Collor versus Dilma: entenda as diferenças

 

de Tod@s pela Constituição

Um dos aspectos do atual processo de impeachment que mais tem suscitado debates diz respeito à comparação com outro processo, ocorrido há 24 anos, que culminou com a renúncia do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Enquanto no processo anterior poucas vozes se levantaram para acusá-lo de ilegal ou ilegítimo, o atual processo tem sido acusado de ser inconstitucional e sem legitimidade por juristas, intelectuais, artistas e cidadãos de diversas matizes ideológicas de todo o Brasil, independentemente de sua posição favorável ou contrária ao atual governo. Neste post, pretende-se então comparar os principais elementos que diferenciam o processo de impeachment ocorrido há mais de duas décadas e o atual processo em curso no Congresso Nacional.

Antes de abordarmos tais diferenças, vale inicialmente esclarecer que a análise até agora realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quanto ao processo em curso diz respeito ao seu rito, ou seja, ao modo como tal processo deve ser conduzido e tramitado, e não ao seu conteúdo em si. Neste sentido, nossa Corte Superior não se pronunciou quanto à existência, ainda que em tese, da prática de crime de responsabilidade, tendo até o momento apenas definido o procedimento que deve seguir um processo de impeachment.

Comparando-se os processos de impeachment de Collor e Dilma, tem-se que as situações políticas são similares: uma forte crise econômica, contextualizada com uma expressiva insatisfação popular e uma fragilidade da base do governo no parlamento.

No entanto, há diferenças marcantes entre o impeachment de 1992 e o processo em andamento de agora. Tais diferenças dizem respeito tanto à consistência do pedido de impeachment (crimes de responsabilidade) quanto ao processo que levou ao impeachment.

No caso de Collor, houve a abertura de um processo de Impeachment que sucedeu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), a qual foi aberta em virtude de denúncias inicialmente feitas pelo irmão do então Presidente, Pedro Collor, a respeito da existência de uma rede sistêmica de corrupção chefiada por Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha do Chefe de Governo.

Ao longo do processo investigativo, foram descobertas diversas contas bancárias “fantasmas” operadas por PC Farias em nome de laranjas. No âmbito da CPI, novas denúncias foram feitas a respeito de duas questões: a incompatibilidade entre os rendimentos de Collor e suas despesas, e o eventual uso de recursos ao longo da campanha presidencial de 1989 para o pagamento de dispêndios pessoais do então Presidente. Além disso, quantias multimilionárias foram encontradas em contas atribuídas ao ex-tesoureiro da campanha, sem justificativa aparente.

A partir da continuação das investigações, e mediante relatos de testemunhas, verificou-se que PC Farias fora responsável, por um lado, por um extensivo esquema de desvio de recursos de obras públicas, abrangendo diversos Ministérios; por outro, por viajar o país praticando tráfico de influência, consubstanciado no recebimento de propinas oriundas de empresários em troca de vantagens no relacionamento com o governo.

Mais grave, contudo, foi a descoberta de que as sobras da campanha eleitoral de 1989 estavam sendo utilizadas para pagar despesas pessoais de Collor, como foi o caso da reforma da Casa da Dinda, orçada à época em cerca de $ 3 milhões, um completo desrespeito à legislação eleitoral. Pior, os recursos captados junto às empreiteiras não foram declarados, o que claramente configurava um esquema de “Caixa 2”.

Na tentativa de justificar os vultosos recursos encontrados em contas fantasmas, o secretário de Collor, Cláudio Vieira, afirmou que eles teriam sido oriundos de um empréstimo captado junto a uma trading no Uruguai – algo também jamais declarado ao fisco. A defesa, portanto, mudara subitamente seu argumento: de restos de campanha, os recursos suspeitos passavam a significar empréstimos internacionais. A documentação apresentada pela defesa foi periciada e revelou-se falsa. Na verdade, o que ocorrera foi um esquema de lavagem de dinheiro, efetivado por meio da conversão de recursos ilícitos enviados ao vizinho sul-americano – e, à época, paraíso fiscal – em empréstimos legais.

O rastreamento do trâmite dos recursos levou os órgãos de investigação a identificar uma rede de contas fantasmas que desembocava, ao fim, em contas de secretárias particulares de Collor. O famigerado automóvel Elba adquirido por PC Farias para o ex-Chefe de Governo, que adentrou à mitologia brasileira por representar o “único” motivo pelo qual o ex-Presidente teria sofrido impeachment, na verdade foi apenas um dos casos comprovados de uso de recursos públicos para a quitação de despesas pessoais.

Foi com base nessa coleção de escândalos que Barbosa Lima Sobrinho (Associação Brasileira de Imprensa) e Marcelo Lavenére (Ordem dos Advogados do Brasil) apresentaram o pedido de abertura de Impeachment de Fernando Collor. O então Presidente, comprovadamente, cometia crime pessoal de responsabilidade, na medida em que, particularmente, malversava recursos públicos para benefício próprio.

