O que Pazuello falou à CPI sobre cloroquina, Pfizer, Coronavac, Bolsonaro, gabinete paralelo

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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"Em nenhum momento o presidente me orientou ou encaminhou para fazer nada diferente do que eu estava fazendo", afirma o ex-ministro

Jornal GGN – Sem as vestes verde-oliva, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, chegou à sessão da CPI da Covid, na manhã desta quarta (19), preparado para uma difícil missão: responder aos questionamentos dos senadores evitando se auto-incriminar e, ao mesmo, sem comprometer o presidente da República, Jair Bolsonaro, pela gestão desastrosa da pandemia do novo coronavírus, que já tirou a vida de mais de 439 mil brasileiros até aqui.

Na primeira parte das perguntas do relator, o senador Renan Calheiros, Pazuello afirmou que tinha total autonomia e não recebeu nenhuma ordem de Bolsonaro para deixar de comprar qualquer vacina contra Covid-19. Citando o Conselho Federal de Medicana, ele defendeu a autonomia médica e a nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde para uso da hidroxicloroquina em “doses seguras e não na fase aguda” da doença. Ele também negou participação de Carlos Bolsonaro em reuniões sobre a pandemia ou a existência de um gabinete paralelo.

Ao mesmo tempo em que disse que tinha todo o poder necessário para cuidar da gestão da pandemia, Pazuellou atribuiu a responsabilidade pela falta de testagem em massa, decisões sobre restrições de serviços não essenciais e outros problemas na pandemia aos governadores e prefeitos. Ele também deu uma pirueta para explicar o dia em que foi desautorizado por Bolsonaro na assinatura de um protocolo de intenção de compra da Coronavac, a vacina do Butantan com a chinesa Sinovac.

Em outro ponto polêmico, o general negou reiteradamente que tenha deixado a Pfizer sem respostas sobre as ofertas de 70 milhões de doses de vacinas contra Covid, mas foi pego informando equivocadamente que o Tribunal de Contas da União teria emitido parecer contrário à compra das vacinas por causa das “cláusulas leoninas”.

Pazuello ainda admitiu que negociou menos vacina do que poderia, via consórcio Covax Facility, porque achou os preços muito caros. Com isso, em vez de comprar vacinas para 40% da população, ele adquiriu para apenas 10%. Ele também afirmou que tinha responsabilidade pelas ações da pandemia voltadas à Saúde. Mas a resposta à crise demandava outras ações, e cada ministério tinha autonomia para planejar e executar. “Era uma orquestra”, disse.

Confira alguns trechos abaixo:

ORDENS DE BOLSONARO/AUTONOMIA

“Em hipótese alguma. O presidente nunca me deu ordens direta para nada. Acredito que a relação com o presidente poderia ser maior ainda, mas os cargos são complicados, as agendas são complicadas, e eu o via a cada duas semanas. Se eu pudesse voltar atrás, eu iria mais vezes atrás do presidente para conversar.”

“Ele nunca me trouxe nenhuma restrição. Nas conversas com presidente não havia discussão de ‘desconvergência’ nenhuma.
Em nenhum momento o presidente me orientou ou encaminhou para fazer nada diferente do que eu estava fazendo. As minhas posições como ministros e as minhas ações nunca forma contrapostas pelo presidente.”

GABINETE PARALELO

“Para colocar uma pedra nesse assunto: o presidente sempre disse que as decisões da pandemia eram do Ministério da Saúde. Nunca, nenhuma vez, eu fui chamado pelo presidente para ser orientado diferente por causa de conselhos externos. Isso não significa que o presidente não ouça outras pessoas. Mas trazer uma orientação contrária à posição do Ministério da Saúde ou da minha, nunca houve.

FILHOS DE BOLSONARO

“Da mesma forma que eu esparava poder falar mais com o presidente, eu esperava que pudesse falar mais com o Flávio, o Carlos, o Eduardo. Não havia ali uma influência dos três filhos do presidente. Eu achava que iria encontrar mais com eles, mas não houve isso. A pandemia nos consumia o dia inteiro. Muito pouco encontro, poderia ter havido mais.”

