Candidatos e imaginário social – ensaio projetivo a partir do jogo do bicho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Candidatos e imaginário social – ensaio projetivo a partir do jogo do bicho

por alunos da FESPSP

Este texto contempla os resultados de um exercício em pesquisa qualitativa, utilizando técnicas projetivas, feita pelos alunos de pós graduação do curso de Opinião pública e Inteligência de Mercado, para disciplina “Opinião Pública e Pesquisa Eleitoral”.

A atividade foi realizada no dia 26/09/2018, durante o período noturno, em torno da FESPSP. Portanto, trata-se de um exercício, sem pretensão científica, que gerou uma análise interessante para compreender aspectos subjetivos dos eleitores. A coleta de dados obedeceu aos seguintes critérios: os estudantes foram divididos em seis duplas e cada dupla ficou responsável pela realização de duas entrevistas, considerando apenas a variável sexo.

As entrevistas constavam de duas perguntas: espontânea (falo o nome do candidato e você me diz qual o bicho que vem a sua cabeça) e estimulada (falo o nome e você associa a qual dos bichos da cartela), sendo que à aplicação desta utilizava cartela colorida (talvez em preto e branco o resultado fosse diferente) com os bichos do jogo de bicho, conforme imagem abaixo.

A escolha por tal configuração facilitaria a identificação de animais, além do jogo também fazer parte do imaginario social brasileiro, e porque não dizer, do jogo politico. Os candidatos seguiram a ordem que apareciam nas pesquisas até tal data, sendo: (1) Bolsonaro, (2) Haddad, (3) Ciro, (4) Alckmin, (5) Marina e (6) Amoedo. Os resultados foram compilados, gerando um quadro de respostas que serviu como base para ÀS análises:

Montamos duas nuvens de palavras com base os resultados, uma considerando as respostas espontâneas (rosa e verde) e outra as respostas estimuladas (azul e verde).

Na espontânea o mais citado foi o cachorro, animal mais associado ao candidato Ciro Gomes, Alckmin e Marina. Essa é uma figura bem diversa que nos remete tanto à agressividade quanto à docilidade. Neste caso em especial, entendemos que essa referência se relaciona à ideia de lealdade e docilidade, mas também pode ter uma interpretação positiva ou negativa. A lealdade pode atrelar-se ao povo e seus valores e ideologias, por outro lado, também pode ser vista enquanto lealdade ao outro, como a um partido ou outro político. Já a docilidade nos faz visualizar um candidato que coloque panos quentes e não tome lados extremos em nenhuma situação. Também denota alguém que seguiria aquilo que outros querem, isto é, uma imagem que remete à ausência de um espírito de liderança.

No caso da pergunta estimulada, a palavra mais associada aos candidatos foi “burro”. Fica evidente que “burro” expressa a insatisfação com a politica de modo geral. A imagem do burro, na cartela, foi associado aos candidatos: Bolsonaro, Ciro, Alckmin e Amoedo. Esse animal traz uma conotação negativa e que está inserido no imaginário como ignorante, estúpido e grosseiro, características antagônicas quando pensamos na imagem ideal de um presidente.

Após expor quais animais surgiram de maneira geral e algumas correlações possíveis, é interessante fazer um recorte por candidato e analisar as principais características em cada caso.

Concorrendo pelo PSL, Jair Bolsonaro, teve sua imagem relacionada 5 vezes à cobra, 2 ao burro e ao jumento, 3 ao leão e ao touro, além de outros animais considerados nojentos no imaginário popular, tais como: lesma, rato e pomba. O total de animais para cada candidato foi de 24.

Tanto na pergunta estimulada quando na espontânea as características mantiveram uma constante. Assim, é interessante ressaltar alguns pontos acerca da representação desses animais no imaginário popular. Começando pela cobra, ela é identificada à idéia de má índole, astúcia e dissimulação. É um animal envolto de conotação negativa originada, sobretudo, de preceitos cristão, representando a tentação que condena o homem a viver for a do paraíso. Já animais como Burro e Jumento, agrupados por apresentarem sentidos próximos, se relacionam em grande medida à ignorância, estupidez e grosseria. É um animal xucro que se limita a obediência e trabalhos penosos. Imagem contrária, por exemplo, do leão e do touro, que representam força, coragem, embora sejam intrataveis. São animais com muita potência, mas perigosos, demandam constante estado de atenção. Por fim, lesma, rato e pomba estão muito próximos do sentido de asco, lentidão, sujeira e, o rato em especial, trapaceiro e parasita.

Com os quatro animais mais relacionados ao candidato, conseguimos criar duas escalas, uma de poder e outra de medo ou risco:

Associações, em sua maioria, masculinas

Associações, em sua maioria, femininas

O candidato, Fernando Haddad (PT), teve sua imagem associada a 15 animais diferentes. Considerando as perguntas espontâneas e estimuladas, o candidato foi relacionado mais frequentemente com os animais leão, tigre e gato que podem representar alguém com coragem, esperteza em evidência, além de serem animais usados para se referir à aparência física. Outros animais citados também reafirmam tal impressão, como à arara, o pavão, o cavalo e a garça. Considerando animais que podem ter uma conotação negativa, foram citados: porco, urso, macaco e cachorro. Enquanto os dois últimos podem ser associados à atributos como pouca personalidade, imitador e obediência, os demais podem indicar alguém, rude e deselegante. Essa diferença entre percepções pode ser explicada pela imagem que o candidato possui e sua associação ao Partido dos Trabalhadores, remetendo também à época em que Haddad foi prefeito da cidade de São Paulo. Outros animais como quatí e quero-quero não são tão comuns no imaginário popular e, assim, não podemos atribuir um significado no conjunto.

