A importância de separar MST e MTST do radicais de esquerda, por Luis Nassif

Nos últimos anos, os movimentos criaram duas tecnologias sociais fantásticas, brasileiras, para o enfrentamento de problemas com a terra e com a moradia, o MST e o MTST. Certamente terão papel central na formulação das políticas sociais de um futuro governo Lula.

Períodos de polarização, por definição, induzem ao radicalismo. Propostas ou discursos radicais têm público, criam seguidores, especialmente quando se monta uma frente ampla em torno de objetivos únicos – como o combate ao bolsonarismo.

Nesse quadro, é mais fácil a identificação e definição de limites e pactos com os novos aliados, mesmo provenientes da centro-direita, do que com a esquerda radical. Mesmo porque é fluida a distância entre um radical e um provocador, em geral, e sua identificação depende muito do fator tempo. E o efeito político é o mesmo, sendo um radical sincero ou um quinta coluna.

É o caso do golpe contra João Goulart. A principal arma da direita era a radicalização do discurso de aliados radicais de Jango. No comício da Central, peça final do golpe, os dois discursos mais radicais foram do Cabo Anselmo, representando sargentos e cabos do Exército, e José Serra, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). 

A lógica da radicalização é simples. Um grupo radicaliza o discurso visando ganhar autonomia e espaço político. Depois, monta as alianças mais favoráveis ao seu fortalecimento – não necessariamente ao seu ideário radical. É o caso do MR 8, o primeiro grupo radical a emergir com a democratização, que acabou se tornando um braço de Orestes Quércia. Ou do PSOL, que surgiu como uma dissidência do PT. Ou, antes deles, os discursos radicais do Sindicato dos Metalúrgicos contra a ditadura que abriram espaço para a construção posterior do PT.

Hoje em dia, esse radicalismo está muito presente em Paulo Galo, líder dos entregadores antifascistas, e no PCO (Partido da Causa Operária) .

O caso Paulo Galo

Galo é muito articulado, como demonstrou em entrevista aos Jornalistas Livres. E passou a praticar a retórica do golpe de esquerda. “Depois que o Lula ganhar, tem que fazer a rua ferver, sem medo de ser chamado de golpista”, disse em live recente.

Preso, por botar fogo na estátua de Borba Gato, foi defendido pelo PSOL

Dias atrás, Galo virou o fio em um ataque baixo ao presidente do PSOL.

E aí, emergem uma indagação e uma certeza.

A indagação é sobre os motivos que levam uma liderança emergente de esquerda a atacar, com tal virulência, uma liderança consolidada de esquerda. Provavelmente, tentativa de criar um espaço político mais à esquerda, mas sem discernimento sobre as regras de convivência democrática.

O PSOL surgiu como reação ao acomodamento do PT, praticando uma retórica à esquerda e crítica ao próprio PT. Desde o início, seu objetivo era o de ocupar um espaço à esquerda do PT, mas dentro na disputa política tradicional. Ganhou musculatura como partido político, institucionalizou-se, tem seus defeitos e virtudes. Mas tem a maturidade suficiente para entender os objetivos maiores, de vencer o fascismo no país.

E Galo? Foi pioneiro na organização dos entregadores, tem boa formação e informação sobre os movimentos radicais de esquerda pelo mundo. E, como seguidor desses movimentos, vale-se da disputa política convencional apenas como instrumento para uma futura “luta revolucionária”, que pode mostrar falta de senso ou, no mínimo, um passo prévio para ganhar musculatura e encontrar um Orestes Quércia de padrinho.

Sua lógica, definitivamente, não é a lógica democrática. Sua retórica é a da destruição dos adversários, seja a direita fascista, seja a esquerda não revolucionária.

Radical ou provocador? Os adversários começam a chamá-lo de novo Cabo Anselmo. Provavelmente, por enquanto é apenas um radical, imaturo, porém sincero. Mas o efeito político é o mesmo.

O caso PCO

O Partido da Causa Operária é outro seguidor intenso da radicalização política. No grande comício da Paulista, que marcou o início do grande pacto nacional contra Bolsonaro, seus militantes atacaram fisicamente seguidores de Ciro Gomes e do PSDB.

Imediatamente tornou-se chamada em todos os veículos de ultradireita – da Gazeta do Povo e Revista D’Oeste à República de Curitiba – e de jornais historicamente inimigos do PT, como O Globo.

