Crise no mundo incentiva mudanças nos cursos de economia das universidades

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Assis Ribeiro

do Jornal do Brasil

Crise incentiva mudanças no ensino de economia em universidades

Alunos de graduação e pós pedem currículos mais conectados com a realidade

Pamela Mascarenhas

Estudantes estão articulados no ISIPE – International Student Initiative for Pluralism in Economics, que reúne pessoas da Austrália, Argentina, Áustria, Brasil, Canadá, Chile, Dinamarca, França, Alemanha, Índia, Israel, Paquistão, Rússia e Reino Unido, entre outros. São 30 países e 65 associações de estudantes. 

“Não é apenas a economia mundial que está em crise. O ensino de economia está também em crise, e as consequências desta crise vão muito além do âmbito acadêmico. Aquilo que se ensina é, no fundo, o que vai moldar as mentes da próxima geração de decisores políticos e, por conseguinte, as sociedades nas quais vivemos”, diz carta aberta do grupo.

No mês passado, o Departamento de Economia e Estatística da Universidade de Siena, uma das mais antigas universidades públicas da Itália, anunciou sua adesão a um projeto incentivado por esse espírito de mudanças, o The CORE project. “Nós partilhamos plenamente da visão do CORE de que estudantes deveriam aprender o que a economia trata, com uma abordagem tão ampla e aberta quanto seja possível, antes que aprendam um modelo abstrato específico. O e-book desenvolvido pelo projeto CORE encontra este objetivo”, comentou o professor da instituição, Massimo D’Antoni, em nota de divulgação da iniciativa.

O The CORE project, liderado por Wendy Carlin, professora da University College London, é um currículo de economia, disponibilizado online, que promete uma abordagem mais plural e aberta, que, entre outras especificidades, toma a história, a inovação e a instabilidade em conta para a análise, enquanto textos e cursos convencionais teriam uma análise estática. O projeto foi fundado pelo Institute for New Economic Thinking, pela Azim Premji University e pelo centro de estudos políticos Sciences Po.

A Universidade de Siena, segundo o professor D’Antoni, trabalhava no mês passado na tradução do material para o italiano, para ser lido no início do segundo semestre (março de 2015) para os mais de 500 estudantes que vão entrar na instituição. A Universidade também vai incluir material produzido pelo seu corpo docente. “Nós esperamos que outras universidades italianas sigam o exemplo e se juntem a nós usando esse livro como um texto introdutório a estudantes de economia e negócios.”

Conforme indica reportagem do Financial Times, publicada no mês passado, outras universidades do mundo inteiro aderem ao projeto CORE — a University College London, Sciences Po em Paris, a Universidade Columbia em Nova York, a Universidade de Massachusetts em Boston, a Central European University em Budapeste, a Universidade de Sydney e a Azim Premji University, em Bangalore.

O material, no entanto, ainda não encerra o ciclo dos que buscam maior pluralidade econexão no ensino. Um grupo da Universidade de Manchester, denominado  The Post-Crash Economics Society, realiza nesta terça-feira (4), na instituição, o evento “Como a economia precisa mudar (em tradução livre para “How does economics need to change?”), com a presença de professores como Dianne Coyle, que acredita em um ensino plural que leve em contra outras disciplinas como a neurociência e a sociologia. A premissa é que não se duvida mais que a ciência econômica precisa mudar, a questão então seria determinar como fazer isso. “Estudantes deixam a universidade criticamente desconectados e incapazes de desafiar as premissas muitas vezes falhas e conclusões da economia mainstream”, diz o evento organizado pelo Facebook. 

Luciano Losekann, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que as universidades brasileiras já estariam incorporando essa visão mais crítica aos currículos, inclusive gerando críticas de alguns mais ortodoxos, em movimento mais avançado do que ocorreria nos Estados Unidos e na Europa. Para ele, a crise de 2008 mostrou que existe um risco na trajetória que o ensino tomou, de viés mais ortodoxo, um alerta que abriu espaço para autores como Thomas Piketty, que ganhou destaque com o livro O capital no século 21.

