Condenação do povo brasileiro, por Jorge Folena

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Condenação do povo brasileiro

por Jorge Folena

No dia 24 de janeiro de 2018 o presidente Lula foi julgado e condenado, em segunda instância, por três juízes da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal, sediado em Porto Alegre.

O julgamento ratificou a condenação primitiva, baseada no “ouvir dizer” e em “boatos”, sem conseguir demonstrar que o “triplex” do Guarujá, da Empresa OAS, seja de propriedade de Lula ou que fosse mesmo destinado ao ex-presidente.

Até o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, em 2012, era princípio de direito penal que ninguém poderia ser julgado por presunção ou condenado na existência de dúvida, por menor que fosse. Até ali, era dever do Estado, autor da acusação, comprovar o fato delituoso e sua autoria, sendo rejeitada qualquer denúncia lastreada em meras convicções pessoais, como se tem visto no Brasil nos últimos anos.

Desde o “mensalão”, no Brasil também se passou a condenar as pessoas mediante a utilização de uma teoria (aplicada depois da segunda guerra mundial contra os crimes praticados pelo nazismo), intitulada de  “domínio do fato”, em que o juiz imagina e presume que o acusado é o “chefe” de uma organização criminosa e permite que a Promotoria promova sua acusação sem a comprovação dos delitos imputados ao réu.

Porém, estas exceções aos princípios e garantias fundamentais somente têm sido empregadas contra um lado da política brasileira, os considerados vermelhos. Políticos de outras colorações, como azul, amarelo e verde, têm recebido tratamento privilegiado e, apesar de muitas vezes haver provas peremptórias contra eles (como gravações, descobertas de depósitos no exterior e malas repletas de dinheiro), os mesmos não são julgados com rapidez e com frequência seus delitos são declarados prescritos, a exemplo do que foi anunciado no exato dia do julgamento de Lula, em relação a um senador (cujo partido exibe as cores azul e amarelo), que teve declarada em seu favor a extinção de punibilidade, em decorrência da prescrição dos delitos por ele cometidos, conforme requerimento pessoal da Procuradora Geral da República.

Tais acontecimentos, em que promotores de justiça e julgadores são duríssimos com uns e boníssimos com outros, fazem-me recordar a obra “Coronelismo, Enxada e Voto  no Brasil”, do jurista Vitor Nunes Leal, que descreve a característica mais marcante do patrimonialismo brasileiro, assentado no “filhotismo” e no “compadrio”, pelos quais autoridades judiciais e policiais (indicadas ou próximas dos donos do poder no Brasil) dão aos seus inimigos políticos o rigor mais duro e cruel da lei, enquanto tudo permitem aos amigos e lhes dão proteção, como se tem visto ocorrer com diversos políticos, apoiadores ou muito próximos do atual governo, instalado no poder depois de maio de 2016.

Por outro lado, esse mesmo judiciário tem sido duro demais para com outros, em especial o povo pobre da periferia e das favelas, que constituem a imensa maioria dos que estão presos nas masmorras infectas que chamam de presídios.

Para escárnio geral do povo brasileiro, no dia 24 de janeiro, enquanto se julgava Lula em Porto Alegre, ocorreram três fatos que representam a ratificação da condenação definitiva do povo brasileiro, imposta por sua elite colonial.

Primeiro fato: foi divulgada pela BBC Brasil uma entrevista com a procuradora geral da República, em que S. Exa. afirmou que o país vive um período de plena normalidade democrática; o que não corresponde à verdade, na medida em que os direitos humanos – que cabe a ela defender – estão sendo violentados pelo atual governo, que congelou os investimentos em saúde, ciência e tecnologia por 20 anos. Com isto, agravam-se os problemas de saúde, inclusive favorecendo o retorno de doenças como a febre amarela, em pleno século XXI; idosos ficam desamparados e crianças e jovens não têm escolas públicas nem universidades para estudar. Que democracia é esta, que não atende aos direitos mínimos de sobrevivência da população?

Segundo fato: o presidente da Câmara dos Deputados, no exercício da presidência da República, compareceu no dia 24 ao Supremo Tribunal Federal para acertar com sua presidenta os ajustes jurídicos finais para levar à votação a reforma da previdência, cujo objetivo é retirar mais direitos dos trabalhadores, a exemplo do que ocorreu com a reforma trabalhista, que, ao contrário do alegado em sua justificação, não apenas não gerou novos postos de trabalho como fez reduzir as contratações formais, conforme divulgado pelo IBGE.

Terceiro fato: na mesma data, Temer compareceu ao fórum mundial em Davos, na Suíça, para prestar contas ao mercado financeiro das reformas efetuadas contra o povo brasileiro, que se vê cada vez mais condenado à escravidão perpétua.

Por isso, o dia 24 de janeiro de 2018 ficará registrado na história como um dia de luto, no qual a elite brasileira cometeu seu mais perverso atentado contra o Brasil, o povo e as verdadeiras lideranças populares. Uma data de triste memória, mas que representa bem o Brasil do “filhotismo”, descrito por Vitor Nunes Leal, com todas as instituições infestadas pelos “filhotes da ditadura”,  como afirmava Leonel Brizola.

Jorge Folena – Advogado e cientista político

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. Hegemonia Inviável e Destruição Destrutiva

    A reorganização do estado e da institucionalidade brasileiras é imperiosa, inevitável e urgente, mas deve ser uma pauta aberta, transparente e de longo alcance, conduzida pelas lideranças políticas estaduais e nacionais. É compreensível uma tendência a recordações e comparações com 1964, ante os traumas do regime militar. Tempo e temperatura geopolíticas de hoje porém não são comparáveis, a escala do que está em curso é recorde e não uma recordação, milagre econômico será sustentar o dólar como divisa e passamos de 200 milhões de pessoas. A imagem de um dragão ferido, sugerida pelo professor Aleksandr Dugin, pode ser útil. Ele próprio parece ter preferido fulminar o que fosse necessário do passado, para pensar geopolítica. Evocações da destruição criativa e simplificações de esquerda e direita tendem a dificultar a interpretação do quadro geopolítico e estratégico, fundamental para a discussão de uma arquitetura constitucional que possa oferecer às próximas gerações o direito de pisar um solo nacional e de não viver como alienígena na própria terra.

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