A bizarrice das leis anti-nepotismo

Existem – devem existir, isso todos concordam – dois tipos de funcionários públicos: os concursados e os comissionados.
 
Os concursados são efetivos, prestaram concurso público, são cargos técnicos e seguem trabalhando, não importa que troque o governante, o juiz ou o parlamentar.
 
Os comissionados são temporários, ocupam o cargo a convite do governante (ou juiz, ou parlamentar), e vão embora com ele.
 
A verdadeira questão é: quantos e quais funcionários devem ser concursados e quantos e quais devem ser comissionados.

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Se o governante (juiz, parlamentar) pode (por lei ou regulamento) contratar 10 assessores comissionados, que diferença faz (para a moral e os bons costumes e também para o erário) se estes comissionados são primos, irmãos ou colegas de vôlei?
 
Ao meu ver, nenhuma. Faz diferença se eles trabalham (ou são pagos pelo Senado para estudar cinema na Espanha ou fazer entregas no China in Box), se são honestos, se são competentes para suas funções. A boa intenção dos que defendem as leis anti-nepotistas é “coibir excessos”, péssima função para uma lei.
 
Parece que no Brasil tudo precisa ser proibido ou obrigatório. Que tal usar o bom senso?
 
 A melhor maneira de coibir excessos é a transparência. Quantos assessores comissionados têm um senador, um juiz, um deputado estadual, um prefeito? Quem são? Quanto ganham? Onde trabalham? O que fazem? Como o cidadão pode saber disso? Os sites dos Senado, dos Ministérios, dos Tribunais, não deveriam disponibilizar todos estes dados?
 
Hoje o Ministro Cesar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, está dizendo o que eu escrevi há 11 anos (Na Folha, “Supremo diz que súmula do nepotismo não pode punir “honestos”): “Não se trata de afrouxar a regra, mas interpretá-la corretamente de modo a não prejudicar pessoas que estão fazendo o seu trabalho honestamente, cumprindo carga horária e o exercício de suas funções”.
 
 
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A constatação do óbvio, feita hoje pelo Ministro Peluso, terá que enfrentar o cinismo moralista em curso.
 
Mônica Bérgamo, na Folha de hoje, já antecipa alguns votos do Supremo:
 
“A decisão de Cezar Peluso, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) de rever a súmula que proíbe o nepotismo sofrerá resistência no tribunal. O vice-presidente Carlos Ayres Britto, por exemplo, encaminhará contra. Ele acredita que não é o momento apropriado para se analisar a questão, já que o próprio Peluso acaba de ser acusado de praticar nepotismo ao empregar um casal em sua equipe. Britto revelou a interlocutores que qualquer modificação na súmula soará como “afrouxamento” e “leniência” da Corte”.
 
Vamos ver se os Ministros do STF estão preocupados em saber como “soará” (na mídia) o seu trabalho, que é o de defender a Constituição.
 
O comentário de Lucia Hippolito, na CBN, dá o tom do que há de vir:
 
(a partir de 01:39): http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/lucia-hippolito/LUCIA-HIPP…
 
“Como o ministro Cesar Peluso contratou um casal e isso vazou para a imprensa, ele agora está querendo rever as leis sobre nepotismo exatamente para que não pegue este casal que ele contratou”. (…) “O problema é que o nepotismo no Brasil chegou a tal ponto, a tal exagero que foi preciso fazer uma regra muito rígida sim”. (…) “Sempre foi muito forte o nepotismo, o clientelismo, o favoritismo (sic) no Brasil. Então foi preciso criar uma lei muito rígida”. (…) “Ora, se o Ministro Cesar Peluso decide tomar esta atitude, você imagina o que não acontece lá no município mais distante do Brasil. Dirão: ‘Oba! Liberou! Se o Presidente do Supremo diz que pode então vamos começar a contratar a mulher, a cunhada, o genro, a amante, o pipoqueiro e por aí vai”. (…) “Se o Presidente do Supremo quer mexer na lei para atender a uma situação particularíssima que diz respeito apenas a ele e a um funcionário dele, você imagina o que não está pensando o juiz de direito lá de Turucu do Norte”.
 
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Comentários meus:

 

  1. “Vazou para a imprensa” não se usa mais, não faz mais sentido. Fora os dados criptografados do HD de Daniel Dantas, não há mais segredos. Tudo é público e quase tudo é fácil de descobrir, quase tudo está no Google.
  2. A acusação da jornalista, de que um Ministro do STF “está querendo rever as leis (…) para que não pegue este casal que ele contratou”, “quer mexer na lei para atender a uma situação particularíssima que diz respeito apenas a ele e a um funcionário dele” é muito grave. Lúcia Hipollito acusa o Ministro Peluso de “prevaricar”, crime praticado por funcionário público contra a administração em geral que consiste em retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. A pena prevista é de detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa. Art. 319 do Código Penal.
  3. Não há lei que proíba a contratação de amantes ou de pipoqueiros. Amante não é parente. Pipoqueiros também não.
  4. Turucu do Norte é uma cidade hipotética, eu acho.

 
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A excelente idéia de fazer concursos públicos para preencher cargos públicos foi do Imperador Tai-Tsung, que governou a China entre 626 e 649. Tai-Tsung foi o segundo e mais bem sucedido Imperador do período conhecido com “Plenitude Tang”, quando a China teve um extraordinário desenvolvimento. Quem conta é Larry Gonick: “Para equipar a administração com servidores públicos leais e educados, em vez de intrigantes filhos de senhores de guerra, Tai-Tsung introduziu exames públicos nacionais. Para obter um emprego no governo, era preciso passar por um teste padrão”.
 
Pra quem acha que o governo Lula foi o melhor da história, lembro que na Dinastia Tang (618-907), a China se tornou um império multicultural, abrigando turcos, coreanos, indianos, persas, árabes e judeus, e prosperando como nunca, em três séculos de paz. Neste período os chineses também fizeram a reforma agrária, inventaram o relógio, a porcelana, a bússola, vários instrumentos de astronomia e os primeiros livros impressos. Isso é que é governo!
 
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Sobre a Dinastia Tang:
 
A História do Mundo em Quadrinhos, de Larry Gonick.
http://www.editorajaboticaba.com.br/livro.asp?cod=22
 
Na Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dinastia_Tang

Texto completo em:

http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/bizarrice-das-leis-anti-nepotistas

 

Luis Nassif

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