CLOROQUINA

“Não, esse tal conselho [paralelo] nunca me assessorou ou me sugeriu nenhum tipo de orientação a ser feita pelo Ministério da Saúde. Quanto à utilização da hidroxicloroquina, é simples. O Brasil usa cloroquina há 70 anos. A cloroquina é um anti-viral [foi corrido por um senador médico] e anti-inflamatório conhecido. Em 2016, na crise do zika vírus, ela foi utilizada e colocada como protocolo do MS em altas doses, isso para grávidas. Quando a pandemia começou no mundo, nós estamos com internet, estamos ligados. Os médicos observaram que vários países, de forma off-label, usaram cloroquina. Estamos falando de 29 países que têm protocolos de uso de cloroquina no mundo contra Covid hoje. China, Coreia do Sul e Cuba, mundialmente conhecida pela medicina avançada, tem um protocolo enorme para uso de cloroquina para Covid. A India tem, México, Republica Tcheca, Venezuela, todos com protocolos atual, de hoje, para uso de cloroquina. Nao é dificil entender um médico olhar para a cloroquina sendo usada no mundo e dizer ‘acho que tem que se observador isso’, como uso off-label, fora da bula.

“O MS emitiu nota técnica orientando o uso na fase grave [da covid], com doses altas. Foi feito na gestão do ministro Mandetta, que é médico. Em abril, eu estava em Manaus. Em final de março e começo de abril, fizeram o famigerado estudo da cloroquina em Manaus em fase aguda e tiveram 20 mortos. Foi um escândalo. Esse estudo foi conduzido pelo MS e a Fiocruz. Foi nesse momento que cheguei no MS. Os médicos estavam usando off-label. Tinha uma nota técnica para usar na fase em que estava morrendo gente. Nós precisavamos fazer uma coisa. Mas eu não podia fazer protocolos, nem terminação. Eu podia fazer orientação e informação. Então redigimos uma nota técnica. Naquele momento precisávamos dar um freio de arrumação para não deixar as pessoas caminharem para outro lado.”

“O ponto fulcral: nós fizemos a nota técnica informativa, seguindo o Conselho Federal de Medicina, que deu autonomia aos médicos para utilizar tais medicamentos de forma off-label, e nós, seguindo o Conselho, escrevemos: médico, se você resolver prescrever os medicamentos off-label, atenção para a dosagem da segurança e, atenção, não usem na fase final, porque a fase final [da doença] que não é a melhor forma de usar. Senhores, era o mínimo que eu poderia fazer, se não eu estaria prevaricando. O que o MS fez foi só isso, dizendo de forma clara que a prescrição é do médico.”

“Essa calça não veste em mim, eu não acho que tem que ser distribuido medicamento A, B ou C sem prescrição médica. Eu mandava não fazer, não distribuir, mesmo que você ache que essa seja a solução. O que tem que haver é a disponbilidade de medicamento. Ele tem que estar disponível para o médico prescrever.”

PFIZER

A prospecção da Pfizer junto ao governo começou em abril e maio. A empresa não topava a discussão da transferência da tecnologia conosco, era ‘porteira fechada’, não tinha transferência de tecnologia. Isso caminhou até maio e junho. Quando tivemos a primeira proposta oficial da Pfizer [agosto de 2020], que é o memorando de entendimento, esse memorando dava as quantidades de 1,5 milhão de doses em 2020, sem data, e o restante, 18 milhões de doses até o primeiro semestre de 2021, totalizandp 70 milhões até o final de 2021. Quando esse memorando chegou, ele chegou com 5 cláusulas assustadoras naquele momento. A gente estava tratando da encomenda tecnologica de vacina de Oxford, e da Covax Facility para 42 milhões. E a Pfizer nos colocando 18 milhões no primeiro semestre e cinco cláusulas complicadíssimas. Vou citar: exigência de ativos e fundos brasileiros no exterior, isenção completa da responsabilidade deles por efeitos colaterais, fórum das ações em Nova York, pagamento adiantado, assinatura do presidente da República no contrato, coisa que não existe na nossa legislação, e não existir multas quanto ao atraso de entregas. Na primeira vez que ouvi isso, achei muito estranho. A Pfizer trouxe a 10 dólares a dose, e nós estávamos negociado outras por 3 dólares a dose. Uma vacina 3 vezes mais cara, com todas essas cláusulas e quantitativos que eram, ao meu ver, muito inferiores ao que estávamos negociando [com outras], além da logística de 80 graus negativos e a entrega aos estados sob nossa responsabilidade – nas primeiras conversas, não havia essa história de caixa, não havia nada, o problemas de armazenamento era nosso. Essas primeiras conversas foram até setembro e outubro de 2020. E ela precisava da autorização da FDA e da OMS para entregar a vacina. No final de novembro de 2020, nós pedimos para a Pfizer refazer seu memorando de entendimento. Queríamos forçar um processo decisório. No começo de dezembro, ela manda memorando de entendimento atualizado. Coloca que vamos para 8 milhões de doses no primeiro semestre de 2021 e 62 milhões no segundo semestre. Totalizando 70 milhões de doses. Senhores, essa proposta, apesar de eu achar de pouquissima quantidade, nós seguimos em frente, vamos assinar. Mandamos para os órgãos de controlçe. A resposta foi ‘não assessoramento positivamente’, ‘não deve ser assinado’. TCU, AGU, CGU, todos os órgãos de controle. Não deve ser assinado [Pazuello foi desmentido pelos senadores depois]. E nós assinamos, porque se nós nao assinassemos, a Pfizer não entraria com o pedido de registro na Anvisa. Isso em dezembro. Na sequência, levamos o problema para nível de governo federal, o Palácio do Planalto. Ainda no início de dezembro, começaram a discutir a legislação com a base na votação da MP 1.003. Um deputado fez uma emenda colocando essas cláusulas para autorizar a compra [mas foi rejeitada].”

