Dualidade entre o ensino propedêutico e profissional ainda é marca do NEM, diz Daniel Cara

Carla Castanho
Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN
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Para o professor da USP, mesmo com texto aprovado na Câmara, proposta carece de reforma educacional para além do currículo

Em um complexo processo decisório que delineia o Novo Ensino Médio (NEM) e altera a reforma implementada no governo Temer, em 2017, a Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, texto-base que prevê avanços, como a reintegração de 2.400 horas de formação geral básica. No entanto, o resultado da decisão ainda persiste na dualidade entre o ensino propedêutico e o profissional.

Um dos pontos cruciais que precisa ser debatido é a necessidade de evitar a desescolarização de alunos no ensino de tempo integral. Isso significa garantir que não se trata de uma questão de quantidade de horas na escola, mas sim de qualidade do ensino oferecido, infraestrutura, valorização e formação de profissionais, algo que perpassa a questão curricular.

Essa é a visão do professor da USP e ativista Daniel Cara, em entrevista ao GGN, que luta por uma reforma educacional que atenda às necessidades dos estudantes e do país.

“O currículo é parte do processo. O Brasil criou uma ideia absurda e essa é uma ideia brasileira de que currículo é tudo, currículo é gestão, currículo é referência de financiamento, currículo é parte. Certamente é o núcleo central do processo de ensino, mas, ele não esgota todas as questões que são necessárias para você desencadear uma reforma”, exemplifica Cara.

Para Cara, o erro, para além da implementação, está na concepção do projeto. “É bom a gente lembrar que, em termos de políticas públicas, a concepção também determina a implementação e vice-versa. Concretamente, a concepção é equivocada”.

“É uma reforma que foi feita tentando emular o que acontece em outros países do mundo, mas que nesses países não dá certo. Existe uma grande discordância dos jovens, problemas já relativos à qualidade com que os alunos chegam na educação superior. A reforma é inadequada e a implementação foi péssima”, ilustra.

O que torna o caso brasileiro ainda mais dramático, de acordo com o professor da USP, são as políticas educacionais sendo moldadas por pessoas desconectadas da realidade da escola pública, “pessoas que sequer se preocupam em conhecer a realidade das redes públicas brasileiras“.

Consequência disso é o fato da reforma comprometer a distribuição apropriada de aulas entre os professores.

O ensino médio integrado

Exemplo do aproveitamento total do ensino médio integrado são as 2.400 horas dedicadas à formação geral básica somadas a um curso técnico profissionalizante de nível médio, o que viabiliza o ensino, explica Cara, à luz de sua experiência enquanto aluno e professor. “O ensino médio integrado é o grande caminho”.

No entanto, problemas que deveriam acrescentar na formação do estudante, a exemplo dos itinerários formativos – optativas dos alunos por disciplinas, oficinas, projetos – na verdade, diminuem as opções para o livre acesso ao conhecimento básico e desejado.

“Vamos supor, são dois itinerários ou três itinerários. O problema é que aí o aluno é obrigado a ficar naquele itinerário que ele não quer, ele não tem direito de escolha, [envolvidos na proposta] não sabem que quase 3.000 municípios só tem uma escola de ensino médio, não é possível ofertar cinco itinerários”.

“Durante audiência na Assembleia Legislativa no Ceará, uma aluna subiu no púlpito e falou chorando que não tinha que ficar aprendendo a pintar unha, isso ela aprendia em casa. Ela queria ser médica e na escola de ensino médio que ela estudava em Fortaleza, não tinha o itinerário de Ciências da Natureza. Ela se sentia perdendo tempo na vida”.

Modelo ajustado?

O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), em entrevista ao GGN [assista abaixo], também falou sobre a aprovação do texto. Para o parlamentar, o modelo foi ajustado e as horas ofertadas serão a base para o aluno entrar na universidade, sem comprometer o aprendizado.

“Uma realidade do país, se a juventude for consultada, há, inclusive, uma preferência maior pela formação tecnológica do que talvez chegar à universidade, mas como o estudante ainda é muito jovem, essa opção dele, ele pode revê-la a qualquer momento. Se for um desejo, ele vai fazer a formação universitária e competir por igual, porque o que vai decidir e que será avaliado no Exame Nacional de Ensino Médio é a base nacional curricular comum”.

Para o deputado, os estudantes terão uma boa formação do ponto de vista de conhecimentos gerais, “e ao mesmo tempo nós abrimos um espaço para a formação técnica profissionalizante sem comprometer a retomada de rumos desse estudante”.

Assista a entrevista completa no Jornal GGN:

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1 Comentário

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  1. De minha parte gostaria de saber pq o Daniel insiste em uma infinidade de disciplinas obrigatórias quando sabemos que faltam professores para as essenciais. Menos pode ser mais

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