“Na UFF, a gente tem uma diversidade bem ampla de abordagens econômicas, o nosso ensino de economia não é tão ‘quadradão’ como ocorre fora do Brasil”, destaca o professor. “Tem uma diversidade muito grande nos ensinos de economia no Brasil. A UFF estaria num campo menos ortodoxo, mais heterodoxo”, continua Losekann.

O problema, contudo, pondera o professor, é que ainda não existe um “substituto” para à visão mais dominante, como uma “microeconomia heterodoxa” ou uma nova macroeconomia. “A gente tem um pensamento crítico, mas não existe um novo corpo teórico.”

Carlos Frederico Leão Rocha, diretor geral do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reforça o discurso de que a economia, como ciência, acabou seguindo caminhos bastante abstratos e, de alguma maneira, saiu um pouco do contexto histórico. Rocha acredita ainda que é importante “não perder a mão” em reformulações de currículos, para que conteúdos importantes não se percam.

“Os alunos passaram a sentir necessidade do contexto histórico, o que é legítimo”, destaca o professor, informando que, no caso do curso da UFRJ, o protesto não se aplica, já que a instituição preza pelo contexto histórico, e que também não se aplicaria a maioria das universidades brasileiras, pelo menos na graduação — e não se veria, contudo, nos cursos de pós-graduação. 

Rocha salienta que, apesar do avanço, ainda se nota uma ótica “individualista”, como a que prevalece nos manuais dos cursos norte-americanos, entre grandes economistas brasileiros. “De vez em quando você escuta pessoas falando alguns absurdos, como uma análise de um ex-presidente do Banco Central que me deixou assustado”, comenta.

“[Essas mudanças] vêm um pouco da crise, e um pouco também dos alunos que estavam saturados de tantas fórmulas. Porque a crise está acontecendo e você está estudando uma estrutura de incentivos sem nenhuma contextualização histórica. Quem tem o amor pela leitura econômica começa a ver [quem tem algo errado].” O diretor acredita, no entanto, que as universidades têm o direito de seguirem determinada ideologia e que o importante é que alunos de diferentes universidades consigam dialogar entre si.

Marcio Pochmann, professor na Universidade Estadual de Campinas, destaca que essa manifestação contra uma visão ortodoxa, atemporal e a-histórica da economia, que predominou no ensino e na pesquisa, não é recente e vem se construindo há mais tempo no Brasil e no mundo, e que também não se limita a estudantes, sendo incentivado por professores — alguns chegaram a deixar universidades por não compactuarem com métodos de ensino.

É preciso, alerta Pochmann, tratar a economia como parte importante das ciências sociais, e não apenas na concepção de ciência exata, matematizada. “O Brasil já teve um ensino bem mais plural”, lembra.  “O ensino de economia se torna desinteressante, não consegue oferecer algo mais concreto em torno dos desafios. Essa perspectiva individualista, embora seja mais sofisticada nos EUA, o Brasil não está fora, ela atinge o mundo de uma maneira mais geral.”

Ele cita revistas acadêmicas brasileiras que acabam não contemplando a produção nacional, dando espaço para uma linha mais matematizada e estrangeira — perspectiva que não deixa de ser importante, mas que não deveria predominar em detrimento da “variedade e potencialidade da ciência”.

“A impressão que eu tenho é que a pluralidade é maior na graduação do que na pós, porque a oferta de cursos é maior na primeira. (…) Há seis anos do início da crise, o o mundo segue sem saídas efetivas”, acredita. Para ele, é preciso recuperar aquilo que fomentou o ensino, uma perspectiva plural, que permita que o aluno tenha conhecimento de diferentes visões e fundamente a intervenção do economista em um mundo em transformação.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Eu já sabia…

    Respeitando-se todas as opiniões, inclusive, as dos  renomados autores, vamos deixar essa conversa mole pra lá.

    É preciso saber o seguinte:

    Já que Keynes venceu o debate e agora está morto, quem vai substituí-lo?

    Quem será o próximo “guru”?

    “É nóis na fita”? Certamente, não.

    Copiaremos um “novo modelo”.

    Por outro lado, fico surpreso como os “alunos”, isto é, os sem-luz podem sugerir algo mais próximo da “realidade”.

