Pesadelos tecnológicos durante uma eleições muito estranha, por Fábio de Oliveira Ribeiro

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Reprodução

 

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

 

Eis a descrição do pesadelo que tive essa noite.

“Meu trabalho é reparar relês nos postes. Mas os postes ficam muito distantes uns dos outros.

Sou transportado de um poste a outro num aparelho curioso. Ele parece um helicóptero, mas não tem motor nem cabine.

Eu e o piloto, que é uma outra porção de mim mesmo, somos transportados pendurados na armação de tubos que é levantada no ar por uma poderosa hélice. O piloto acelera e desacelera a hélice acionando algo que parece a manopla de uma motocicleta.

Dobrando alternadamente os braços, o piloto dirige nosso estranho meio de transporte. A decolagem é violenta, mas o pouso é muito suave.

Subo no poste cheio de relês. Existem dois tipos deles. Alguns têm dois fios desligados, outros três fios desligados. Todos os outros fios dos dois tipos de relês estão ligados à rede e uns nos outros.

Os fios que saem dos relês não podem ser soldados. Então tenho que verificar quais ligações se romperam e quais ainda estão em boas condições.

O isolamento das conexões é feita com tiras de papel e coladas com cuspe. Elas costumam se soltar com o vento ou derreter com a chuva. Pequenos acidentes podem reorganizar toda a rede de relês e isso é muito perigoso. Isso explica porque sou obrigado a voar de um poste a outro sem qualquer descanso.

Com exceção dos postes, dos fios, dos relês e da manutenção, nada é muito permanente naquele circuito. Acordo.”

Como interpretar um pesadelo tão metafórico como esse?

A democracia é um circuito delicado de relações que se estende de uma casa a outra como se fosse uma rede elétrica. Cada cidadão é basicamente um relê que pode ser favorável ou contra a preservação do regime. As conexões entre os eleitores e seus candidatos são frágeis. Elas podem ser organizadas e reorganizadas pelas intempéries ou por acidentes involuntários ou intencionais.

Nada é permanente numa democracia. Mas as ligações que conectam pessoas diferentes que têm ambições distintas devem ser preservadas e reparadas. Caso contrário o prejuízo será de todos. Apenas as palavras são capazes de voar de um lado para o outro. Elas têm o poder de preservar o funcionamento do sistema.

O desejo de manter as coisas funcionando é algo que faz parte de minha personalidade. Mas eu sou apenas um ser humano e as redes de relações que se organizam na sociedade são imensas, caóticas, incontroláveis, sujeitas aos conflitos programados e perigosamente expostas à ação das forças naturais (dentre a quais podemos incluir as inundações periódicas dos ódios irracionais).

Que devo fazer? Ser um escravo da minha personalidade ou deixar as coisas seguirem um curso que parece aleatório? Aqueles que querem comandar o show tem realmente condições de controlar o futuro ou o poder de reescrever o passado?

 
Fábio de Oliveira Ribeiro

5 Comentários

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  1. Pesadelos tecnológicos durante uma eleições muito estranha

    -> Subo no poste cheio de relês. Existem dois tipos deles. Alguns têm dois fios desligados, outros três fios desligados. Todos os outros fios dos dois tipos de relês estão ligados à rede e uns nos outros.

    os sonhos que vc relata aqui são muito interessantes.

    destaquei o trecho que considero crucial: a configuração dos relês.

    -> O desejo de manter as coisas funcionando é algo que faz parte de minha personalidade. 

    da minha também. só que as vzs para manter as coisas funcionando é preciso aceitar que deixem de funcionar. ou seja: que fiquem desligadas.

    daí a necessária configuração correta dos relês, para ligar/desligar cfe. o objetivo desejado com o tráfego de comunicação.

    -> Aqueles que querem comandar o show tem realmente condições de controlar o futuro ou o poder de reescrever o passado?

    eles tem. e nós também temos. mas não do jeito que temos feito.

    .

    1. da minha também. só que as

      da minha também. só que as vzs para manter as coisas funcionando é preciso aceitar que deixem de funcionar. ou seja: que fiquem desligadas.

      Toda manutenção exige um tempo de desligamento, não?

       

      1. O médico faz a manutenção do

        O médico faz a manutenção do paciente sem o desligar da vida. A história também não pode ser desligada, suponho.

