Os truques do governo Alckmin para barrar licenças de professores

Jornal GGN – Em fevereiro deste ano, a Unidade Central de Recursos Humanos do Estado de São Paulo (UCRH) enviou um correio eletrônico para os servidores públicos informando sobre os novos procedimentos adotados na concessão de licenças de saúde. Pela nova regra, todas as faltas, mesmo com atestados médicos, serão consideradas injustificadas e os dias de ausência descontados dos salários até que o Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME) faça publicar no Diário Oficial os pareceres finais sobre os afastamentos. Na prática, a tentativa é de desestimular as faltas, proibindo o adoecimento.

Os professores da rede estadual são alguns dos mais atingidos pela iniciativa. Tanto que, até recentemente, a gestão das perícias médicas estava sendo conduzida pela Secretaria de Educação. Além da demora no agendamento, os servidores ainda tinham que lidar com outras situações absurdas, como ter que se deslocarem para cidades no interior paulista para realizar a perícia, muitas vezes apenas para ter os afastamentos negados pelos médicos do estado.

Para Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), a estratégia do governo é falha: a administração desconsidera a qualidade de vida dos servidores públicos e gasta muito mais com seu adoecimento.

Em entrevista exclusiva ao Jornal GGN, ela falou sobre a nova norma e como isso afeta as carreiras dos professores (ao impactar até mesmo no cálculo da aposentadoria). Comentou também o escândalo do desvio do dinheiro da merenda escolar e o valor simbólico das ocupações das escolas pelos estudantes. Abordou ainda os resultados do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar de São Paulo (Saresp), anunciados pelo governador Geraldo Alckmin como um grande sucesso, mesmo com uma adesão muito baixa de escolas participantes.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Jornal GGN – Pelo procedimento normal de afastamento médico, o trabalhador fica até 15 dias afastado às expensas da empresa e depois desse período o INSS cobre seus custos. Também funciona assim com os professores da rede estadual?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Não. É totalmente diferente. E fica o tempo todo mudando as regras. Observa-se que, como há falta de professores, o governo fica tentando uma forma de fazer o professor, mesmo que adoecido, ficar em sala de aula.

Antes desse último decreto que saiu agora, por incrível que pareça, quem estava fazendo a gestão do Departamento de Perícias Médicas do Estado era a Secretaria da Educação. E eu lhe pergunto: o que a Secretaria da Educação, que deve estar preocupada com a gestão da educação, tem a ver com gestão de médicos e de agendamento de perícia? Eu acho que nada. Nada a ver.

Então, nós fizemos todo um movimento para tirar da Secretaria da Educação e jogar para o Departamento de Perícias. Fizemos reunião com o Departamento de Perícias, e lá eles também colocaram isso. Falaram ‘não dá para nos responsabilizar que um professor de São Paulo tenha sua perícia agendada lá em Botucatu, em Presidente Prudente, se é a Secretaria da Educação que está fazendo isso’.

É algo que de fato acaba criando um problema muito sério para quem está com doença crônica. Estresse, por exemplo. O Departamento de Perícias concorda com a nossa pesquisa. Nós temos uma pesquisa. E ela coloca que a principal causa de afastamento de professores é problema de saúde mental.  57% desses são afastados das atividades profissionais por conta disso.

Quando o governo muda a gestão, ele está querendo dificultar o afastamento por adoecimento.

Jornal GGN – E o professor faz a perícia em outra praça?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Estava fazendo. Aí nós fizemos a luta, a greve, aí mudou, a gestão voltou para o Departamento de Perícias Médicas. Só que aí criaram uma outra trava: “até que saia publicada a licença, o professor fica com a falta injustificada”.

Jornal GGN – Até que seja publicada no Diário Oficial?

Maria Izabel Azevedo Noronha – No Diário Oficial. Até que seja publicada a concessão. Porque pode não ser concedida também. O que significa? Já é considerada como falta. Portanto, tem desconto de salário. E o professor está doente.

