este esperma-luz, a matéria prima da auto-realização, reside dentro de cada mortal, também conhecida como “centelha-divina”. É exatamente pela qual que as criaturas espirituais do Demiurgo anseiam ou querem corromper. Descansando no sono ou estupor, a jornada épica começa verdadeiramente quando um mortal descobre ou é escolhido para realizar o seu potencial transcendental. Uma guerra de libertação tende a entrar em erupção. 

Normalmente envolve uma agitação do protagonista durante a vigília por algum poder latente ou um presente que o obrigue a cumprir um destino heróico. Este mito provoca a pergunta do que é ser consciente e os níveis de consciência que o ser humano pode chegar.

Abaixo, alguns exemplos:

 

Earthling (2010) ou ET (1982) – Aliens caem na Terra e vivem uma situaçãoo de ameaça e estranhamento. Filmes que são uma metáfora da gnóstica condição humana

Sense8 (2015) – Humanos com sensibilidade especial (os sensates) despertam de suas vidas ordinárias para o chamado de luta contra um Demiurgo – uma agência quase governamental especializada em manipulações genéticas.

O Destino de Júpiter (2015) – uma humilde empregada recebe o chamado da Plenitude. Os mitos gnósticos da Criação, Queda e Ascensão representados de forma explícita em uma space opera.

O Homem Que Caiu na Terra (1976) – Thomas Jerome Newton é um alien humanóide que vem para a Terra em busca de água para seu planeta que está morrendo. Sua inteligência e revolucionárias invenções atrai corporações que tentam corrompê-lo.

Upside Down (2012) – Mescla de ficção científica com drama romântico que dá uma nova roupagem ao mito da Queda humana.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. A imersão necessária para a compreensão

    Mensagem de ontém:

    Teatro sagrado

    Sacred play

    Pragmatism as a theory of meaning implies that texts, words and other symbols are consecrated by our use of them; the Holy Bible is Holy to those who read it as sacred story or divine guidance, and cannot be holy without those readers who live by its light.

    One way to renew our remembrance of the actual relation between symbol and practice is to play with words, especially with scriptural words. Most genuine religious traditions include the practice of sacred wordplay; for instance, the Sufi tradition in Islam. ‘Indeed, one aspect of mystical language in Sufism that should never be overlooked is the tendency of the Arabs to play with words’ (Schimmel 1975, 13).

    All the world’s a stage, and we all play our parts – this is the presentation of self in everyday life (Goffman 1959). Children learn to do this by ‘implicitly modeling the larger social structure’ in their play (Donald 1991, 174). Science too is a special kind of performance learned by emulation of mentors (Polanyi 1962). Prophecy and martyrdom have performance elements (Lawson 1998). From Huizinga’s Homo Ludens to Wittgenstein’s ‘language games,’ we clarify the deep structures of cultural forms by abstracting performances from those concerns which insist on ‘taking them seriously’ – which means subordinating them to extraneous purposes – and playing with forms that really matter.

    Life is a game whose purpose is to discover the rules, which rules are always changing and always undiscoverable. For purposes of recreation, renewal and discovery, we play games of which the objects and rules are well and explicitly defined. Within these self-imposed limits, consensus is not a distant or unattainable goal but a present, pragmatic reality. Even competitive games are unplayable unless the opponents collaborate on applying the rules and pursuing the object of the game. True, like any artistic endeavor, such games can be used for entertainment, or used for external ends like fame or gain. But a game in its purity encloses its purpose and object: it is useless as the universe. To play with perfect concentration is to realize the use of the useless (Chuang Tzu).

    Taking scripture seriously, dedicating and consecrating yourself as Ideal Reader, means committing yourself to play with the terms of the text until they tell the whole truth in which your whole life and practice can play a part.

     

