O Polo Naval do Rio Grande e o renascimento do setor

Por Marco Antonio L.

Do Carta Maior

O segundo maior polo naval no RS: uma história de renascimento industrial

Com seus 20 mil empregos, o Polo Naval de Rio Grande tem dois grandes estaleiros em funcionamento, e outros dois se instalando, especializados na produção de plataformas para produção de petróleo em alto-mar. É um projeto que uniu os governos federal e estadual, universidades, indústrias e fornecedores. A indústria nacional do setor renasceu. Em 2000, empregava cerca de duas mil pessoas. Hoje são 70 mil, com 26 estaleiros em funcionamento no país, e outros onze em instalação. Por Najar Tubino.

Najar Tubino

Porto Alegre – O título é pesado, mas está de acordo com o conteúdo a ser relatado. Trata-se do Polo Naval de Rio Grande, com seus 20 mil empregos, dois grandes estaleiros em funcionamento, e outros dois se instalando, especializado na produção de plataformas para produção de petróleo em alto-mar. Um projeto que está se alastrando ao longo das hidrovias internas do estado, distribuindo outras indústrias em municípios como Charqueadas, Pelotas e Porto Alegre. Transportarão módulos de plataformas, peças que pesam 500, 600 toneladas. E uma indústria nacional que está renascendo, desde o ano 2000, quando empregava cerca de duas mil pessoas. Hoje são 70 mil, com 26 estaleiros em funcionamento no país, e outros onze em instalação. Um programa de mais de US$100 bilhões de dólares em encomendas até 2020.

Acima de tudo um projeto que uniu os governos federal e os estaduais, as universidades, as indústrias e os fornecedores, e onde as suas lideranças não tem vergonha de dizer “é um sucesso” ou um “momento mágico”, como disseram em Porto Alegre, o secretário executivo do Sindicato das Indústrias de Construção e Reparação Naval, Sérgio Leal, e o presidente da Associação Brasileira das Empresas do Setor Naval e Offshore, Augusto Mendonça.

O Seminário sobre a Indústria Naval foi promovido pela Agência Dinheiro Vivo. O maior polo naval continua sendo o Rio de Janeiro, com quase 30 mil empregos, e uma tradição que inicia com o Barão de Mauá, no século XIX, aliás, hoje o Estaleiro Mauá está produzindo plataformas.

O Rio Grande do Sul já teve uma indústria naval, inclusive um estaleiro em Porto Alegre, conhecido nacionalmente. O estado também tinha 1.200 quilômetros de hidrovias entre rios e lagoas. Agora tem 750 km. O renascimento no porto de Rio Grande, local que oferece condições adequadas para este tipo de construção – calado de 17 metros de profundidade-, além de ligação através da Laguna dos Patos, com vários outros rios do interior gaúcho, começou com a plataforma P-58, entregue em 2008, pelo consórcio Quip, reúne grandes construtoras como Queiroz Galvão e Camargo Corrêa, além da IESA, entre outros.

Depois foi a vez da Engevix Construções Oceânicas, com o Estaleiro Rio Grande, mais recentemente a Wilson Sons, e o Estaleiro Atlântico Sul, que também tem como sócios as duas construtoras e produz petroleiros em Pernambuco – vendeu no dia 12 último 25% de participação para a Ishikawajima Heavy Industries, do Japão.

A política é distribuir ao longo da hidrovia
A ampliação do Polo Naval se intensificou a partir de 2011. Depois de muita discussão e a projeção de uma mudança na logística de transportes do estado, o governo começou a incentivar indústrias que não tinham tradição no setor naval e muito menos de exploração de petróleo em alto-mar, caso da metalúrgica Metasa, por exemplo, que vai ser fornecedora da IESA, em Charqueadas, a 60 km de Porto Alegre, município que conta com um porto no rio Jacuí. Quatro fornecedores dos estaleiros de Rio Grande estão se instalando na cidade – além da IESA, Metasa, UTC e Tomé Engenharia.

Charqueadas é uma região onde estão concentradas as penitenciárias do RS, e também onde se produz carvão. Local de poucas possibilidades de mercado de trabalho. A IESA pretende contratar 1,2 mil pessoas e vai treinar engenheiros, moduladores, soldadores, eletricistas e encanadores no município. A UTC também pretende contratar em torno de 1,5 mil funcionários e a Tomé Engenharia outros dois mil postos de trabalho. O diretor da QUIP, Marcos Reis, disse que a indústria naval está trabalhando para beneficiar todo o estado.

O Polo Naval de Rio Grande vai construir sondas para perfuração em alto mar, além das plataformas e dos cascos. A Engevix tem encomendas de oito cascos para a Petrobras. Marco Aurélio Franceschi, diretor de infraestrutura e energia, da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento explica:

“- O Rio Grande do Sul têm 44 mil indústrias em funcionamento e uma tradição muito grande em metalurgia. O único problema é que as empresas se instalaram na serra, longe dos rios. Nós queremos mudar isso, atraindo as indústrias para a margem das hidrovias, facilitando o transporte dos módulos para Rio Grande. Nós somos o quarto polo em produção de sondas e o segundo na produção de plataformas. A carteira de encomendas do estado envolve US$9,7 bilhões, significa 35% do total, e é a maior.”