Essa falta de humanização, de como lidar com o ser humano, no caso o professor, que lida com outros seres humanos, isso é algo perceptível na gestão da educação do estado de São Paulo.

Jornal GGN – O procedimento é diferente para cada estado ou é uniforme em todo o território nacional?

Maria Izabel Azevedo Noronha – É diferente para cada estado.

Então, quer dizer, parece que está proibido ficar doente. A gente não quer ficar doente.

Jornal GGN – Como funciona? O professor consegue, por exemplo, um afastamento com um médico psiquiatra e depois tem que pedir uma perícia médica?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Você vai ao psiquiatra e é ele que vai encaminhar para a perícia. Quando ele encaminha para a perícia, você falta na escola, você já fica com falta injustificada, perdendo dias de salário.

Jornal GGN – Para além do desconto de salário, como isso afeta a carreira do professor?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Para conceder a aposentadoria eles descontam a licença médica. Está descontando, não descontava. Por quê? Porque eles acham que fazendo isso vão conter as faltas.

Mas a grande pergunta que tem que ser feita é: por que os professores estão tirando licenças médicas? Pelas condições de trabalho.

Jornal GGN – Essas doenças de ordem psiquiátrica são muito desacreditadas?

Maria Izabel Azevedo Noronha – São. Muito desacreditadas. E nós, professores, não temos a segurança de um protocolo do Ministério do Trabalho, salário insalubridade, nada disso.

E tem justificativas para isso. Porque nós lidamos com crianças e adolescentes de pais e mães diferentes. Eu sou mãe, mas na sala de aula eu estou lidando com o filho dos outros. E a gente fez uma pesquisa que comprovou que há um desvio comportamental quando você começa a lidar muito com seres humanos, com complexidades, com ações conflituosas.

E, sobretudo, nas condições que estão dadas nas escolas públicas do estado de São Paulo. É óbvio que esse profissional não vai ter uma saúde mental. Esse era um dos primeiros problemas que a gente tinha.

Hoje, tem a obesidade também, que é outro problema. 31,8% dos professores estão em situação de obesidade. Isso por quê? É perceptível. O professor acaba não tendo tempo de almoçar. Então, ele vai à cantina da escola, vai comer aquilo que está lá, fritura. O que gera mais problemas.

Jornal GGN – O professor tem acesso à merenda também?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Tem acesso à merenda. Mas a gente também está fazendo um debate em torno da merenda. Trabalha-se muito com merenda seca. O que é a merenda seca? É a bolachinha. Não é aquela alimentação como deveria ser, de acordo com a lei do Governo Federal, com cooperativas de agricultura.

Aliás, aqui em São Paulo essa foi a desculpa para que se desviasse o dinheiro da merenda das crianças, por meio das Coafs (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar). Então, tudo isso está no bojo dessa discussão da saúde do professor e da necessidade de ter as condições para poder trabalhar.

Jornal GGN – Para entendermos um pouco melhor. O professor sente um sintoma, vai até um médico especialista, que o encaminha para a perícia. O prazo para a realização dessa perícia é razoável?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Não. Tem fila. Tem que ser agendado. E demora.

Não interessa se ele está doente. Às vezes ele está visivelmente doente. Teve um caso de uma professora com câncer. Ela se amarrou na frente da Secretaria para protestar.

Pior do que isso é que é uma categoria adoecida que tem tirado do seu salário 2% para pagar por serviços de saúde, mas ela não consegue usar o Hospital do Servidor do IAMSPE (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual) porque é muito cheio.

Jornal GGN – É tirado 2% do salário apenas dos professores ou de todos os servidores públicos?

Maria Izabel Azevedo Noronha – De todo o funcionalismo público. E o governo não dá nada, não põe nada. Só mandar que ele manda sozinho. A gestão do Hospital do Servidor não é compartilhada. E deveria ser. Porque como você tem dinheiro de uma parte envolvida, ela teria que participar da gestão. Mas não tem uma gestão compartilhada e o governo não contribui com a sua cota parte de 2%.

Jornal GGN – Qual é o problema do IAMSPE? É o excesso de lotação?