  2. A importância do pensamento na Nova Ordem Mundial

    A importância do pensamento na Nova Ordem Mundial

      A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, criou no seu governo a Secretaria de Coordenação Estratégica para o Pensamento Nacional. Segundo a descrição publicada no diário oficial do país, entre os objetivos do novo órgão, vinculado ao Ministério da Cultura, está “assessorar e elevar as propostas a serem consideradas pela ministra da Cultura em questões de pensamento nacional e latino-americano”. E ainda: “projetar e coordenar o pensamento nacional, ajustado com as diretrizes que a secretaria definir”, interagir “com as diferentes usinas de pensamento existentes no país, com o objetivo de promover e lhes dar um marco maior de institucionalidade” e estimular “a percepção do ser nacional”.[1]É impossível em uma hora dessas não lembrar do célebre Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, escrito por George Orwell, e da sua descrição de uma policia do pensamento dentro de um governo autoritário. Ainda que, de uma forma ou de outra, a policia do pensamento já está presente [2] entre nós há algum tempo, a sua formalização institucional nos faz refletir a importância do pensamento do cidadão comum dentro da Nova Ordem Mundial.  Foi no século XIX que tivemos o advento da fé baha’i e do planejamento da Ordem Mundial de Baha’u’lláh, mas também foi o mesmo período em que muitas outras correntes espiritualistas estavam a surgir, dentre as quais a sociedade teosófica desempenhou notável importância, tanto na expansão no início do século passado dos princípios de uma futura sociedade divina, chegando a ceder espaço no Centro Teosófico às palestra de ‘Abdu’l-bahá, como agregando conceitos a sua estrutura e ajudando a formar a identidade das elites. É dentro da Teosofia que encontramos o conceito de “formas-pensamento”, segundo a qual afirma que o homem é dotado de outros corpos além do físico (o mental e o emocional, por exemplo) que formam um combinação sutil no plano astral. Vejamos essas diversas passagens do livro “Formas de Pensamento” escrito por Annie Besant e C.W. Leadbeater em 1901:
     “Cada pensamento produz uma forma. Quando visa outra pessoa, viaja em direção a essa. Se é um pensamento pessoal, permanece na vizinhança do pensador. Se não pertence nem a uma, nem a outra categoria, anda errante por um certo tempo e pouco a pouco se descarrega, se desfazendo no éter. (…) Cada um de nós deixa atrás de si, por toda parte onde caminha, uma série de formas-pensamentos. Nas ruas flutuam quantidades inumeráveis. Caminhamos no meio deles. (…) Quando o homem momentaneamente faz o vácuo em sua mente, os pensamentos que lhe não pertencem o assaltam; em geral, porém, o impressionam fracamente. Algumas vezes, todavia, um pensamento surge e atrai a sua atenção de um modo particular. O homem comum se apodera dele e o considera como coisa própria, fortifica-o pela ação de sua própria força, e, por fim, o expele em estado de ir afetar outra pessoa. (…) O homem não é responsável pelo pensamento que lhe atravessa mente, porquanto pode não lhe pertencer. Porém, torna-se responsável quando se apodera de um pensamento e o fixa em si e depois o reenvia fortalecido.” (BESANT, Annie e LEADBEATER, C.W,. Formas de Pensamento. Editora Pensamento, 1995).É muito importante para o estabelecimento da NOM o pensamento do cidadão global fluir segundo o espírito insuflado do cristo cósmico. Em outras palavras, o cidadão global precisa está apto ― como vários já estão ― a receber como daimons [3] os  muitos demônios que saírem do abismo. As diferentes maneiras de se esvaziar a mente, desde as práticas em templos esotéricos incluindo alguns com placas evangélicas à liberação desenfreada do consumo de drogas, além das técnicas MK Ultra da cultura pop babilônica, serão importantes para que pensamentos que não lhe pertencem entrem na mente do cidadão global fazendo com este mais tarde se apodere dele e o considere como coisa própria.
    Este é o segredo da propaganda: saturar totalmente a mente da pessoa a quem a propaganda quer tomar posse, com as idéias da propaganda, sem que ele perceba que está sendo saturado. Paul WatzlawickUma das maneiras mais sutis, mas talvez a mais eficiente, é a constante propaganda da Nova Ordem Mundial. Na medida em que conceitos são lançados, o comum cidadão vai adquirindo-os sem que disso se perceba. Para ilustrar o que escrevi até aqui, temos o filme Branded (2012),  o qual explora o conceito teosófico de formas-pensamentos atrelado à saturação da propaganda da indústria do marketing. O filme aborda a propaganda para além de sua composição retórica, mostrando uma guerra entre criaturas invisíveis pela decisão pessoal do indivíduo ― o palhaço, bem sugestivo, que faz a criança importunar a mãe por um sanduíche é só um exemplo.

    Vemos que a crítica do filme não se retém ao marketing de uma sociedade de consumo na afirmação do personagem principal, Misha (Ed Stoppard), de que a propaganda teve o seu início com Lênin. O filósofo político Ernesto Laclau defendia abertamente a tese de que a propaganda revolucionária cria livremente a classe da qual em seguida se denominará representante. Foi exatamente isso que aconteceu no enredo do filme Branded, a companhia de marketing criou uma classe de pessoas acima do peso para, em seguida, se tornar representante dos mesmos com suas redes fast-foods.
    E sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha. Apocalipse 20:8Adentrando à nossa realidade, a Nova Ordem Mundial está a fazer roupas sob medida às pessoas que deseja representar. E, em uma sociedade de justificação divina, nada seria mais normal que mediadores entre os deuses e os homens, os chamados daimons,  ajudem este último a reconhecer a “luz da revelação divina” da Ordem Mundial de Baha’u’llah. Acaso não seria, em um futuro bem presente, o próprio homem o portal aberto do poço do abismo? Quando a economia divina estiver em prática através da estrela de nove pontas a “festa” estará bombando!
    Notas:
    [1] – Cristina Kirchner cria Secretaria do Pensamento
    http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/cristina-kirchner-cria-secretaria-do-pensamento
    [2] – As mídias e a polícia do pensamento
    http://apocalipsetotal.wordpress.com/2013/01/24/as-midias-sociais-e-a-policia-do-pensamento/
    [3] Seriam intermediários entre os deuses e os homens. Os daimons têm uma equivalência no islamismo: os chamados “jinns” ou em português “gênios”. Eles são encontrados no Surata 72 do Alcorão, Al-Jinn (Os Gênios), citado por Baha’u’llah no Súriy-i-Ayyú.
    Outras Fontes:
    O Marketing paranormal no filme “Branded”
    http://cinegnose.blogspot.com.br/2013/03/o-marketing-paranormal-no-filme-branded.html?spref=fb
    Sobre Formas-Pensamento
    http://metafisicando.blogspot.com.br/2012/11/sobre-formas-pensamento.html

     

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