A hora dos caciques: janela partidária e definição das nominatas na Baixada Fluminense

A baixa programaticidade dos partidos políticos a nível municipal fica evidente com a chegada desse imprescindível marco eleitoral

Reprodução – via Brasil de Fato

A hora dos caciques: janela partidária e definição das nominatas na Baixada Fluminense.

por Mayra Goulart e Victor Escobar

A legislação eleitoral estabelece como prazo limite para filiações partidárias seis meses antes do pleito. Para as eleições municipais de 2024, os pré-candidatos, dentre eles vereadores de mandato, secretários e lideranças locais, precisariam definir seu paradeiro partidário até o dia 06 de abril. Este período que antecede o encerramento da janela partidária, que compreende os trinta dias nos quais os candidatos que possuem mandato podem trocar de legenda, é um momento de efervescência entre as elites políticas, no qual fica nítida sua desconexão com a sociedade que devia representar.

No sistema político brasileiro as eleições proporcionais se organizam em torno dos partidos políticos. É a partir deles que os cargos no legislativo são distribuídos, servindo os votos nominais apenas para organizar a lista dos membros de cada legenda que serão contemplados, mas os mandatos pertencem aos partidos. Esse entendimento resulta de uma aposta na sua dupla função: a primeira e mais importante seria organizar as preferências na sociedade e canalizá-las para o plano do Estado; a segunda seria organizar os representantes para que os processos políticos decisórios ocorridos dentro dos Poderes constitucionais, nomeadamente Executivo e Legislativo, decorram de forma mais eficiente.

A baixa programaticidade dos partidos políticos a nível municipal fica evidente com a chegada desse imprescindível marco eleitoral da campanha política. Em geral, o que se observa é um intenso fluxo partidário de vereadores de mandato a depender da conjuntura política local, variando nos partidos que terão as nominatas montadas em torno do prefeito e da oposição. Isso depende não só das composições locais, como também da posição que o prefeito mantém perante às forças políticas do estado. Esta variável, que demonstra a centralidade do Poder Executivo em âmbito subnacional, é tão mais central quanto for o tamanho do município. Via de regra quanto menor a magnitude do distrito, isto é, o número de cadeiras no legislativo municipal, maior a centralidade do prefeito na definição das candidaturas passíveis de serem vitoriosas e maior a sua capacidade de influenciar os vereadores uma vez eleitos.

A última semana para filiação partidária costuma ser a mais decisiva. Dentre reuniões, análise de conjuntura e cálculos eleitorais, os pré-candidatos observam suas reais chances de sucesso eleitoral a depender da nominata que está sendo elaborada, decidida pelos organizadores da campanha e lideranças políticas da região, geralmente do candidato a prefeito. Neste ano a disputa pela nominata se torna ainda mais acirrada, tendo em vista a mudança na legislação eleitoral que reduziu o número de candidatos a ser lançado por cada legenda ou federação de legendas. A lei 14.211/2021 alterou o tamanho das nominatas. Até então, as legendas podiam lançar candidatos na proporção de 150% do número de cadeiras de cada distrito. Com a mudança, que começou a ser aplicada nas eleições de 2022, elas somente poderiam lançar 100% do número de cadeiras + 1, o que indica uma redução expressiva no número de candidaturas e, por conseguinte, um aumento da competição entre os possíveis candidatos para conseguir um lugar ao sol. De todo modo, a troca de partido, ou até mesmo de posição na relação entre governo e oposição, não vai ocorrer por motivos ideológicos ou programáticos, mas sim de maneira estritamente pragmática.

O que se observa no universo político local é que supostas preferências partidárias são facilmente abandonadas em prol de condicionantes personalistas. Ou seja, mais importante do que questões programáticas, a escolha de um partido político pelos possíveis candidatos se dá a partir da relação e proximidade com as lideranças locais, seja por questões pessoais ou de coordenação eleitoral do grupo político. Quanto mais caciques locais existem, maior a possibilidade de aberturas ou impedimentos a certos partidos políticos.

Nesse espectro, temos as especificidades da Baixada Fluminense. A região, composta por 13 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, concentra cerca de 20% do eleitorado do estado, incluindo o segundo e os quartos maiores colégios eleitorais, respectivamente Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Além disso, mais do que a representação numérica, a Baixada Fluminense se destaca por conseguir reproduzi-la em representação política. A partir do critério de domicílio eleitoral, do total de 70 deputados estaduais e 46 federais do estado do Rio de Janeiro, a Baixada Fluminense conta com 15 deputados estaduais e 11 federais que possuem domicílio eleitoral em um dos municípios da região.

Um dos motivos para essa representação é que a Baixada Fluminense atualmente possui nomes de relevância política no cenário estadual e nacional. Os grandes líderes partidários deixaram de se concentrar na capital. Essa inferência se mede através dos presidentes dos partidos, das composições de diretórios e de posições em cargos estratégicos. O município de Duque de Caxias conta com Washington Reis, um dos últimos caciques sobreviventes do MDB, e com o deputado federal Aureo Ribeiro, presidente estadual do Solidariedade e líder do partido na Câmara dos Deputados. O ex-presidente da ALERJ, André Ceciliano, foi duas vezes prefeito de Paracambi, um dos menores da região. Nova Iguaçu é o domicílio eleitoral de Lindbergh Farias, ex-senador e atual deputado federal, que assumirá em 2025 a liderança do PT na Câmara, e de Dr. Luizinho, quarto deputado federal mais votado do estado, presidente do Progressistas. Waguinho, prefeito de Belford Roxo que foi protagonista regional na disputa presidencial no segundo turno de 2022, sendo o único prefeito da região a apoiar a candidatura de Lula, é presidente estadual do Republicanos. É sobre esses últimos que recairá nossa leitura sobre personalismo.