Maria Izabel Azevedo Noronha – É. É o excesso de uso. E não se amplia o atendimento.

Jornal GGN – O sistema está bem servido no número de médicos?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Se você me perguntar se o Hospital do Servidor do IAMSPE é o ideal… Sim, ele é o ideal. Para altas complexidades. Tem caso de professores que quando conseguiram reverteram sua situação. Tratamento de câncer. Tudo. Mas não adianta ser para poucos, né?

Jornal GGN – É um hospital só?

Maria Izabel Azevedo Noronha – O estadual é.

Jornal GGN – Um hospital na capital para atender todo o estado?

Maria Izabel Azevedo Noronha – É. E aí o que a gente fez? A gente conseguiu fazer um movimento para descentralizar. Descentraliza. Ocorre que, como a tabela de serviços médicos que eles começam a pagar é baixa, quem conveniou acaba saindo do convênio.

Jornal GGN – Então, vocês não conseguem manter uma rede credenciada?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Não conseguimos.

Jornal GGN – E qual é a solução? É o governo colocar dinheiro do orçamento para manter uma rede credenciada mais robusta?

Maria Izabel Azevedo Noronha – O governo colocar a cota parte dele. Porque nós já colocamos, colocamos 2%. A parte dele deveria ser 2%. E ter uma gestão em que servidores públicos também façam parte. Porque não é só deles, é nosso.

E outra questão também é a descentralização do atendimento. Mas descentralizar com rede credenciada para todas as especialidades. Não adianta também descentralizar, mas não oferecer todas as especialidades.

Jornal GGN – E aí o funcionário público tem que recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS)?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Aí recorre ao SUS. Pagando. Veja bem, se você pensar o valor que a gente paga para o IAMSPE. No meu caso, eu pago R$ 68. É peremptório, não é optativo, por adesão. Eu pago meus R$ 68. Um plano de saúde é muito mais caro. Então, é barato. Mas não adianta ser barato e eu não poder usar.

Jornal GGN – E professores que têm uma condição melhor, ou que têm família, ou que têm um cônjuge em situação melhor acabam tendo um plano de saúde também?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Quem pode tem um plano de saúde também. Mas é muito pouco. A maioria não pode. É uma categoria adoecida e pauperizada.

Jornal GGN – Para entendermos um pouco melhor essa questão do afastamento. O que a senhora comentou foi esse correio eletrônico que começou a circular em fevereiro informando que faltas injustificadas devem ser consignadas e os dias correspondentes ao período de licença devem ser descontados até o parecer do DPME. Tem alguma exceção para essa regra? Para um afastamento urgente?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Antes não era assim. Não tinha falta injustificada. Antes você só teria o desconto caso não tivesse a licença concedida. Agora não, agora está tratando já com a dúvida.

Jornal GGN – Então, na prática o professor perdeu o benefício da dúvida no afastamento médico dele…

Maria Izabel Azevedo Noronha – Perdeu.

Jornal GGN – E no caso de um afastamento urgente? O professor, por exemplo, teve um ataque cardíaco, ou algum outro episódio no qual ele tenha que ficar hospitalizado. Essa regra também vale? As faltas são consideradas injustificadas?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Eles vão fazer isso. Com certeza vão fazer isso.

Jornal GGN – E isso é algo que a direção da escola faz? Orientada pelo Departamento de Recursos Humanos do Estado?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Isso. Vai fazer. E vai descontar. O que nós fizemos? Nós entramos com uma liminar coletiva.

Jornal GGN – Um mandado de segurança?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Um mandado de segurança coletivo. E o judiciário está avaliando.  

Veja bem, ter que pedir licença para ficar doente é uma loucura.

Jornal GGN – E a APEOESP têm alguma recomendação para os professores que precisarem de licença e tiverem alguma dificuldade?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Nossa recomendação é que procurem o nosso jurídico. Porque aí, por exemplo, digamos que no mês você ficou doente e começa a ter faltas injustificadas no mês. A gente consegue tirar as injustificadas até sair a concessão da licença.

