Manual para promover a diversidade e inclusão na educação

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Nanda e Inaê/Arquivo Pessoal
 
 
Por Nanda de Oliveira com colaboração de Clélia Rosa 
 
No Portal Geledés
 
Um Manual para chamar de nosso!
 
Antes de apresentar esse pequeno manual (que não está encerrado, ao contrário, é vivo, pulsante e totalmente aberto a novidades), gostaria de compartilhar o que me impulsionou a escrevê-lo.
 
Sempre me preocupei com as questões raciais por motivos óbvios. Depois que me tornei mãe, a vigília passou a ser ainda mais constante. Sempre digo que nós, mães pretas, não temos sequer o privilégio de descansar, não podemos baixar a guarda nem por um minuto, é piscar os olhos que o racismo estrutural nos apresenta uma situação para lidar.
 
Além das questões inerentes a todas as mães quando o assunto é a escolha da escola (praticidade, método, preço, localização), nós precisamos sempre pensar também se a instituição estará preparada para lidar com as questões raciais, e é neste ponto que vemos o quanto ainda temos que caminhar. Tirando a EMEI Nelson Mandela, localizada aqui em São Paulo e referência em educação que promove a igualdade racial, são pouquíssimas as opções que atendem a contento esta necessidade, ou seja, que cumprem a lei. Esse despreparo por parte das instituições de ensino nos impulsiona muitas vezes a matricular nossos filhos/as na escola “menos pior”.
 
A Lei n. 9.394/96 estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Em 2003 ela foi alterada pela Lei n. 10.639 para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Alguns anos depois a Lei n. 11.645/2008 tornou obrigatório também o ensino da cultura indígena.
 
Assim, atualmente a LDB em seu artigo 26-A estabelece ser obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, dizendo ainda:
 
1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.          (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
Mas, em 15 anos de vigência da Lei n. 10.639, o quê as crianças aprenderam nas escolas sobre a história de África e dos afro-brasileiros?
 
Também passei por todo esse processo de conhecimento, reconhecimento e afirmação da minha identidade negra, e como é doloroso quando é tardio, quando aqueles que estão ao seu redor não têm o mínimo de consciência racial e sequer repensam seus privilégios. Para falar a verdade, às vezes fico com a impressão de que esse processo nunca tem fim. Ainda na minha vida adulta tenho meus questionamentos, e isso sinceramente não é o que eu desejo para a minha filha ou para qualquer criança negra. Podemos (e devemos) construir e fortalecer a identidade preta das nossas crianças desde a primeira infância. A escola e a sociedade também são responsáveis por esta caminhada. Nós queremos construir ao invés de desconstruir, e isso só será possível se investirmos na educação de todas as crianças. A questão racial está fortemente presente em nossa sociedade e não há como deixar essa pauta fora dos muros da escola.
 
Foi pensando em ecoar a nossa voz que surgiu a ideia de escrever e compartilhar essa experiência com outras pessoas. É importante dizer que não sou especialista em educação, e que a construção desse manual partiu da vivência enquanto procurava escola para minha filha e das ricas trocas de saberes entre nós, mães pretas.  
 
Segundo o dicionário Houaiss, manual é uma obra de formato pequeno que contém noções ou diretrizes relativas a uma disciplina, técnica, programa escolar etc.; um guia prático. E esse é o intuito: compartilhar com as famílias preocupadas em constituir uma sociedade mais justa e igualitária uma diretriz de como contribuir para uma educação antirracista. O mundo precisa ser legal pra todo mundo.
 
É na infância que se constroem a identidade e as concepções de respeito, e é no ambiente escolar que a maioria das crianças negras tem contato com o racismo pela primeira vez.
 
É importante ressaltar que o racismo no Brasil é um sistema de opressão criado pelos brancos. Este tema então deve ser tratado não apenas quando levantado por uma mãe negra ou quando há criança negra na sala ou, ainda, apenas em novembro (mês da consciência negra), mas sim de forma contínua e sistemática desde a educação infantil.
 
Outro equívoco frequente é tratar a questão racial somente diante de algum episódio de racismo. Precisamos trabalhar na prevenção, contrapor informações, pois o sistema é bruto e a quantidade de informações e mensagens racistas (subliminares e explícitas) é enorme.
 
As crianças enxergam as diferenças e isso é extremamente salutar. Trabalhar sob o viés do “somos todos iguais” ou ainda “elas não enxergam diferenças” é subestimar a capacidade das crianças e corroborar para que o racismo estrutural perdure.
 
“Ensine-lhe sobre a diferença. Torne a diferença algo comum. Torne a diferença algo normal. Ensine-a a não atribuir valor à diferença. E isso não para ser justa ou boazinha, mas simplesmente para ser humana e prática. Porque a diferença é a realidade de nosso mundo. E, ao lhe ensinar sobre a diferença, você a prepara para sobreviver num mundo diversificado (…) esta é a única forma necessária de humildade: a percepção de que a diferença é normal.” 
(Para educar crianças feministas, Chimamanda Ngozi Adichie).
 