Na reta final das filiações partidárias, o grande protagonista em Nova Iguaçu foi Dr. Luizinho – que se consolida também como um dos principais políticos do estado. O candidato escolhido à sucessão do prefeito Rogério Lisboa (PP) foi o atual presidente da câmara dos vereadores, Dudu Reina, eleito para seu primeiro mandato na eleição de 2020 pelo PDT. O pré-candidato foi acolhido pelo Progressistas para disputar as eleições, demonstrando a influência partidária do deputado. A força de Dr. Luizinho nos bastidores políticos não se resumiu apenas a questões partidárias, pois sua expressividade político-eleitoral garantiu a indicação de sua irmã como possível vice-prefeita dessa chapa. Para não criar uma chapa “puro sangue”, Luizinho intermediou a filiação de sua irmã ao PL, partido do Governador Cláudio Castro, reeleito em 2022 em primeiro turno vencendo em 91 dos 92 municípios, do qual o deputado foi secretário de saúde.

Uma das marcas do personalismo na política é o que chamamos de “familismo”, que encontra na Baixada um terreno propício e que é observado na escolha de candidatos à sucessão nas prefeituras. No município de Duque de Caxias, nas eleições de 2020, o escolhido para ser candidato a vice-prefeito na chapa de Washington Reis, que se tornou vitoriosa, foi seu próprio tio, conhecido na cidade como Tio Wilson, que assumiu a prefeitura em 2022 com o afastamento do prefeito em prol das eleições daquele ano. Para 2024, o escolhido para representar a família à sucessão na prefeitura foi um sobrinho de Washington Reis, Netinho Reis. A consolidação política da família na região garantiu a reeleição dos irmãos de Washington Reis, Gutemberg Reis e Rosenverg Reis, a cargos legislativos nas eleições de 2022.

A disputa do município de Belford Roxo é marcada por rompimento de alianças, reconfigurações partidárias e posições personalistas. Nesse caso, os antigos aliados Waguinho, o atual prefeito, e Márcio Canella, deputado estadual que foi vice de Waguinho em seu primeiro mandato, agora estão em lados opostos. A crise entre os dois possui inúmeras camadas que passam desde o apoio a candidatos diferentes nas eleições presidenciais de 2022 a disputas partidárias, que culminou na saída de Waguinho do União Brasil, partido do qual era presidente, mas o estopim se deu pela escolha do candidato à sucessão à prefeitura de Belford Roxo. Dentro do grupo político, a candidatura de Marcio Canella foi preterida pela escolha de Waguinho à candidatura de seu sobrinho, Matheus Carneiro, que pela primeira vez será testado nas urnas.

O personalismo na política subnacional transpassa as barreiras municipais. Como exemplo, em um outro município da Baixada Fluminense, que não era domicílio eleitoral nem de Waguinho nem de Luizinho, as forças políticas locais decidiram montar de cinco a seis nominatas. Para isso, montaram comissões provisórias municipais próximas aos mandatos. Foi designada uma central de filiação, onde os pré-candidatos compareciam para assinar a ficha. A palavra final da filiação não era do pré-candidato, mas sim das composições políticas que montaram as nominatas. Ou seja, se o candidato quiser competir junto ao grupo político, que vá para o partido por ele designado.

Entretanto, nem tudo foi aceito sem discussão. Uma pré-candidata, ao descobrir que seria filiada ao Republicanos, pediu para ser trocada para qualquer outro partido, independente da agremiação, porque teve problemas com a prefeitura de Waguinho quando foi contratada como prestadora de serviço terceirizada no município. Em um outro momento, em que os presidentes municipais dos partidos discutiam sobre eventual troca de candidatos entre nominatas, um nome foi expressamente vetado: o candidato veio para o Progressista do município a pedido de Dr. Luizinho.

Esses eventos, apresentados acima, demonstram que os partidos importam, primeiramente porque todo candidato precisa de uma legenda para concorrer às eleições, depois porque, após a reforma eleitoral de 2015, a principal origem legal dos recursos de campanha é pública e captada através dos partidos: o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que este ano foi definido em R$ 4,9 bilhões, a maior destinação de recursos para eleições municipais da história. Detentores do monopólio da representação e do dinheiro que alimenta as dinâmicas eleitorais, as legendas são elementos fundamentais da dinâmica política brasileira. No entanto, uma vez que a legislação eleitoral não regula seus modos internos de operação e definição das candidaturas, os partidos, sobretudo na dimensão subnacional, seguem funcionando a partir de lógicas personalistas nas quais são os caciques locais que ditam as cartas, à revelia dos reais interesses dos cidadãos que deveriam representar.

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