      2. Pesadelos tecnológicos durante uma eleições muito estranha

        -> Toda manutenção exige um tempo de desligamento, não?

        não. processamentos de missão crítica, 24×7, não podem ser nunca desligados. mas pode, e deve, haver sim redundância, espelhamento on-line. ou seja: caiu o principal, entra instantaneamente a contingência.

        creio que não me expressei adequadamente ao me referir a “que fiquem desligadas”.

        todo procedimento de configuração é complexo. algumas conexões devem ficar ativas, mas outras inativas. configurar na maior parte das vzs não é simplesmente inicializar (ou manter rodando) todos os processos.

        ou seja: quis enfatizar que além da manutenção corretiva (como ocorre no sonho) há também manutenções preventivas. mas o crucial é sempre uma rigorosa configuração do sistema.

        .

  2. Num governo ditatorial a

    Num governo ditatorial a sociedade pode sentir o que virá pela frente. Primeiro pelo que já viu, segundo pelo que depreende, mesmo não sendo um intelectual, um estudioso. Naqueles 2 anos de ditadura, havia em princípio um sonho de liberdade, que foi se esvaindo a cada caneta dos generais, em especial com a assinatura do AI-5. Em 68 o regime se concolidou e meteu muito medo até nos mais aguerridos na luta pela democracia. Tudo parecia muito previsível, até mesmo quando o regime foi se esvaziando, e a gente sentia que era a hoa de mudar. 

    No regime atual, mesclado de ditadura com uns pequenos traços de democracia, impera o imponderável. 

    A cada dia a gente se depara com mais uma cena no palco político, hoje comandado, mais do que nunca pelo judiciário e a imprensa. Como especadores só nos resta aguardar o dia seguinte, embora, acompanhando os cientistas políticas, e jornalistas emprenhados em debater cada momento, com a preocupação de fugir do que é falso, e se aterem apenas à realidade presente. Na verdade, nem precisamos aguardar o dia seguinte, porque é em horas que tudo muda.

    Por mais que fosse muito duro, seco, Teori Zavaski agia com um critério distintode seus pares. Vimos que até Moro teve que lhe pedir desculpas pelas trapaças feitas contra Lula e demais políticos da Lava Jato. Quem seria capaz de imaginar seu desaparecimento num desastre de avião? O imponderável.

    Fachin chegou a mudar de turma no TSE para tomar o lugar de Teori. Divulga-se que ele e Moro tem um vínculo de relacionamento bom, talvez por isso essas manobras que vimos assistindo, com o acirramento na perseguição a Lula. Talvez, quem sabe, a prisão do líder petista não tivesse acontecido com Teori vivo. Não dá pra afirmar nada sobre um homem morto.

    A morte de Dona Marisa foi um fato extraordinário – outro dado improvável na cabeça de qualquer pesoa. Estava a mulher com jeito e cara de pessoa saudável, bem disposta, apesar de muito sofrida por ver seu marido e seus filhos, e ela própria, todos os dias debaixo de muita violência. A pressão foi tanta que um problema bem acompanhado pelos seus médicos, explodiu em face dos acontecimentos, porque ninguém é de ferro. 

    Não podemos achar que aqueles tiros contra a caravana de Lula, e contra os acampamentos em Curitiba não tenham sido pensado anteriormente por muitos de nós. Naqueles dias, eu e a torcida do Flamengo tinha em mente até mesmo a materialização do crime. Achei que Lula poderia ser assassinado em praça pública. 

    O imponderável também foi a facada em Bolsonaro. Se fosse em Lula ninguém se admiraria, mas logo no capitão, amigo dos militares, cercado dele por onde anda? Pode ser que alguém tenha pensado nisso. Eu achei que a qualquer momento Bolsonaro se surpreenderia com revanches pelas minorias que ataca nos palanques e por toda parte. Nunca por uma facada ao lado de seus seguidores fanáticos.

    Sempre se pndera que é nos últimos meses de campanha que os ânimos se acirram. E hoje, como sempre, em especial depois dessa facada, tudo pode acontecer. Aí, podemos pensar que um petista será morto numa passeata ou palanque; até que uma junta militar decida barrar as eleições, se o caos piorar. Já temos generais demais envolvidos na política. 

    Mas o imponderável está latente, pronto pra aflorar mais uma vez, a qualquer momento: outo avião caindo; alguém invenenando alguém,…

    Coisa boa é que não espero. 

     

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