Não ficou nisso. Seu presidente, Rui Costa Pimenta, passou a acusar Guilherme Boulos de ser “financiado pela CIA”, por ter aceitado ser professor em um sistema de ensino online do advogado Walfrido Warde  – que, para outros cursos, convidou o general da reserva Sérgio Etchegoyen e o Ministro da Justiça de Temer, Raul Jungmann. Em vez de entender o curso como um espaço de mediação, passou a tratá-lo como instrumento da CIA.

Não é a primeira afirmação polêmica de Rui Costa Pimenta. Suas opiniões não seguem uma cartilha ortodoxa de esquerda. Representam muito mais um método Rui Costa Pimenta de pensar, do que uma plataforma de partido, desenvolvida de forma coletiva. 

Em muitos pontos, lembra Olavo de Carvalho, pelo trabalho escoteiro, pelas opiniões próprias e por posições em relação às milícias populares – na época em que Pimenta defendeu a formação de milícias populares, Olavo era o único influenciador que defendia essa tese. O que comprova que as teses radicais acabam se igualando, independentemente da posição política autoproclamada do radical.

Candidato a presidente em 2014, antes do fenômeno Bolsonaro, Pimenta defendeu armar as pessoas e a criação de milícias populares para combater o crime no país. Defendeu também a criação de um Imposto Único. E explicou: “Não temos nenhum cálculo nesse sentido, mas precisaria ser baseada em pesquisa estatística; demográfica e de renda”, o que não quer dizer nada. Depois, defendeu o voto nulo no 2o turno das eleições de 2014.

No episódio de Galo com a estátua de Borba Gato, Pimenta saiu em defesa dos bandeirantes, reconhecendo seu papel como “instrumento do progresso nacional”. “Eles foram instrumentos do progresso econômico nacional e abriram o caminho para a construção do Brasil. Se o Brasil fosse dividido em cinco países, a América Latina seria muito mais oprimida do que hoje. O Brasil é um estorvo na dominação política, assim como a Índia e a China”, completou. É uma análise interessante, mas curiosa, partindo de um radical de esquerda.

Recentemente, no episódio Monark – que defendeu a legalização de partidos nazistas – Pimenta levantou uma tese polêmica sobre o uso do holocausto por um lobby judaico.  “Na linha de frente apareceu o lobby israelense. Tiraram da maleta o seu patrimônio de sofrimento, que é o holocausto nazista. Uma vez que você sofreu algo desse tipo, justifica tudo até o fim dos tempos, serve pra encobrir todo tipo de picaretagem. Esse lobby é um dos mais poderosos do mundo capitalista, um dos maiores de todos. Dizem, inclusive, que nenhum presidente norte americano é eleito se não tiver a aprovação desse lobby. Não é um lobby de gente pobre, não é o cidadão que está no campo de concentração. É um lobby de milionários, de bilionários, de gente muito rica. É um lobby que apoia o Estado de Israel”.

A afirmação mereceu crítica de alguns dos principais adversários da direita de Israel, os “Judeus Pela Democracia”.

Mais curiosamente ainda – partindo de quem comandou agressões contra outros partidos no encontro da Paulista – fez afirmação de bom senso em relação à cultura do cancelamento, aplicada contra o influenciador Monark – que, pouco antes, o havia convidado para seu podcast, com 3,6 milhões de seguidores. Acusou    a “nova esquerda” de “enveredar cada vez mais pela direita”, usando armas que, depois, se voltarão contra a própria esquerda.

Recentemente, bateu pesado contra portais de esquerda, em nível próximo ao de Galo, em represália às críticas recebidas.

Cada um no seu galho

O arco democrático comporta um leque amplo de grupos políticos.

Nos últimos anos, os movimentos criaram duas tecnologias sociais fantásticas, brasileiras, para o enfrentamento de problemas com a terra e com a moradia, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) e o Movimentos do Trabalhadores sem Teto (MTST). Certamente terão papel central na formulação das políticas sociais de um futuro governo Lula.

Durante a campanha, serão alvos de críticas maliciosas da mídia e dos adversários políticos, tentando caracterizá-los como radicais fora da lei. Daí a relevância de uma definição clara sobre o papel de cada grupo no grande pacto nacional.

Em um mercado de opinião contaminado por fake news das redes e da mídia, isolar Galo e o PCO significará preservar o grande legado do MST e do MTST.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Com referência ao PCO, Boulos e o IREE, judeus, et al, a matéria parece estar mal informada. Nassif por que ao invés de falar ‘do’ Rui, você não fala ‘com’ o Rui? Convida ele para uma entrevista, mas, na ocasião, não tenha pressa em encerrar o evento. Informe-se!

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