Jornal GGN – Vocês entram com um mandado de segurança em nome do professor e aí as faltas não são consideradas injustificadas e ele consegue receber o salário dele normalmente?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Essa questão está sendo tratada com a gestão para tentar ver isso. Porque como é que faz? Todo mundo agora para ficar doente vai ter que entrar com liminar? Eles estão judicializando a saúde do professor. Aliás, todos os secretários do Alckmin estão sempre ligados à justiça.

Jornal GGN – E a APEOESP tem estudos de que, pelas condições, o professor está mais vulnerável a determinados problemas de saúde do que outras categorias?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Sim. O primeiro é estresse, 48,5%. O segundo lugar são problemas de voz, por conta de usar muito a voz. Depois vem a rinite e alergia ao giz 33%. E a obesidade, que eu falei para você, 31,8% são os professores em situação de obesidade. E 41% enquadrados como pré-obesos. E 43% dos professores afirmam que não realizam nenhuma atividade física.

Depois, 30% dos que entram com pedido de licença têm o diagnóstico confirmado. E a tendinite e bursite, que são desenvolvidas de ficar com a mão na lousa, escrevendo, 29% também.

Jornal GGN – Isso do universo total dos professores ou do universo de professores doentes?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Do universo total dos professores. Problemas de pressão arterial atingem outros 30%. Tem professor que morre na sala de aula. Já tivemos casos.

Jornal GGN – Existia outra regra do governo que limitava o número de faltas para consultas e tratamentos médicos a seis por ano. Isso ainda existe?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Sim. É a lei do Serra. Ela ainda é utilizada.

Quer dizer, não tem nada que convide para a carreira. Não acho que isso deveria ser um convite, mas não tem nada que mostre que o professor trabalha com todas as condições. Não tem.

Você dá tudo de si, mas o estado lamentavelmente não investe na pessoa. Então, há uma desumanização no trato.

Jornal GGN – Como o professor efetivo escolhe o horário das aulas, se vai ser de manhã, de tarde ou de noite?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Não escolhe. É de acordo com o que tiver no processo de atribuição. Essa é uma luta que a gente faz também. Os diretores têm escolhido. Mas é volátil isso. Com essa história de fechar classe, abrir classe, tem uma instabilidade muito grande. Você não sabe em que período vai trabalhar. É intenso. Então, você não tem como pensar no segundo empego. A não ser que você reduza a sua participação no magistério o máximo possível, com a carga reduzida de 12 horas/aula por exemplo.

Jornal GGN – A carga normal que a maioria dos professores faz é de quantas horas/aula?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Pode chegar a até 64 horas/aula semanais. O que é um absurdo. Em vez disso, se a gente tivesse salário, pegava 40 horas semanais e ainda assim seria bastante. Mas com 40 horas, se você tem a carga horária direitinho na mesma escola, é tranquilo, você trabalha. O problema é pular em cinco, seis escolas.

Jornal GGN – O estado de São Paulo aplica aquela lei federal que limita a 66% as atividades em salas de aula e reserva 33% às atividades extraclasse?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Não. Em absoluto. Nós acabaríamos com metade das doenças. Eu cansei de falar com vários secretários: “vocês deixam de investir no ser humano e gastam com o adoecimento dele”. Porque o fato de fazê-lo cumprir uma jornada estafante, a procurar outro emprego, a fazer com que ele não tenha tempo para atividades extraclasse…

Isso significa que: hoje, o professor tem 40 horas semanais. 32 vezes ele entra na sala de aula e oito ele fica fora para preparar aula, corrigir prova etc. Na jornada do piso, essa situação mudaria substancialmente. Numa jornada de 40 horas, 26 ele iria para a sala de aula e 14 ele ficaria fora. Isso faz diferença. Ele não ia mais levar trabalho pra casa.

