Nelson Teich e o bolsonarismo como opção moral, por Luis Nassif

Nem de longe conseguirá utilizar a maior arma de seu antecessor: o discurso de união e solidariedade. Falta-lhe o essencial: a alma.

Duas informações sobre o novo Ministro da Saúde Nelson Teich definem de forma irreversível seu caráter.

A primeira, o vídeo onde, friamente, coloca a opção na mesa: se tiver que escolher entre um doente idoso e um jovem, escolha o jovem. As palavras definem a pessoa. Poderia ter temperado sua frieza com ressalvas sobre a importância da vida de ambos, sobre a inevitabilidade da escassez de recursos, sobre o reconhecimento da importância dos idosos. Mas, não, foi um pá-pum: os recursos são escassos, não dá para tratar dos dois, então sacrifique o idoso.

A segunda foi um desabafo do Facebook da filha de uma antiga paciente de Teich, divulgado pelo DCM. A mãe agonizante, ela pede que Teich a atenda e ele, friamente, diz que o caso não tem jeito e deixa a mãe agonizando no corredor.

Não se trata apenas de um comportamento individual, mas de uma marca coletiva do bolsonarismo: a incapacidade de abrir uma brecha, ainda que mínima, à solidariedade, de entender a dor do próximo.

É do mesmo padrão das declarações do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), e do Ministro da Justiça Sérgio Moro, sobre a redução do encarceramento. Poderiam preparar o terreno da declaração mais dura – ninguém pode ser solto! -, com justificativas sobre a dificuldade de analisar casos leves de casos graves, a compreensão sobre as presas, mães de crianças pequenas. Mas, não: é mirar na cabecinha dos sentimentos e executá-la com frieza.

Esse tipo de comportamento é o que de pior emergiu dos porões da sociedade brasileira com anos e anos de discurso de ódio até explodir na sua definição mais explícita, o bolsonarismo. A opção pelo bolsonarismo deixou de ser política, e se tornou  questão moral, um teste rápido de caráter das pessoas.

No começo, poder-se-ia atribuir o apoio a Bolsonaro à ignorância e ao profundo antipetismo inculcado na população por anos de cobertura midiática enviezada, aprofundado pela irresponsabilidade política de lideranças como Fernando Henrique Cardoso ou do Ministro Luis Roberto Barroso – para quem, a erradicação do petismo abriria o caminho para um novo Iluminismo.

Mas houve um profundo desequilíbrio moral no apoio que recebeu daqueles que sabiam, ou passaram a saber, que era machista, homofóbico, defensor da tortura, da morte, tinha ligações com as milícias, com o submundo, era suspeito de envolvimento em atentados durante a ditadura e tinha ligações com os principais suspeitos do assassinato de Marielle Franco.

Depois que o perfil de Bolsonaro se tornou público, a divisão moral ficou nítida. A ponto de Mandetta, tão explicitamente bolsonarista antes, a ponto de convalidar o fim do Mais Médicos, os cortes na Saúde, tornar-se repentinamente um arauto da racionalidade.  O apoio ficou concentrado na parcela mais imoral de seus apoiadores. No campo empresarial, pessoas lúgubres como Luciano Hang ou Junior Dursk, da Madero, que iniciou sua vida empresarial como garimpeiro, madeireiro.  No campo político, a figuras deploráveis como Osmar Terra e Onyx Lorenzoni, além do hospício dos terraplanistas.

Não é pouca coisa. É essa a métrica moral que distingue a civilização da barbárie. E é nesse campo que se coloca o novo Ministro Teich, com sua frieza imoral ante a morte.

Significa que conduzirá uma política genocida? Não necessariamente. O pragmatismo o obrigará a seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Haverá o acompanhamento de perto das instituições, da imprensa, e até do seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta.

Mas nem de longe conseguirá utilizar a maior arma de seu antecessor: o discurso de união e solidariedade. Falta-lhe o essencial: a alma.

 

 

Luis Nassif

29 Comentários

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  1. ATO FALHO

    O momento é trágico, mas sempre tem espaço para o humor, sempre. Nassif foi traído por um tremendo ato falho.
    O nome do Tio Funéreo que dá expediente no ministério da saúde é Teich, mas saiu um inacreditável e supimpa TREICH. É só tirar o T que fica REICH, Nélson Reich, como vem sendo chamado desde ontem nas redes insociais.

    Volto à origem: quem aceita integrar esse governo, passa recibo do que é, não tem saída. Imaginar que do asfalto vai brotar uma flor, só no lirismo dos poetas. Bordéis têm mais virtudes que esse governo.

    Quanto ao TREICH, Freud explica.

    1. “Bordéis têm mais virtudes que esse governo”, escreveu o leitor. Mesmo concordando com o significado, não posso deixar de perceber um certo preconceito contra o mercado do sexo. As garotas e garotos de programa vão se sentir ofendidos com essa isonomia.

  2. ATO FALHO

    O momento é trágico, mas sempre tem espaço para o humor, sempre. Nassif foi traído por um tremendo ato falho.
    O nome do Tio Funéreo que dá expediente no ministério da saúde é Teich, mas saiu um inacreditável e supimpa TREICH. É só tirar o T que fica REICH, Nélson Reich, como vem sendo chamado desde ontem nas redes insociais.

    Volto à origem: quem aceita integrar esse governo, passa recibo do que é, não tem saída. Imaginar que do asfalto vai brotar uma flor, só no lirismo dos poetas. Bordéis têm mais virtudes que esse governo.

    Quanto ao TREICH, Freud explica.

  3. imediatamente me veio à cabeça ( e me perdoem os judeus, mas sionistas costumam usar a política do apartheid) um conto de Charles Buckowski, chamado Dr. Nazi. esse ministro tem quase, eu digo quase, um acrônimo, t. reich (terceiro reich). ah, essa realidade…

  4. Professor Nilson Lage, 83

    Nilson Lage
    12 h ·
    Conheço o nazismo desde criancinha.
    Gente próxima de minha família morreu lutando contra ele nas encostas geladas de morros na Itália.
    Meus instrutores no Colégio Militar eram ex-combatentes. Falavam-me da guerra e das razões da luta em que se empenharam.
    Li autores do fascismo, dei aulas sobre isso.. Estudei a relação umbilical entre a ideologia da eugenia, o darwinismo social e a deformidade moral que leva à seleção dos homens conforme sua utilidade econômica, a ponto de justificar os campos de extermínio.
    Sei que o país é governado por assassinos de jovens prisioneiros e heróis de salas de tortura.
    No entanto, saber é diferente de sentir,
    E é terrível sentir-se desprezado como um traste na etapa final da vida, exatamente quando o amor próprio se sustenta de feitos e sonhos do passado.
    Muitos mais doloroso do que vocês pensam.
    Não dá para ver a tela do computador: os olhos estão molhados e molham o rosto.
    Coisa de velho.

    1. O honorável Nilson Lage não é velho e não deve sentir-se triste com o que esses canalhas fazem com a nação brasileira e o desprezo à sua sabedoria. Velhos são os canalhas que existem desde as mais remotas civilizações humanas. Nilson Lage é jovem como as conquistas civilizatórias que se impõe a cada vez que os velhos canalhas ameaçam a sabedoria de jovens como o honorável professor.
      Minha homenagem a ele com a poesia do eternamente jovem Mario Quintana:
      “Todos esses que aí estão
      Atravancando o meu caminho
      Eles passarão…
      Eu passarinho!
      Estamos juntos honorável passarinho.

    2. O honorável Nilson Lage não é velho e não deve sentir-se triste com o que esses canalhas fazem com a nação brasileira e o desprezo à sua sabedoria. Velhos são os canalhas que existem desde as mais remotas civilizações humanas. Nilson Lage é jovem como as conquistas civilizatórias que se impõe a cada vez que os velhos canalhas ameaçam a sabedoria de jovens como o honorável professor.
      Minha homenagem a ele com a poesia do eternamente jovem Mario Quintana:
      “Todos esses que aí estão
      Atravancando o meu caminho
      Eles passarão…
      Eu passarinho!
      Estamos juntos honorável passarinho.

    3. jamais estará só, meu caro amigo. abraços de Vitória-ES

      Hino à Tarde

      Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas,
      Alva! natal da luz, primavera do dia,
      Não te amo! nem a ti, canícula bravia,
      Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!

      Amo-te, hora hesitante em que se preludia
      O adágio vesperal, – tumba que te recamas
      De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
      Moribunda que ris sobre a própria agonia!

      Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre
      Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
      Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,

      Trazes a palpitar, como um fruto do outono,
      A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
      Perpetuação da vida e iniciação do nada.

      https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/_documents/0006-01389.html

  5. Boa análise, Nassif, mas por que é tão difícil para você reconhecer que o racismo é parte integral do bolsonarismo, tanto quanto da própria sociedade brasileira? A lista das falhas de caráter do”presidente” e do Brasil deve começar pelo nosso pecado original, todas as vezes em que for feita.
    Para quem sabe ler, um pingo é letra, dizia minha mãe. A fala do novo “sinistro” é óbvia: se tiver que escolher entre um negro e um branco, entre um pobre e um rico…

  6. Análise perfeita.

    Depois de algumas décadas de existência compreendi que a vida separa as pessoas, você pode ter sido muito amigo de uma pessoa no passado que se converteu num fariseu insensível na maturidade o que torna impossível a convivência.

    Um sujeito que aceita ser ministro do governo de um genocida, sociopata, torturador, mesquinho, ignorante, vagabundo… mesmo sendo um tipo vaidoso e objetivando turbinar o currículo não deve valer um tostão.

  7. Estou preocupado pois tenho 74 anos e, se pegar o vírus, corro o risco de mandarem me sacrificar. E, de quebra, como o problema é dinheiro, sem anestesia. Os mais antigos hão de lembrar do filme Mundo Cão

  8. Concordo com tudo o que o Nassif escreve mas vou mandar a modéstia às favas : Sei disso antes dele, ou pelo menos falo isso desde antes da eleição do Bozo. Quem acredita que foram as fake news que elegeram Bolsonaro se engana, quem elegeu Bolsonaro foram os “bolsonaros”. Se alguém diz ANTES das eleições que vai fazer TUDO o que está a fazer engana a quem ? A ninguém, Bolsonaro foi sincero e honesto nesse quesito, nunca enganou ninguém, é só olhar para o seu ministério. E intuo que a saída, se houver, será sangrenta. Ou eles nos dizimam ou serão pendurados de ponta cabeça num posto de gasolina qualquer. A opção seria o Pacto, que o Nassif defende com uma sabedoria ímpar, e que muitos o rotulam de ingênuo, mas a verdade é que se necessita de um pacto para se chegar ao Pacto.

  9. Nassif, sua sensibilidade extrapola o campo da análise política, e sua concisão deixa tudo mais claro. Parabéns por seu humanismo!

  10. Pergunta tétrica ao Caronte da vez: E se a escolha for entre um jovem da periferia e um velho gordo e abastado banqueiro?

  11. A cada escolha de Bolsonaro, mais me convenço de que ele mergulha nas ruínas do seu próprio passado para escolher…
    certíssimo quem disse, Eduardo, que ele não enganou ninguém

    foi assim que ele chegou à Presidência, mergulhou e de lá saiu vitorioso, mas, detalhe, não para governar, mais para poder escolher outros(as) iguais a ele

    Quem se junta com quem não tem alma, alma não tem

  12. Nassif, esse texto é importante, porque nele estão expostos os principais problemas metodológicos que nos mantêm prisioneiros do bolsonarismo.

    Primeiro: não se mistura política com moral. Esse é o erro mais crasso que costuma ser cometido. Normalmente, aqueles que tentam ser os “campeões morais” da situação deixam o campo desobstruído àqueles que não têm pruridos de executar um programa agressivo. Ou seja, os “bonzinhos”, por prova de bondade, permitem os maiores genocídios e as coisas mais macabras por não entenderem que política não é catequismo, mas sim jogo de força. O nazismo deve ser detido com força bruta, e não com sermões.

    Segundo: o problema de filosofia da história. Hoje, com o refluxo do racionalismo moderno, entram em campo formas retrógradas de pensamento, que tinham sido superadas no século XIX. Me refiro à visão teológica da história e ao idealismo histórico. Hoje vemos pessoas dizendo que “o mundo ficará melhor”, ou que “isso é uma provação” ou coisas do gênero. Isso é o retorno a Santo Agostinho: a história se move por obra divina, de desígnios insondáveis. Outro argumento é o seu, Nassif: a força da civilização vencerá a barbárie. Isso é uma visão idealista dos processos históricos, superada filosoficamente em meados do século XIX. Ora, o que move a história são os homens organizados em torno de seus interesses (programas) e do choque de forças entre blocos históricos em disputa. Isto é, o bolsonarismo só pode ser vencido pela organização “anti-bolsonarista” que tenha um programa, e não por Deus ou pelo “espírito da história”.