Porque as pessoas não são iguais, mas as oportunidades precisam ser. E apenas quando a escola, um lugar de construção de conhecimento e onde as crianças passam a maior parte de seu tempo, compreender a necessidade urgente de uma educação antirracista é que essa realidade poderá acontecer.
 
Para a pedagoga Clélia Rosa, não importa qual método a escola siga (Montessori, Waldorf, Reggio Emilia, Tradicional, Construtivista), é necessário saber como a metodologia adotada dialoga com a diversidade e a realidade brasileiras.
 
Toda escola, pública ou particular, é obrigada a ter um projeto político-pedagógico, então é importante saber:
 
Como a escola tem aplicado a LDB nas questões étnico-raciais?
 
Foi realizado curso de formação para os professores? Ninguém ensina o que não sabe; cursos de formação nesta área são de extrema importância.
 
Quais práticas a escola tem desenvolvido para ser reconhecida como uma instituição antirracista?
 
Caso a escola não apresente nenhuma ação concreta, além de cobrar o cumprimento da LDB, os pais podem sugerir algumas ações.
 
Curso de formação para os professores: há diversas instituições que realizam cursos, muitas vezes gratuitos. Além disso, há especialistas no assunto que podem ministrar esses cursos no interior das escolas.
 
No site: http://100meninasnegras.com há uma lista bem diversificada de livros infantis com protagonistas negros e negras. Vale a pena consultar.
 
“Nada sobre nós, sem nós.” Não há como falar da cultura afro-brasileira sem procurar referências nos autores e autoras negras, e há muitos, só precisam de visibilidade.
Contratação de professoras/es negras: Representatividade importa sim. Uma criança negra enxergar-se em um(a) professor(a) contribui muito para sua autoestima. Ademais, estudos comprovam que promover a diversidade na empresa é produtivo e, em muitos casos, indutor da inovação: “É uma equação tão simples quanto efetiva: culturas diferentes + trajetórias diferentes + visões de mundo diferentes em uma equipe resultam em uma probabilidade maior de encontrar soluções diversas e criativas para a empresa.” (reportagem completa em:  https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2017/09/por-mais-inovacao-e-produtividade-grandes-empresas-promovem-diversidade.html).
 
Contar a verdadeira história de África e dos filhos da diáspora africana: é necessário mudar a forma como os africanos escravizados são retratados nos livros de história e mostrar aos alunos a contribuição dos negros em diversas áreas (saúde, tecnologia, ciências, artes….). Há um livro excelente sobre o tema que se chama “GÊNIOS DA HUMANIDADE – CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO AFRICANA E AFRODESCENTE”, de autoria do historiador Carlos Eduardo Machado.
 
Peças teatrais e visitas a museus também são formas de colocar os alunos em contato com a cultura afro-brasileira de maneira positiva. Em São Paulo, destaque para o Museu Afro-Brasil, localizado no Parque do Ibirapuera.
 
Considerações Finais
 
Uma boa escola se constrói com a participação efetiva dos pais, e nessa equação “escola + família” todos têm a ganhar, mas “cada um no seu quadrado”. Os familiares podem levar os questionamentos e as proposições contidas neste manual, porém a escola não pode se eximir de sua responsabilidade; cabe a ela cumprir a lei, ou seja, trabalhar e realizar um projeto político-pedagógico que realmente promova a igualdade racial no ambiente escolar.
 
Sobre nós
 
Nanda de Oliveira, bacharel em Direito, Consultora Capilar na empresa Deixa a Madeixa, produtora de conteúdo do instablog Corredoras Cacheadas, mulher preta e mãe da Inaê.
 
Clélia Rosa, pedagoga e mestre em Educação. O principal eixo do seu trabalho engloba a infância nos seguintes temas: educação infantil, culturas infantis, formação de professores/as e metodologias de promoção da igualdade racial desde a pequena infância. Mãe da Eloísa e da Aisha e uma incansável defensora das crianças para que tenham uma infância livre de racismo.
 
Referências bibliográficas
 
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para educar crianças feministas: um manifesto / Chimamanda Ngozi Adichie; tradução Denise Bottmann. — 1a ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
 
MACHADO, Carlos Eduardo Dias. Gênios da Humanidade: Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente / Carlos Eduardo Dias Machado e Alexandra Baldeh Loras. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2017.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. Pedagogia da diversidade e das diferenças sem desigualdades!

    No geral gostei do ´Manual´, pois temi que se tratasse de outra dessas literaturas na defesa de direitos segregados em nome de uma falaciosa ´igualdade racial´, mas, os principais conceitos defendidos pelas autoras é no sentido da afirmação pedagógica de diferenças humanas que não significam desigualdade ´racial´. A educação formal precisa ensinar a todas as crianças a diversidade humana, suas histórias e tragédias. O genocídio dos povos indígenas e a perversidade da escravidão foram crimes de lesa-humanidade e suas vítimas continuam destituídos do direito fundamental: o tratamento com igualdade.