Atrair novos fornecedores
O RS também é o segundo maior fabricante do país de máquinas de todos os tipos – 11% do mercado. Claro que São Paulo concentra a maior produção brasileira. Mas isso também significa facilidade em capacitar mão de obra qualificada, escolas técnicas e pesquisa. Além da logística hidroviária, que também incluiu o porto de Porto Alegre, aonde a Engevix vai se instalar e a Metalúrgica Koch , pela primeira vez, produzirá guindastes para alto-mar. Nesse pacote a Tramontina fabricará uma caixa elétrica antiexplosão.

Marco Franceschi reforçou a estratégica do governo estadual de atrair novos fornecedores, sem tradição, em fornecer a Petrobras.Outra empresa, a SCA, especializada em móveis, está se estruturando para produzir módulos para plataformas. É um trabalho muito longo, diz ele, que está recebendo atendimento prioritário do governo, para destravar ao máximo a burocracia.

Quando um projeto é aprovado, todos os representantes estaduais são reunidos para equacionar o andamento. É nomeado um gerente que cuida do projeto até a sua implantação. Isso inclui incentivos fiscais, financiamento, licenças e a tramitação com órgãos do governo federal.

A indústria não pode ser um episódio
A verdade é que apesar da tradição industrial, o RS participava com um número reduzido de empresas fornecedoras da Petrobras, que por enquanto é a maior contratante da indústria naval. O Secretário de Infraestrutura e Logística, Caleb de Oliveira, disse que o estado não quer que a indústria naval seja apenas um episódio na história local. Ou seja, resolvidas as encomendas para a Petrobras,a cadeia produtiva se desfaz.

“- Queremos que as indústrias se tornem competitivas a nível mundial, precisamos pensar em atrair novas encomendas e usar o que a indústria nos oferece também internamente. Não adianta criarmos as condições para a evolução da indústria naval e continuarmos com a mesma logística de transportes, onde 75% das cargas são escoadas via rodoviária, somente 5% por hidrovia, e cerca de 20% pela ferrovia”.

Na realidade, o governo está organizando o Plano Estadual de Logística e Transporte, em parceria com a Federação das Indústrias, e a cargo de uma empresa que ganhou a licitação. O projeto vai mapear a produção gaúcha e suas vias de escoamento, em cada modal. A etapa posterior será transformar o Plano em um marco regulatório. Por enquanto, explica Caleb de Oliveira, o governo estadual e o DNIT investirão R$14 bilhões até o ano que vem na melhoria da logística.

Escola de Treinamento do SENAI
O Rio Grande do Sul também procura integrar os centros tecnológicos das Universidades federais, a estadual e as privadas como UNISINOS e PUC, nos projetos do Polo Naval. Em Rio Grande a integração é com a Universidade Federal de Rio Grande, especializada nas ciências oceânicas e trabalha junto às empresas em projetos de inovação. No centro tecnológico da UNISINOS, no Vale dos Sinos, estão trabalhando com sistemas de automação de plataformas, e no TECNOPUC com sistemas para offshore (alto-mar). Em Rio Grande, um grande pavilhão abandonado abrigará uma escola de treinamento do SENAI. Um soldador de plataforma precisa de treinamento adequado, com equipamento adequado, e não leva menos do que seis meses para a formação inicial.

Em Rio Grande a P-63 está pronta para ser entregue à Petrobras. A operação final, de colocação da plataforma em cima do casco, operação chamada de “deck mating”, envolve a elevação de 17 mil toneladas, peso da plataforma, a 37 metros de altura, por macacos hidráulicos funcionando por sistemas eletrônicos automatizados. No dique seco do Estaleiro Atlântico Sul, onde já estão colocando o bloco inicial de 2.500 toneladas de aço da P-55, funcionam dois guindastes Goliaths, com capacidade de erguer 1,5 mil toneladas cada um. Os dois funcionaram juntos para erguer o bloco.

O dique seco de Rio Grande é considerado um dos maiores do mundo (a estrutura toda tem 430 mil metros2, tem 350 metros no cais do sul e 42 metros no cais norte) o principal tem 350 metros de comprimento e 17,1 metros de altura e 130 metros de largura, além de uma área capaz de comportar mais de cinco mil trabalhadores. Ele comporta a construção, reparos, conversão e docagem de duas plataformas ou dois navios petroleiros, paralelamente. O Polo Naval abrange cabines climatizadas para pintura, oficinas para processamento de aço, ambiente para montagem de equipamentos, sistemas de coleta e tratamento de efluentes, equipamento para movimentação de carga e dois cais de atracação destinadas ao serviço de acabamento.