    Ora, ora, ora, que realidade?

    Aliás, o que é realidade?

    Mamamia só poderia ser posicionamento de recrutas mesmo.

    Vamos falar do que interessa.

    E o que interessa, certamente, relaciona-se com o seguinte:

    Institutos: família, direito, recursos naturais, força de trabalho, propriedade privada lato senso, isto é, nela incluída as marcas e patentes que garantem a propriedade intelectual , tecnologia, mantendo-se o PNB sob controle.

    Vamos falar de comércio internacional e organizações internacionais , de câmbio, política, história, hábitos e costumes, e a política administrando o “conflito de distribuição” e de “interesses”. Acordos biliaterais de livre comércio, inclusive, do o ALCA. “Tipo assim” , como fez o México e o consequente incentivo para suas “crianças” fugirem para  o todo poderoso e “manso” EUA.

    Aliás, que tal mudarmos o idioma oficial do  Brasil para o “ingrês”?

     

    Colocaria nessa reformulação banal , talvez,  outras coisinhas. Mas, deixarei para outra oportunidade.

    O resto é BALELA. Portanto, uma perda de tempo reformular a pseudo ciência econômica ratificadora de  interesses obscuros.

    E os otários ainda ficam nessa de  propagar uma reformulação do curso de economia.

    Já está passando da hora de desmascarar essa BALELA internacional!

     

     

    Saudações

     

     

     

  2. Se for para fundamentar a

    Se for para fundamentar a economia de mercado e a ideologia de Estado há que divividir a potencialidade da economia em duas partes entre si: História da sociedade, referente a estruturas reais, e Financeira de ordem privada.

    Matemática pura e especulação de mercado juntos no mesmo ideal é pura sacanagem.

    Escrevi uma concepção de unidade sistemática do concreto em conteúdos abstratos, padrão de valor e “razão de referência” a partir do começo absoluto de nova ordem mundial, mas não vejo como compartilhar o universal com o casual, implodir teoricamente os mitos.

  3. Ressaca da Escola de Chicago?

    Que tal começar a relembar o que Marx, Sweezy, Kalecki,  Keynes e Galbraith escreveram. E mudar um pouco o discurso.

    1. Keynes é estudado em qualquer

      Keynes é estudado em qualquer escola de economia do planeta, Galbraith nem tanto, Marx é mais em ciencia politica e não em escola de economia, Sweezy é bem menor, um sub-marxismo demodé para escolas ideologizadas como a Federal do ABC.

  4. Um grupinho com uma tese, vai

    Um grupinho com uma tese, vai mudar o currico da London School of Economics, de Harvard, de Princeton, da Wharton, de Yale, de Stanford?  Os curriculos mudam  naturalmente, o mundo não mudou tanto e muda gradualmente,

    os curriculos tambem mudam gradualmente, as 1000 maiores empresas globais estão muito bem, há ciclos e fases, diferentes em cada região e pais, qual a novidade?

  5. Demorô

    Como é que um sujeito que se diz economista e que entende de dinheiro desconhece a origem do mesmo, descrita há varios milênios atras pelo Heródoto, no Logos Babylonico.

    Desconhece o significado das varetas do Banco da Inglaterra.

    E não consegue fazer a conexão lógica entre a matemática dos vetores aleatórios e o mantra da meta de inflação.

    Na verdade, penso que ensinam só o que não atrapalha o açambarcamento de dinheiro e poder dos que mandam no mundo.

    Fora isto, complicam o que é simples e escondem o essencial, como o elemento de despesa que traria transparência nos orçamentos públicos.

    Que se façam as reformas e se ensine, não aos eleitos da elite privilegiada que servem aos donos do poder, mas a todos.

  6.  “Institutos: família,

     “Institutos: família, direito, recursos naturais, força de trabalho, propriedade privada lato senso, isto é, nela incluída as marcas e patentes que garantem a propriedade intelectual , tecnologia, mantendo-se o PNB sob controle.”

    E a fonte do dinheiro poderia ser patente intelectual? Os bancos podem patentear? Ou os Estados Unidos não abrem mão de reivindicar o seu direito internacional?

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