A Escola de Guerra dos EUA e o Brasil

Da Folha

Estudo vê dilema estratégico para Brasil

Escola de Guerra do Exército americano elogia, porém, esforço de Lula para elevar status internacional do país

Segundo documento, novo governo terá rede de opções diplomáticas e comerciais; relação com EUA é mais tensa

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Apesar de bem-sucedido, o esforço do governo Lula para elevar o status do Brasil no exterior deixará uma herança de “dilemas estratégicos”, incluindo tensão com Washington, afirma análise da Escola de Guerra do Exército dos EUA.
Publicado em agosto, o estudo “Dilemas da Grande Estratégia Brasileira” afirma que poucos países tiveram melhora tão notável em sua “estatura internacional” na última década como o Brasil.
Para o autor, o pesquisador Hal Brands, do Instituto de Análise em Defesa, isso foi obtido por meio de três estratégias: ação leve para contrabalançar o poderio americano; formação de coalizões para aumento do poder de negociação; e posicionamento como líder de uma América do Sul mais unida.

Lula”Lula procurou transformar a crescente confiança nacional oriunda da consolidação democrática e da estabilidade econômica em uma diplomacia mais forte”, escreveu Brands.Ele aponta como ações principais da diplomacia nos últimos oito anos o papel mais ativo em missões de paz da ONU; a promoção de blocos como os Brics (com Rússia, Índia e China) e Ibas (com Índia e África do Sul); a tentativa de obter vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU; e a defesa da integração econômica da América do Sul.
Também é notada a emergência de novas instituições regionais como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e o Conselho Sul-Americano de Defesa.
Brands afirma que essa estratégia de tentar reverter a antiga ordem internacional foi benéfica no curto prazo e que o sucessor de Lula terá nas mãos uma rede de opções comerciais e diplomáticas para escolher onde atuar.
Mas, segundo disse em entrevista à Folha, há quatro problemas que poderão obstruir a ascensão do país.
“Primeiro, não está claro que o Brasil preparou bem os fundamentos para crescimento econômico e coesão social de longo prazo, que são necessários para uma política externa ambiciosa.”
“Segundo, as relações com muitos vizinhos são tensas. Países como Bolívia e Paraguai veem o Brasil como uma potência dominadora, enquanto México, Argentina, Venezuela e Colômbia o veem como rival pela liderança regional”, continua.
O terceiro ponto é que não está claro se Brics e Ibas são coesos o suficiente para atuar como grandes atores geopolíticos.
E, “finalmente, a política externa assertiva de Lula ocasionalmente leva a conflitos com os EUA”.
Mesmo nas projeções mais otimistas, o Brasil não terá capacidade econômica ou militar para competir com outras potências (EUA, China e a União Europeia) por décadas -se é que isso acontecerá algum dia.
Exatamente por isso, o país precisa abordar seus dilemas estratégicos. “Se o Brasil alcançará “impacto sistêmico” -a habilidade de influenciar significativamente a ordem global- terá de fazer isso não por meio da acumulação inexorável de peso geopolítico, mas pela qualidade de sua diplomacia.” 

“Lula parece crer que ir contra os EUA pega bem”

DE WASHINGTON

Para Hal Brands, do Instituto de Análise em Defesa da Escola de Guerra do Exército dos EUA, o governo Lula parece se esforçar para irritar os EUA. (AM)

Folha – Antecessores de Lula desperdiçaram chances ou a conjuntura internacional só permitiu ascensão do Brasil nos últimos anos, sob Lula? Hal Brands – De muitas formas, FHC lançou as bases para as políticas de Lula ao buscar maior inserção na ordem mundial e defender uma política externa mais ativista. Mas Lula se provou mais adepto à tentativa de elevar o status do Brasil.
Em parte, isso se deve à sua reputação de redução da pobreza, o que dá a ele mais credibilidade em países em desenvolvimento.
Além disso, a desilusão com a hegemonia americana após o 11 de Setembro criou espaço para poderes como o Brasil pedirem mais multilateralismo e limites ao poder americano.

Como os EUA reagem a isso?
Esperam que o Brasil seja um parceiro, mas sabem que o país está mais forte na defesa de seus interesses. Isso leva a conflitos em áreas como comércio e laços com Irã e Venezuela.
Em alguns casos, parece que Lula se esforçou para enfiar o dedo no olho dos EUA, como quando anunciou que não apoiaria sanções ao Irã logo antes de uma visita da [secretária de Estado] Hillary Clinton.
Parece crer que ir contra políticas dos EUA pega bem com a base do PT e com países em desenvolvimento.

E a América Latina?
Paraguai, Bolívia e outros vizinhos se preocupam com o poder brasileiro e temem a falta de generosidade do país em dividir os benefícios da integração econômica. O Mercosul tem uma existência infeliz.
Enquanto [Hugo] Chávez e Lula têm relações amigáveis em público, a Venezuela vê o Brasil como rival pela liderança regional. Isso também se aplica a Colômbia, México e Argentina. 

Luis Nassif

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