O renascimento da indústria naval
A expressão é usada pelos dirigentes das entidades que representam as indústrias do setor e também por empresários e acionistas de estaleiros. Sérgio Leal, do SINAVAL considera que o renascimento começou em 1997, quando a Transpetro começou a contratar a construção de navios de apoio, que fazem a ligação das plataformas com a costa, de empresas nacionais. A construção de petroleiros não existia, o primeiro foi o João Cândido, produzido no EAS, em Pernambuco, e lançado com atraso. Foi motivo de gozação na mídia brasileira. Não consideravam ser possível estruturar uma indústria desse porte.

Afinal, para um país com 8,5 mil quilômetros de costa marítima, 63 mil quilômetros de hidrovias, onde apenas 13 mil são usados, que importância tem uma indústria naval? Isso não é uma lógica de quem pensa no país, mas de quem pretende vendê-lo baratinho. Também faz parte do mesmo pacote que dizia que a Petrobras não daria conta do pré-sal, que não conseguiria dinheiro para explorá-lo, mesmo sendo a empresa líder no mundo nos últimos oito anos na produção e exploração de petróleo em alto-mar. Existem 258 unidades flutuantes no mundo produzindo petróleo. A Petrobras tem 50 delas, algumas próprias outras contratadas. A indústria naval têm encomendas de 300 navios para os próximos anos. Além de quatro plataformas em construção e outros oito cascos encomendados.

O Programa de Qualificação Nacional, do Prominp, que incentiva a indústria de petróleo e gás, já formou quase 50 mil pessoas.

“- A política industrial para recuperação e consolidação da indústria de construção naval brasileira é um grande sucesso. O segmento registra intensa competição internacional. A força da construção naval resulta de geração de emprego e renda, formação de recursos humanos, inovação e desenvolvimento de tecnologias. A Petrobras realiza o maior programa de investimento em exploração e produção offshore do mundo”, registra um documento do sindicato dos estaleiros.

O Programa de Renovação da Frota da Transpetro (PROMEF) marcou o início da recuperação da indústria de construção naval. E as encomendas de petroleiros marcou a retomada da construção naval de grande porte. Até 2020, calculam os dirigentes das empresas, 100 mil pessoas trabalharão na indústria naval. Isso seria o equivalente de mão de obra da indústria automobilística. Até 2020, a indústria naval tem que dar conta de produzir 38 plataformas de produção, 49 navios petroleiros, 28 sondas de perfuração e 207 navios de apoio. Em junho, o segundo estaleiro da empresa Vard Promar será inaugurado em Pernambuco. Nos últimos nove anos, eles construíram 30 navios de apoio. Tem uma encomenda de oito navios gaseiros – transporte de gás liquefeito, gás de cozinha- para a Transpetro, uma encomenda de R$917 milhões.

Miro Arantes, presidente da Promar, diz que a curva de aprendizado de um estaleiro é de cinco a 10 anos. Eles treinaram 100 funcionários em Niterói, onde mantém outra planta, para trabalhar em Suape(PE), onde hoje trabalham 325 e no futuro serão 600, todos qualificados. O EAS, também em Suave está terminando o terceiro petroleiro – Dragão do Mar. A plataforma P-63 está para ser entregue pela Quip, que já começou a P-55.

O Brasil tenta se erguer no mercado mundial da indústria naval, onde oito mil navios estão em construção com liderança da China, com a Coreia do Sul em segundo lugar. A China conta com 4.179 navios, somando os de Hong Kong. O Japão tem 3.720 e a Alemanha 3.522. Os chineses e coreanos detém 67% do mercado de navios. Os mais de US$13 trilhões em trocas comerciais realizadas no mundo ocorrem por via marítima. São 67 mil navios andando de um lado ao outro do globo, muito mais no Hemisfério Norte. Cerca de 10 empresas controlam 60% desse tráfego e ditam os preços dos fretes, ou a taxa para usar o freezer do navio. 95% do comércio internacional do Brasil é via marítima, só internamente que o delírio rodoviário se mantém.

A maioria dos navios que transportam os produtos brasileiros é de bandeira estrangeira. A empresa dinamarquesa APM Maersk, com escritório em 125 países, incluindo o Brasil – tem um terminal em Itajaí, em Santos-, possui uma frota de 539 navios. O maior deles, o Triple-E tem capacidade para 18 mil contêineres de seis metros de comprimento. O casco possui 397 metros de comprimento e 56 metros de largura.

A Petrobras tem uma frota de 287 navios de apoio e até 2020 serão 568, quer queiram ou não queiram os urubus da mídia conservadora. E o Brasil, além de produzir commodities, soja, cana, carne e minério, vai vender no mercado internacional navios petroleiros, graneleiros, porta-contêineres, navios de apoio, navios de passageiros, rebocadores. Aliás, o que faz a Embraer pelos ares, vendendo aviões de porte médio para todo mundo, inclusive aos Estados Unidos, e vai construir jatos executivos na China.

Luis Nassif

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