(…) Nós tivemos 20 respostas para a Pfizer. (…) Eu tenho todas as respostas aqui. Eu respondi. (…) Eu sou o dirigente máximo do MS, eu sou decisor. Eu não negocio com empresa. Quem negocia é o administrativo. Um ministro não pode receber empresas nem fazer negociação. Eu recebo o presidente da Pfizer socialmente com a equipe de administração.”

O presidente Bolsonaro era informado o tempo todo das minhas conduções, quando ia despachar com ele, durante todo o processo, e eu informava como estavam as negociações, inclusive a da PFizer.

CORONAVAC/BUTANTAN

“Vou contextualizar. No começo de outubro de 2020, eu já tinha assinado a carta de intenção de compra de 46 milhões de doses com Butantan. Não era contrato ainda. As condições legais para compra só chegaram em janeiro, com uma Medida Provisória. Não havia condições de fazer contrato. Vinhamos negociando com Butantan e fechamos a carta de intenções. Coloquei isso para os governadores. Naquele momento, houve um vídeo do governador de SP e esse vídeo era uma posição política do governador [cobrando que Bolsonaro comprasse as vacinas do Butantan]. E isso causou uma reação na discussão. Naquele momento eu estava com Covid, no segundo ou terceiro dia, e o presidente foi me visitar. Quando ele chegou na visita, a discussão era que a internet estava bombando, questionando quem manda em quem, e no jorgão militar, nós dissemos que ‘um manda e outro obedece’. Um jargão simplório, colocado para internet. Nunca o presidente mandou eu desfazer qualquer contrato com Butantan, nenhuma vez. O presidente fala como chefe de Estado, mas fala também como agente político. Quando ele recebe uma posição de um agente político de São Paulo, ele se posiciona como agente político, mas a posição de agente político dele não interferiu em nada com relação ao Butantan. Essa é a realidade.”

“Bolsonaro nunca falou que eu não comprasse um ‘ai’ do Butantan. Ele falou publicamente, nunca para mim. Até porque eu não tinha condições de comprar nada. Não foi interrompido nada no MS, até porque não havia ordem [de compra]. Não havia compra, não havia contrato, só havia termo de intenção de compra, e foi mantido. (…) Uma postagem na internet não é uma ordem; uma ordem é uma ordem direta, verbal ou escrita, e ela nunca foi dada.”

COVAX FACILITY

A negociação começou nebulosa, não havia prazo, eram 40 dólares a dose da vacina, não havia garantia de fornecimento. Naquele momento, o que nos preocupava era assumir um grau de recurso [despesa] altíssimo sem garantia de entrega do laboratório. Era um consórcio e, dependendo do desenvolvimento, faria a entrga. Fechamos 42 milhões de doses [que representa vacinas para 10% da população, sendo que o Consórcio ofereceu vacinas para 40% da população]. Era o máximo que eu poderia fazer, no risco que estava incluido ali dentro. Estar presente no consórcio era o mais importante.

Continue acompanhando a CPI da Covid pela TVGGN.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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