    Por minha conhecida posição de combate às equivocadas políticas públicas em bases raciais – por alimentar crenças racistas – sou muito convidado a debates em escolas e universidades e esperam de mim, a negação do racismo. E o que afirmo é que o racismo continua sendo o mais perverso crime coletivo praticado no mundo e trata-se de um desafio e responsabilidade de todos, e mais especialmente dos brancos, a luta pela destruição da crença em ´raças´ e da virtuosa pedagogia de combate ao racismo. Sei bem do sofrimento das crianças pretas e pardas. Mas sei também quanto infelizes serão as pessoas brancas que cultivam o racismo e que o transmitem a seus filhos. Conforme afirmou MANDELA, já na condição de Presidente da África do Sul, diante de africanos que desejavam vingança: “Ninguém nasce odiando outra pessoa em razão da raça. Eles foram ensinados pelo cultura preservada pelo estado. Se aprenderam, são humanos. Se são humanos nós podemos ensina-los a amar.”.

    Como pais de três filhos e agora com um neto de quatro anos, todos pretos e pardos, e na condição de ativistas contra o racismo, eu e a Ruth, nos deparamos sempre com a mesma angústia dessas mães. E de todos os pais. Nós que sofremos o racismo e os preconceitos na infância sabemos o quanto carregamos de sofrimento, solidão e perdas emocionais. 

    Sempre sonhamos que as futuras gerações, não só nossos filhos, deixem um dia de passar por isso e que se preocupem apenas com suas escolhas e seus demais pertencimentos. Por isso, em 2004, promovemos processo contra os Colégios Salesianos onde nossos filhos estudavam. E contra o Juiz de Direito que deu razão ao colégio com quem se aliava na prática do racismo ao afirmar no processo, em Despacho Judicial: “Parece estranho que pais que denunciam discriminação racial do colégio queiram que seus filhos continuem na mesma instituição.”, ou seja, em linguagem popular o Magistrado, em nome do estado-Juiz afirmava: os incomodados que se mudem e deixe o conceituado colégio em paz!

    Como as autoras afirmam tratar-se de documento aberto em construção ouso aqui oferecer contribuição à reflexão e iniciativa das mães, educadoras, e exercer aqui o ativismo da luta contra o racismo que implica, no meu entender, no repúdio absoluto a admissão da existência de ´raças´ na espécie humana conforme nos asseguram a ciência biológica e a genética: somos os humanos uma espécie sem sub-espécies que seriam as raças. 

    Tal conceito da divisão humana em raças foi a grande obra edificada pelo racismo no século 18 e se destinava a se antepor à poderosa força do iluminismo que veio afirmar a igualdade humana: todos nascem livres e iguais em direitos à vida e à liberdade ensinava as lições de Emmanuel Kant, consagradas no Contrato Social de J.J. Rousseau.

    Esse o ensinamento nuclear da pedagoria antirracista: a igualdade humana é pressuposto inerente à vida e à liberdade.

    FRANTZ FANON, o primeiro grande ativista contra o racismo já afirmava em 1956: “Numa sociedade com a cultura de raças, a presença do racista será, pois, natural´.  

    No mesmo sentido, a lição do Dr. LUTHER KING, em seu extraordinário discurso ´I Have a Dream´, nos legou: “Eu tenho um sonho. Sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença e nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos: que os homens são criados iguais.. (aplausos..). Eu tenho um sonho. Sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!!!”  – (vídeo com legendas: https://www.youtube.com/watch?v=fz_7luovxPc )

    Ou seja, somente existirá racistas e a prática do racismo enquanto perdurar na humanidade a crença na existência de ´raças´ diferentes o que tras em si a presunção da hierarquia da ´raça superior´ e das ´raças inferiores´.

    Portanto, a pedagogia antirracista não pode continuar sendo edificada com políticas públicas de igualdade ´racial´. 

    Destarte, no ´Manual´ das mães educadoras, apenas num parágrafo faz alusão: ” Além das questões inerentes a todas as mães quando o assunto é a escolha da escola (praticidade, método, preço, localização), nós precisamos sempre pensar também se a instituição estará preparada para lidar com as questões raciais, e é neste ponto que vemos o quanto ainda temos que caminhar. Tirando a EMEI Nelson Mandela, localizada aqui em São Paulo e referência em educação que promove a igualdade racial, são pouquíssimas as opções que atendem a contento esta necessidade, ou seja, que cumprem a lei.”.

    Destarte, em termos pedagogicos espero que as autoras não se alinhem à tal pedagogia da igualdade ´racial´ por ser a busca de algo incompatível com a luta contra o racismo. 

    Se é o racismo que admite e pratica a ´desigualdade racial´ não faz sentido políticas públicas de promoção de igualdade ´racial´, mas, tão somente a promoção do conceito de igualdade humana decorrente da unicidade da espécie (humana).

    Assim posto, a igualdade ´racial´ exige a admissão da ´raça´ como identidade de pertencimento e portanto, segundo FANON, significa admitir a convivência com o racismo. E segundo o Dr. KING, pior ainda: significa a renúncia ao seu sonho para que nossos filhos para terem a tal igualdade ´racial´, tenham que ser considerados também pela cor da pele.

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