Porque para corrigir prova, dependendo da disciplina… Eu sou professora de português, literatura… Você dá uma redação, redação não dá para deixar para depois, tem que pegar hoje e corrigir hoje. Porque a avaliação não é só objetiva, ela também é subjetiva. Ela tem a ver também com o emocional de quem está corrigindo. Se eu corrijo um tanto hoje e um outro tanto amanhã, eu posso alterar o meu padrão de correção. E aí dança o aluno.

Não ter esse olhar, para mim, é o maior empobrecimento que esse governo faz. Ao invés de investir na saúde do professor, com condições de trabalho e tudo, ele vai gastar mais, porque ele vai gastar com o adoecimento. E aí ele tem que pôr outro no lugar para dar aula. E aí ele gasta com o eventual.

Jornal GGN – Os regimes de contratação dos professores eventuais também têm seus pontos criticáveis…

Maria Izabel Azevedo Noronha – Trabalho escravo. Pelo amor de deus!

Jornal GGN – Como é que funciona? Nós ouvimos relatos de professores que só têm contrato dez meses no ano, que ficam dois anos sem receber férias…

Maria Izabel Azevedo Noronha – A lei original era: trabalha um ano e fica um ano fora, só pode voltar um ano depois.

Significava que se eu pegasse aulas este ano, no modelo de contrato antigo, eu não poderia pegar no ano que vem. Só que eu ia ficar um ano desempregada? Não. Eu ia procurar outro emprego.

E eles limitavam as faltas também, às mesmas seis por ano. Aí ele só receberia as férias no final do contrato, sem nenhum adicional. E saía só com isso, com uma mão na frente e outra atrás.

Nesse novo contrato, o que mudou? Uma nova contratação de temporários até que tenha o concurso. Porque para nós o que é viável? O concurso. A melhor forma de contratação é o concurso público.

Jornal GGN – O temporário não entra por concurso público?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Eles faziam provas para temporários. Mas era tão vergonhoso que mesmo o professor reprovado era chamado para dar aula porque não tinha professor. Era desmoralizante. A gente falou para eles acabarem com essas provas porque estava ficando vergonhoso.

Você faz uma avaliação desse tipo quando você tem um excedente de candidatos por vaga. Mas se você não tem um excedente porque não tem atrativos para a carreira, você tem que pôr esse povo na sala de aula e dar formação continuada.

Não adianta fazer provinha se você sabe que 75% das escolas que formam professores são escolas particulares de péssima qualidade.  Então, você tem que ver também a origem da formação desses professores.

As universidades públicas oferecem poucas vagas para professores. A não ser esses projetos nacionais que saíram, de segunda licenciatura, ou mesmo a licenciatura, os incentivos que saíram para isso. Acabou que incentivou mesmo as universidades a oferecerem cursos de licenciatura.

Mas o que se observa? Ano a ano diminui a demanda de jovens que querem ser professores. Eles não querem ser.

Então, você entrar na lógica de fazer provinha para ser temporário, você reprova. E daí, como não tem professores, eles te chamam mesmo assim. Isso desmoraliza o processo. Faz o seguinte: constata que faltam professores, que não está boa a formação, e dá a formação continuada.

Jornal GGN – E como seria a formação continuada? Um curso do estado?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Você pode oferecer fazendo convênio com universidades. Nós temos universidades públicas de monte. Pega a UNESP, a UNICAMP, a USP. Elas têm que devolver para a sociedade o que a sociedade paga.

Por isso a jornada do piso que você mencionou é tão importante. Não somente para o professor ficar lá na sala dos professores. Não. Você pode trabalhar a formação continuada dele na própria escola. Aliás, é o ideal, porque tem um repensar da prática pedagógica. Você une teoria e prática. E também alteraria toda a formação inicial, que é muito, muito distante da escola real.

Jornal GGN – E essas ocupações das escolas pelos estudantes? Isso motiva alguma esperança de mudanças?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Sim. A APEOESP apoiou muito isso. Estimulou também. Em regiões do interior fomos nós que abrimos as escolas e falamos ‘vamos entrar’. E demos a retaguarda do lado de fora. Então, eu acho que isso escancarou a situação das escolas públicas. E quando você tem mais do que o professor dizendo que aquilo não está bom, a tendência é ganhar sensibilidade da sociedade. E é para ser assim.