Sobre o candidato Ciro Gomes do PDT, somando as menções da pesquisa estimulada e espontânea os animais mais citados foram águia e cachorro, com três citações cada, seguido por leão, pavão, macaco e elefante com duas cada. De maneira predominante, são mencionados animais predatórios, fortes e resistentes. Considerando apenas as mulheres, à tendência maior foi assiciar animais dominantes, como búfalo e elefante. Enquanto os homens citaram animais que podem ter interpretações ambíguas, tais como o cachorro e o macaco. Enquanto o primeiro pode ser associado a inteligência e lealdade, também possui a característica da obediência, docilidade e facilidade de adestramento. Reforçando tal peculiaridade, verificamos um entrevistado do sexo masculino de 42 anos, que na espontânea associou o candidato ao cachorro, na estimulada associa ao burro, demonstrando as múltiplas possibilidades interpretativas do mesmo animal. O mesmo vale para o macaco que pode ser visto tanto como um animal astuto, ao mesmo tempo que jocoso, caricato ou primitivo.

O candidato e presidente do PSDB, Geraldo Alckmin, teve sua imagem frequentemente associada ao burro e, de maneira predominante entre os homens, ao jacaré. Há também uma associação forte à seres menores, fugidios e próximos ao chão como barata, tatu, rato e tartaruga. Curiosamente houve somente uma associação com o tucano, animal símbolo do partido e possivelmente à referência mais imediata.

A candidata Marina Silva, não teve sua imagem associada a nenhum animal forte, tais como leão, tigre ou touro. Além disso, apresentou muitas diferenças se compararmos as respostas espontâneas com as estimuladas. Nas primeiras as associações foram três vezes tartaruga e duas vezes cachorro. Respostas como “camelo” e “lesma” também surgiram. Sendo assim, entendemos que há maior identificação da candidata com animais vagarosos, lentos e inofensivos. Ela também foi associada à galinha, ao pavão, ao avestruz e à borboleta, associações que levam à ideia “aquela que cisca”, exibicionista quando tem oportunidade. Já na estimuladas, predominam as relações ao coelho, três vezes, símbolo da fertilidade, da vida e da astúcia. Portanto, diferente da tartaruga, tão presente nas espontâneas, os respondentes têm uma visão dúbia de Marina Silva. Ainda na estimulada, a candidata foi frequentemente associada à borboleta, três vezes também. Símbolo da transformação, mas, que também pode ser efêmera e inconstante. Á associação com o avestruz, duas vezes, pode ser lida por ser um animal que corre mais que seus adversários, mais constrasta com as respostas espontâneas.

Candidato pelo Partido Novo, João Amoêdo, foi mais vezes associado à cabra, tanto na espontânea, como na estimulada. Considerando o senso comum, a cabra pode ser vista como um animal de hábitos joviais, remetendo à independência, rebeldia e determinação desnorteada. No geral os animais se distribuíram da seguinte forma: entre os entrevistados com até 20 anos, o candidato foi associado à animais que evocam inteligência, altivez e agilidade, mas, que também podem estar relacionados ao oportunismo, causando rejeição e/ ou medo, tais como: sagui, formiga, barata, galo, cobra e porco. Entre os entrevistados de 21 a 40 anos, ele foi relacionado a diversos animais: rato, grilo, coelho, asno, burro, cavalo, porco, avestruz e carneiro. Esse conjunto não permite estabelecer algum padrão característico, possivelmente porque à candidatura é pouco conhecida por parte dos eleitores, haja vista sua posição nas pesquisas eleitorais, além de não se aproveitar do recall, isto é, as vantagens que os candidatos já conhecidos têm, sobretudo no começo de campanha.

Para além do caráter lúdico da técnica, é interessante observar as distorções entre à imagem projetada para o eleitorado e a imagem percebida. São inúmeros os caminhos que interferem nas categorias de percepção: preconceitos, capital cultural e econômico, ideais e frustrações, entre outros, confluem para uma representação do mundo e das coisas. Aqui pudemos analisar, ainda que de maneira limitada, algumas dessas representações, ampliando a compreensão acerca do funcionamento da cabeça do eleitor. ——

Assinam este artigo: Beatriz Ramires de Britto, Camila P. Monteiro Costa, Danilo de Oliveira Romano, Débora Toniolo, Felipe Pragmacio Travassos Teles, Ivair J.A. Junior, Julia Isabel Miranda Travaglini, Jimmy Augusto Moreira Pitondo, Jusuá Jihad Alves Soares, Kathleen Ângulo, Larissa Regina Ramos da Silva, Marcela Pereira Pedro, Mariana de Camargo Rodrigues, Rodrigo da Silva Pereira e Rosimeire da Silva dos Anjos, alunos da Pós-Graduação em Opinião Pública e Inteligência de Mercado/FESPSP, disciplina de Opinião Pública e Pesquisa Eleitoral, ministrada pela- profª . Jacqueline Quaresemin 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador