O roteiro de um golpe e o renascimento do impeachment, por André Singer

Jornal GGN – Em sua coluna na Folha de S Paulo, o cientista político e ex-porta-voz da presidência da República, André Singer, faz um retrospecto da atual crise política e daquilo que ele considera como um possível roteiro para o golpe. Singer lembra que, não muito tempo atrás, a tese do impeachment estava enfraquecida, rememorando que o processo foi aberto pelo deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) após a continuidade do processo contra o peemedebista na comissão de ética da Câmara dos Deputados. O cientista político também recorda que  as últimas manifestações do ano passado tinham perdido força. O cenário político começa a mudar no início deste mês, com a divulgação, pela revista Isto É, da delação premiada do senador Delcídio do Amaral, preso na Operação Lava Jato. Tal fato teve ampla cobertura da mídia e, no dia seguinte, ocorreu condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fazendo com que o país entrasse em estado de “emergência comunicacional”. Leia a íntegra abaixo:

Da Folha

Roteiro de um golpe?

André Singer

Peço licença para aproveitar este interregno de Semana Santa e relembrar fatos que todos conhecem. Mas acho necessário destacar que até pouco tempo atrás o impeachment, hoje em franco progresso, estava morto. É preciso retroceder um pouco para entender o que, de fato, aconteceu.

O pedido de impeachment foi aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em 2/12/2015, depois de o PT ter votado contra ele no Conselho de Ética. Alvo de inúmeras acusações e processos, o patrocínio do parlamentar foi visto como forma de grosseira retaliação.

Não obstante a baixa legitimidade do gesto de Cunha, menos de uma semana depois, a 7/12, o vice-presidente da República, Michel Temer, envia carta a Dilma em que explicita o seu afastamento do governo. Escrita em tom de bolero, a missiva fez aumentar as dúvidas sobre a capacidade de ele liderar o país para fora da crise, caso a presidente fosse impedida.

Mesmo assim, diversos movimentos conclamam a população a ir às ruas em favor do pedido recém aceito. O resultado é um fiasco. Em São Paulo, apenas 40 mil pessoas se reuniram na avenida Paulista em 13/12, contra 210 mil em março do mesmo ano.

A manobra dera com os burros n’água. Sem o calor das ruas, o impeachment não prospera. A situação estava assim, quando na quinta-feira, 3/3/2016, a “Isto É” publica, em edição imprevista, suposta delação premiada do senador Delcídio do Amaral. Nela, o ex-líder do governo no Senado afirmava, em síntese, que Dilma e Lula tinham atuado para obstruir a Operação Lava Jato.

Segue-se uma cobertura de imprensa monumental. Telejornais de grande audiência dedicam edições extraordinariamente longas a detalhar as acusações senatoriais. Extensas reportagens sobre os supostos imóveis de Lula são acrescentados ao noticiário daquela noite. No dia seguinte, Lula é conduzido coercitivamente para depor em Congonhas (SP).

Com a detenção do ex-presidente, as acusações penais lançadas sobre ele ganham outra dose maciça de exposição. O país entra em estado de emergência comunicacional, com a televisão pisando e repisando denúncias que poderiam levá-lo à cadeia. Menos de uma semana depois, alguns procuradores paulistas efetivamente pedem a prisão do líder petista, propiciando mais tempo televisivo para os ataques à sua imagem.

Não espanta que, diante desse massacre eletrônico, setores de direita e de centro tenham decidido esquecer os graves problemas que pesam sobre o impeachment e produzido, em 13/3, a maior manifestação da história política do Brasil pela saída de Dilma e a prisão de Lula. A partir daí, legitimado pelas ruas, o impeachment começa a andar. Tudo coincidência?

Redação

10 Comentários

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      1. A adesão em massa às

        A adesão em massa às Manifestações Legalistas por todo o país, que vão muito além das do dia 18/03, pelos mais diversos setores da sociedade. Não se trata mais apenas da dicotomia defender X atacar o governo Dilma-Lula, e sim de defender a democracia e a legalidade.

  1. A narrativa está afinada

    A cronologia levantada por Singer é interessante, pois revela como a narrativa do impedimento está sendo montada. Ainda pior. A narrativa prevê a entrega de Dilma, a prisão de Lula e inviabilidade do PT nas próximas eleições.

    Caso não entreguem o pacote completo, tenho certeza que sofrerão um golpe duro dos que estão empreendendo a caça às bruxas. A falha na condução do processo no ano passado tornou-os mais agressivos no início desse ano.

    Não há acordo possível, como alguns preveem, entre o PT e os outros partidos que também praticam o caixa 2, como demonstra a planilha da Odebrecht. Este acordo nunca irá prever o PT, pois é a cabeça que deverá ser entregue na bandeja de prata. A não ser que o PT e o governo tenham uma bala de prata capaz de derrubar a república. A cronologia levantada por Singer é interessante, pois revela como a narrativa do impedimento está sendo montada. Ainda pior. A narrativa prevê a entrega de Dilma, a prisão de Lula e inviabilidade do PT nas próximas eleições.

    Caso não entreguem o pacote completo, tenho certeza que sofrerão um golpe duro dos que estão empreendendo a caça às bruxas. A falha na condução do processo no ano passado tornou-os mais agressivos no início desse ano.