  13. Todos que estamos sofrendo com covid-19, que acompanhamos as ações para seu combate nas áreas de saúde, e estamos informados das previsões dos infectologistas em todos os países, sabemos que mesmo procedendo da melhor forma, sabidamente a quarentena horizontal, aos trancos e barrancos adotada no Brasil, onde o presidente, Jair Bolsonaro, prefere uma quarentena vertical, que implica na volta das atividades, grosso modo apenas ficam impedidos os mais velhos, hipertensos, diabéticos, asmáticos etc. Sabe-se também que devido a pressão política e econômica que faz o Bolsonaro, ocorrerão muitos mais mortes, o pico ocorrendo no final de abril, princípio de maio próximos, sem que os sistemas de saúde possam, por mais esforços que se façam, estarem preparados com leitos suficientes com respiradores. Se assim for, pelo que está dito, para Bolsonaro, que não quer impactar mais a economia, quer economizar recursos não importa o número de mortes, ter escolhido ministro da saúde, Nelson Teich, foi o mais adequado ao seu governo, pessoa preparada para, sem pruridos e remorsos, ser o verdugo perfeito para comandar a dita escolha de sofia, quando os profissionais de saúde escolherão em quem devem trabalhar para salvar a vida e quem deixará abandonado para morrer. Será desse jeito, se quem se opõe não agir.

  14. Estamos em um momento complicado. As besteiras que alguns do PT fizeram, colocaram a esquerda em uma grande defensiva. é difícil falar enquanto esquerda em vários setores da sociedade. Ficamos com a pecha da corrupção. Nos igualamos aos outros partidos e agrupamentos. Por mais que façamos a defesa de que foi um golpe ou uma articulação de queimação. Alguns vacilaram e pagamos esse preço. Não tem como tapar o sol com a peneira.

  15. Não encontro (nem sei se existem) palavras e expressões que possam dar um significado que descreva, minimamente, a tragédia que assola esta nação voluntariamente pobre, miserável e irreversivelmente estraçalhada.
    Temos um delinquente-facínora-sociopata no comando do Executivo. Ontem fomos brindados com mais uma pérola construída por um cérebro enfermo, num episódio grotesco em que ele, o verme, a besta-fera, como uma hiena raivosa,respondeu a um repórter sobre a morte de mais de 5.000 brasileiros: “E daí, nao posso fazer nada, sou Messias mas nao faço milagre.” O que está acontecendo? Cadê a esquerda? Cadê o povo”. Nunca pensei que antes de morrer assistiria a episódios tão insultuosos como os vomitados por essa figura hedionda. E ainda somos obrigados a lembrar que esse escroto, monstro-ditador-fascista foi eleito democraticamente pelo “povo” brasileiro.

  16. Bom dia!
    É incrível como se comporta o ser humano; critica o outro porque não concorda com suas opiniões, mas nem se dá ao trabalho de procurar entender em qual contexto foi dita uma determinada frase ou opinião. Criticam o outro, enquanto arrotam intolerância; dizem que o outro tem “discurso de ódio” mas descarregam raiva nas próprias palavras. É preciso, antes de criticar, procurar conhecer a pessoa; pois ninguém conhece ninguém apenas em um simples olhar, ou em alguma narrativa de outrem.
    Tolerância, paciência, empatia, amor ao próximo, paz no coração, e FÉ em Deus, é o que falta em muitos críticos por aí; jogam pedras, sem ao menos dar uma chance de o outro se explicar; acusam, julgam, sem procurar entender o ponto de vista da outra pessoa, o porquê de suas palavras.
    Vivemos em uma Democracia, todos têm liberdade de expressão, desde que não venha a ferir a integridade do outro; e se a pessoa apanha o tempo todo, ela se arma com uma couraça, para se proteger. Sinto muita pena dessas pessoas intolerantes, rancorosas, que culpam o outro de ser exatamente o que ela é, e não percebem como próprio coração está amargurado, cheio de ódio e rancor. Que Deus Pai Celestial tenha Misericórdia dessas almas aflitas, angustiadas, que traduzem o mundo de acordo com o mal que está em seus corações; é preciso mudar o modo como vê, e traduz as outras pessoas, porque o tempo está acabando, e logo chegará o Quinto Reino, de acordo com as palavras do Profeta Daniel, este tempo está próximo, precisamos preparar nossas Almas!

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