Jornal GGN – E os alunos estão se apropriando dessas pautas também?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Sim, tanto que a gente vai ter um Congresso Popular de Educação, nos dias 15, 16 e 17 de março. E não é um congresso da APEOESP, é popular. É de todos que participaram das ocupações e mais aqueles que queiram agregar.

Isso é importante. São pautas que vêm do chão da escola pública e a gente não quer que aquele momento, no qual a APEOESP começa a denunciar que vai fechar, se perca. Porque na verdade o levantamento que nós tínhamos era de 162 escolas. E daí o governo recua e apresenta 92. Muitas escolas ainda. E que iam fechar turnos e ia mexer. E aí vem a molecada e participa de todas as atividades, entra nas escolas e começa toda essa denúncia de que a merenda está ruim…

Houve até casos de escolas que não estavam na reorganização e também foram ocupadas. A Escola Anhanguera, por exemplo, tem 3200 alunos, mas ali foi com o objetivo de demonstrar: como ter 3200 alunos ali com água entrando por todos os lados. Não podia chover. Então, isso foi escancarado.

Foi um ano muito ruim, embora o governador esteja aí alterando os dados do SARESP para dizer que ‘o melhor ano da educação foi 2015’.

Jornal GGN – Eles estão maquiando o resultado do SARESP?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Estão sim. Eu afirmo com tranquilidade. Como é que, em um ano que teve a maior greve de professores da história da educação paulista, depois teve a ocupação das escolas, como é que foi o melhor ano da educação de São Paulo? Me responda. Se há factibilidade? Se não é um governo que tenta trabalhar com dados superficiais, factoides?

Jornal GGN – Tem algum outro dado que possamos usar para confrontar os resultados do SARESP?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Nem precisa de outros dados. Se 200 escolas não participaram, o resultado já não reflete a realidade. 200 escolas não participaram do SARESP ano passado, foram as escolas ocupadas. Acabou a amostragem. Você não tem uma série histórica.

Jornal GGN – Então, quais são os grandes gargalos hoje do cotidiano escolar?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Tem a ver com a superlotação, fechamento de salas, turnos, essa é uma questão central. A necessidade de mudar todo o contexto escolar, o projeto arquitetônico, a forma como as salas estão dispostas.

O jovem atual não se enquadra nessa escola. Ela não é uma escola que convida o aluno para ficar. Ela expulsa, ela joga para fora.

Esse desvio da merenda é frontal. É um ataque frontal à dignidade. Se o menino vai ficar cinco horas na escola, ele tem que ter alimentação.

Jornal GGN – E isso caminha para uma solução, ou vai acabar não dando em nada também?

Maria Izabel Azevedo Noronha – Não vai não. A gente vai lutar muito. A gente tem atividades agendadas na Assembleia Legislativa.

Jornal GGN – Para punir os culpados e reorganizar o serviço?

Maria Izabel Azevedo Noronha – E fazer mais do que isso: devolver o dinheiro para a educação. Tem que ser. Quando se trata do governo do PSDB, tenta-se tapar o sol com a peneira. Você vê o tom que dá para um triplex e o tom que está dando para o caso das merendas, que é tirar comida da boca das crianças.

Eu não estou minimizando. Estou dizendo que é uma coisa desproporcional. E só está indo para a imprensa por conta de briga político-eleitoral. Quer dizer, o presidente da Assembleia Legislativa manifestando a vontade de ser candidato ao governo em 2018, e o outro que é secretário de Segurança que quer ser também. Estão brigando entre si, e a coisa apareceu.

Então, é assim que aparece. A coisa é muito por debaixo dos panos. Tem aí a lei da “não transparência”, do próprio governador, que é para não mostrar as coisas como são. Então, é isso. É isso que eu vejo como preocupante.