    Não há acordo possível, como alguns preveem, entre o PT e os outros partidos que também praticam o caixa 2, como demonstra a planilha da Odebrecht. Este acordo nunca irá prever o PT, pois é a cabeça que deverá ser entregue na bandeja de prata. A não ser que o PT e o governo tenham uma bala de prata capaz de derrubar a república. 

  2. Collor teve um roteiro

    Collor teve um roteiro similar. Brigou com o Congresso e este lhe retribuiu com um pedido de impeachment. Reclamou que estava sofrendo um golpe e pediu apoio para se manter no cargo, mas o povo foi às ruas em massa pedir sua deposição. Talvez por ter sofrido na pele tudo isso Collor seja hoje um dos poucos congressistas contrários ao impeachment de Dilma. Donde se vê que o ex-presidente tem muitos defeitos, mas a impiedosidade não é um deles.

    1. Há pelo menos três grandes

      Há pelo menos três grandes diferenças entre os dias atuais e a época de Collor:

      O processo tinha embasamento (uma “Elba”);

      O congresso não estava vendido contra ele;

      Não houveram manifestações em massa em sua defesa.

  3. Esta é um artigo de agora ou do dia 13?

     Do dia 18/3 , até o ato de quinta feira passada, várias e várias manifestaçoes de rua , massivas e organizadas, e representativas de vários setores da sociedade demonstraram o repúdio a quebra da legalidade democrática.

    Isto contrabalançou, em muito, a manifestação de 13/3. Principalmente porque  o usurpado verde e amarelo, é na verdade um arco iris caótico onde as  manifestações  foram mais catárticas do que políticas.  Mas minha pergunta é porque Singer parece ter visto apenas esta manifestação? 

    Talvez Singer queira falar apenas das crenças desta oposição e de sua irracionalidade.  A irracionalidade parece estar  instituida, no poder legislativo e no judiciário.  Loucos continuarão neste  processo completamente descolado da realidade e acreditando na miragem das ruas que não tem.  Este descolamento pode no entanto  ter consequências reais  trágicas.

    1) Os golpistas estão descolados, pois não perceberam que os manifestantes do dia 13, não dão suporte a ninguém. Expulsaram, o governador, Alckmim, Serra, Aloysio Nunes, Marta Suplicy, assim como expulsaram o lider do Revoltados on line. Tem-se sim uma catarse pública, mas sem nenhuma direção, apenas uma explosão de ……

    2)Eles estão descolados da realidade,  pois participam do linchamento de quem lhes deu suporte. O esfacelamento das empreiteiras, e em particular o ataque dirigido a Oderbrecht, com apoio da globo, e da sua mão judiciária em Curitiba, me faz  perguntar, qual a base social que este grupo que se acoberta atras de Cunha tem. 

    3) Estão descolados da realidade, pois acreditam piamente  nas mentiras que eles mesmo criam em seus telejornais

    4) Apostando na insegurança jurídica, com todas as violações que vem ocorrendo, perderam  empresários, que assustados  notam  que as criaturas que criaram ( Cunha é o expoente), pensando ser seus fantoches, agora se tornaram autonomas, e depois de provar o poder, acreditam que tudo podem

    5) Se descolam da realidade porque mataram suas proprias lideranças políticas. As lideranças políticas históricas da oposição estão completamente fragilizadas, e paralisadas, pensando talvez que Cunha os deixe governar após o golpe.  Não possuem propostas. Serra apresenta as propostas da Chevron e do capital financeiro. De resto não se houve sequer falar das velhas raposas políticas, (  FHC  está mais para roedor),

    6) a oposição esta descolada da realidade porque  não tem base social, não tem nem mesmo  uma base política. No momento tem  apenas um acordo entre quadrilhas,  formando uma base parlamentar e uma  base no judiciário.  E de tanto pensar que a realidade se limita a Brasilia,  nesta arena descolada da realidade , eles podem tudo  inclusive cometer loucuras.

     

     

  4. Uma aposta: infiltração na D N de um certo partido

    Aposto uma cerveja ou um vinho de colônia de Nova Roma-RS ou arredores – / Há tempos penso nisso, e nunca toquei com ninguém. É uma suposição, claro. Há infiltração na D N do de um certo partido. Desde quando fica pra exercício [ tema de casa, dever de casa ] pra gente.

  5. Pois é…

    O texto está capenga. Ficou pela metade. Não gostei. Em momento algum ele mencionou as inúmeras e maciças manifestações contra o golpe. Não só por parte dos trabalhadores e da população, como pelas cada vez mais frequentes manifestações públicas de intelectuais, artistas, juristas e estudantes. Não vai ter golpe! Vai ter luta!

  6. Não há sustentação pra golpe!

    Tenho um termômetro infalível prá aferir humores dos coxinhas em BH. Vou a supermercados da zona sul com minha triste figura: banguelo de havaianas, bermuda, camiseta velha com bolso prá cigarro e minhas olheiras insones. Observo discretamente as senhoras da minha idade que cruzam a minha frente: Quando o PIG está bombando elas me fulminam com o olhar tipo: “fora PT”. Hoje fui a um supermercado do tipo: as senhoras desviaram o olhar. Essa gente está com vergonha! 

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