Peru: medo de ‘golpe’ no 1º mês de Castillo

Não foram necessários nem 30 dias para que o presidente peruano Pedro Castillo sentisse na pele os efeitos de ter vencido a mais polarizada eleição da história do país

Foto: Divulgação

Peru: queda de chanceler e medo de ‘golpe’ no 1º mês de Castillo

Do Giro Latino

Não foram necessários nem 30 dias para que o presidente peruano Pedro Castillo sentisse na pele os efeitos de ter vencido a mais polarizada eleição da história do país. Ainda que o novo governo (que, por si só, já foi precedido por uma incomparável crise institucional, contada neste vídeo) complete neste sábado (28) apenas um mês vida, as crises já se amontoam: durante a semana, os ministros escolhidos por Castillo se apresentaram diante do Congresso (dominado pela oposição) para pedir um voto de confiança, no que é considerado o primeiro teste de fogo da nova administração. 

Na prática, os integrantes do gabinete precisavam ser aprovados pelo Legislativo, que, no caso peruano, tem muito mais poder sobre o Executivo, o que inclusive leva o país a destituir presidentes em série, algo impensável até mesmo para os padrões latino-americanos. O novo presidente se recusava a seguir as sugestões dos deputados adversários, o que levou os 19 membros que formam seu governo a uma sabatina diante do Congresso, esperando receber o chamado voto de confiança – que, conforme a lei, deve acontecer em até 30 dias após qualquer nomeação. 

Apesar do pessimismo entre governistas, o voto veio: por 76 a 50, o Congresso avalizou o grupo escolhido por Castillo, dando um inesperado respiro a um governo que teve mais problemas que soluções até aqui. E foi um respiro importante: segundo a Constituição, caso os parlamentares negassem o voto de confiança, Castillo se veria obrigado a nomear outro primeiro-ministro e a reformular todo seu gabinete. O cenário poderia ser ainda pior caso o voto fosse negado duas vezes: a partir daí, como já aconteceu em outras oportunidades, passaria a haver base legal para que o presidente dissolvesse o Congresso unicameral e convocasse novas eleições parlamentares – foi o que aconteceu com o ex-presidente Martín Vizcarra (2018-2020), no que se tornou uma crise ainda maior quando o novo Parlamento respondeu à dissolução da legislatura anterior… afastando o próprio Vizcarra tão logo surgiu uma boa oportunidade (entenda esse outro episódio aqui). 

A fogueira política peruana, no entanto, ainda não baixou. Para tornar tudo ainda mais incerto, ela vem acompanhada de uma queda do PIB de 11% em 2020, além da tragédia humanitária deixada pela pandemia – o país é aquele com mais mortes proporcionais no mundo, e um a cada 170 peruanos pereceu para a covid-19. Além disso, o primeiro mês de Castillo no poder ainda tem números modestos de vacinação para o padrão regional: até aqui, só 23% da população recebeu duas doses, o que deixa o Peru na 13º posição entre os 21 locais que acompanhamos. Mas não é com isso que se preocupam os adversários do governo, que ainda têm outro nome na mira: o do primeiro-ministro Guido Bellido, que agora teve seu gabinete aprovado pelo Congresso. Considerado um dos nomes mais radicais do clã designado pelo líder socialista, Bellido teve a nomeação massivamente contestada por diversos setores do país, incluindo outros ministros mais moderados que ameaçaram desistir de participar do governo por sua causa. 

No auge da controvérsia envolvendo sua nomeação, o engenheiro se tornou alvo de uma investigação por parte do Ministério Público; ele e outros membros do governista Perú Libre são acusados de terrorismo por supostas ligações com a guerrilha Sendero Luminoso, protagonista de massacres nos anos 80 e 90. O próprio Pedro Castillo chegou a ser acusado de relações com o grupo armado, ainda que em tentativas desesperadas dos conservadores de associar o professor ao “perigo comunista”. No caso de Castillo, porém,  a paranoia chegou a passar – ele inclusive fez frente ao Sendero no papel de rondero, uma espécie de vigia rural contra as ações de criminosos e da guerrilha. Mas não é possível dizer o mesmo para outros membros de seu governo. 

Além de Bellido, que a oposição quer tentar arrancar de lá a todo custo, há também Vladimir Cerrón, líder do partido, que precisou dar lugar a Castillo na corrida pela presidência por responder a processos por terrorismo e lavagem de dinheiro. Cerrón, que chegou a ser mantido como vice-presidente da chapa até ser inabilitado pela Justiça Eleitoral, também é criticado por falas machistas e por representar uma ala extremamente antiquada e conservadora da esquerda. Mesmo assim, o episódio que causou mais destaque até aqui foi o de Héctor Béjar, 85, que renunciou no dia 17 após menos de três semanas no cargo de ministro das Relações Exteriores. O sociólogo e ex-guerrilheiro foi substituído por Óscar Maúrtua – um diplomata de carreira sem vínculos com a esquerda armada e que já havia sido chanceler há 15 anos – após dizer em uma entrevista feita antes de sua nomeação que “o terrorismo no Peru foi iniciado pela Marinha” e que o Sendero Luminoso era uma “obra da CIA e de seus serviços de inteligência”. 

A frase serviu de cartucho para boa parte da imprensa local e dos opositores à direita, que esperavam uma brecha para atacar o novo governo. A própria Marinha emitiu um comunicado pedindo que Béjar retificasse sua declaração. Por outro lado, apoiadores de Béjar acusaram jornais de fazer campanha midiática e de tirarem frases de contexto. O ex-chanceler, porém, caiu atirando: em nova entrevista, disse que os tropeços do governo durante o último mês seriam “o início de um golpe brando” em andamento contra a gestão de esquerda. Ainda que, no caso peruano, ao contrário do que se vê no continente, nem seja preciso ostentar ideias à esquerda para o governo balançar.

Redação

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