O reajuste zero para professor, não vai ser possível, não vai dar pra ficar com blá blá blá que há uma crise. Há uma crise sim, eu reconheço que há. Mas quando o PIB crescia a 7,5% e o estado arrecadava muito, essa justificativa não era usada para crescer o nosso salário. Agora, a crise é utilizada para barrar esse reajuste. Então, eu acho que vai ser um fator determinante também.

Jornal GGN – Quando deveria entrar o reajuste para os professores este ano?

Maria Izabel Azevedo Noronha – A nossa data base é março. Mas eles não apontam nada. Eles falam que é julho. Março ou julho tem que sair alguma coisa. A gente vai brigar e tem que sair.

Tem que lutar pela dignidade do professor. É o profissional que está ali e, eu estou sentindo assim, ele está encurralado. Eles pegam questões que são óbvias e transformam no grande problema da vida dos professores. Como isso que você abordou aqui comigo: o direito de adoecer, pelo menos. Nem isso ele tem direito.

Eu resumo em uma frase: o trabalho de professor no estado de São Paulo é escravo.

Redação

9 Comentários

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  1. Todos deveriam ir para o

    Todos deveriam ir para o INSS.

    A disfunção está em se ter funcionáritos “estatutários”.

    Claro que essa medida do Governo é absurdo, mas o buraco é bem mais embaixo.

     

  2. É curioso que o governador

    É curioso que o governador tenha recebido 70% dos votos validos e venceu em primeiro turno. Quandos professores votaram em sua reeleição? Quantos votaram em José Serra? Será que essa população paulista, inteligente e trabalhadora, não sabia o que estava escolhendo? Será que a midia hegemônica é tão poderosa assim? 

    Como será a proxima eleição? O psdb será o grande vencedor em São Paulo? Ou o Pt, corrupto será destruído? Essa resposta caberá a população paulista responder.

    1. Não faz sentido

      Realmente não faz sentido aprovam o cara no 1º turno com mais de 70%, conforme o colega, e depois ficam reclamando. Sinceramente esse medo desesperador a um partido não faz bem á saúde.

  3. A patifaria com os professores do estado de SP

    Quem vai querer ser professor nessas condições ? Professor no estado de SP so pode viver doente, com as condições de trabalho que lhe impõem e o salario indigno da classe.

    Governantes que não respeitam professores e não os dignificam não deveriam nunca mais serem eleitos a nada. São patifes que entendem que a educação deve ser privada e o dinheiro publico gasto em outra coisa, de preferência com sua propaganda e marketing.

  4. O q me espanta é q ainda haja quem queira ser professor

    Fazer uma faculdade para ganhar o salário indigno que ganham e nas péssimas condiçoes de trabalho q têm.

  5. Estado de são paulo, faz o

    Estado de são paulo, faz o possível para tornar INIMIGO DOS PROFESSORES!

    Sem levar em conta que futuramente os estudantes serão a MÃO-DE-OBRA QUALIFICADA que vai gerar GANHOS DE PRODUTIVIDADE para a indústria paulista…

    Boas lembranças de seu período escolar torna-se mais difícil…

    Voilá, você está no psdb – fodas o futuro!

  6. Grande midia

    Uma entrevista bem eleborada e bem respondida, pena que as grandes midias não divivulgam. A maioria dos colegas acreditam na “velhinha de Taubaté” e não acredita no sindicato que ate agora defendeu os interesses da classe. Meus sentimentos.

  7. Vou ler depois , mas de imediato

    conto que em 2013 fui fazer exames em Barretos pelo IAMSPE e no momento do atendimento Empregado do Laboratório informou que o Governo havia cortado os exames, portanto quem tinha senha até tal numero seria atendido. Muitos foram embora, outros que podiam pagaram, pois eram pacientes com problemas mais graves.

          Telefonei para Diretora da Associação em Ribeirão Preto e para minha surpresa nem sabiam que havia mudado os procedimentos paraPerícias, não sabiam de nada.

           Geraldo Aidimim é assassino, não se importa com a vida. Policiais Militares foram autorizados a fazer bico para ganhar um pouco mais, quando deveriam estar descansando.

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