No final, Collor foi condenado pelo Senado por seus crimes de responsabilidade, tendo seus direitos políticos suspensos por oito anos; ele buscou recorrer contra essa decisão ao Superior Tribunal de Justiça, que negou o seu pleito. No total, sofreu 14 inquéritos, oito petições criminais e quatro ações penais. No Superior Tribunal Federal, foi inocentado, em 1994, por alguns dos crimes comuns – e não por crimes de responsabilidade – pelos quais foi indiciado.

O motivo essencial para tanto não foi a comprovação de sua inocência, mas o uso de provas tidas como ilegais (quando havia, na visão de juristas da época, outras provas lícitas que poderiam ter sido utilizadas para fundamentar a condenação de Collor), e uma tecnicalidade: a Polícia Federal não dispunha, à época, de um manual sobre como preservar e analisar o material informático apreendido com PC Farias (inclusive disquetes que discriminavam propinas recebidas por empreiteiras e sua conexão com contas bancárias fantasmas – as quais, interconectadas, resultariam naquelas utilizadas por laranjas para o pagamento de gastos particulares do ex-Presidente). PC Farias, no entanto, foi condenado a sete anos de prisão.

Outros processos nos quais Collor era réu foram julgados apenas em 2014, quando já haviam prescrito. Logo, sua declaração de inocência, em sentido prático, se tornaria mera formalidade pelo Superior Tribunal Federal.

As diferenças com relação ao caso vigente, então, são consideráveis. A atual Presidenta não é investigada, muito menos ré, em qualquer processo que diga respeito à corrupção passiva ou ativa, à lavagem de dinheiro, à evasão de divisas, a enriquecimento ilícito, a peculato, a falsidade ideológica ou crimes correlatos que expressem ataque à probidade da administração pública.

Vejamos:

· Não havia controvérsia jurídica em relação ao crime de responsabilidade atribuído a Collor: a acusação baseava-se na participação de um esquema de corrupção chefiado por Paulo César Farias, sendo que surgiram provas de que Collor se beneficiou individualmente do esquema, através do pagamento de despesas pessoais e da compra de um carro Fiat Elba;

· No caso de Collor havia, ainda, depoimentos que ligavam o presidente como beneficiário direto de recursos ilícitos.

· Em relação à Dilma, a oposição reconhece que não há indícios de práticas de corrupção que envolvam diretamente a Presidenta, não havendo inquérito investigativo sobre sua pessoa.

· Também as chamadas pedaladas fiscais não podem ser consideradas crimes de responsabilidade, pelos seguintes motivos:

· O atraso de repasse de recursos para instituições financeiras oficiais responsáveis por operar programas sociais não se confunde com operações de créditos, prática esta vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF);

· Governos anteriores também atrasaram repasses para instituições financeiras (“pedaladas fiscais”) sem que isto tivesse sido motivo de reprovação de contas por parte do TCU. Embora seja possível o Tribunal mudar seu entendimento, a sanção só pode valer para casos futuros (em direito, chama-se isto de princípio da confiança legítima).

· No processo de aprovação das contas em que se verificaram as pedaladas, o TCU apenas opina. Cabe ao Congresso Nacional aprovar, ou não, as contas, que estão em apreciação na Comissão Mista de Orçamento (CMO), com parecer do relator pela aprovação.

· As chamadas “pedaladas fiscais” ocorreram antes do atual mandato, o que, de acordo com a jurisprudência do STF, impede que sejam consideradas crimes de responsabilidade, pois estes devem ocorrer durante o mandato.

· Quanto à abertura de crédito suplementar sem autorização, também há dúvida se se teria configurado crimes de responsabilidade, pois o Congresso Nacional aprovou Lei que convalidou tal prática.

As diferenças quanto à tramitação do processo também são levantadas por críticos ao atual, que alegam que a tentativa de impeachment de Dilma é um golpe institucional. O pedido de impeachment contra Collor foi apresentado após dois anos de mandato, sem qualquer influência das eleições de 1990. Por outro lado, as eleições de 2014 foram extremamente polarizadas e decididas por margem pequena de votos (51,4%). Como já abordado em outro post, antes mesmo do segundo turno das eleições, alguns jornalistas críticos ao governo já debatiam hipoteticamente um processo de impeachment de Dilma Rousseff, e, após o resultado das urnas, a oposição já cogitava apresentar um pedido à Câmara dos Deputados.

Outro ponto enfatizado pelos críticos diz respeito ao recebimento da denúncia de impeachment recebida por Eduardo Cunha, notório desafeto do governo e réu no STF por envolvimento em casos de corrupção. Notícias à época indicavam que Eduardo Cunha teria barganhado a não admissão do pedido caso o governo usasse sua influência para reverter votos no Conselho de Ética. Não obtendo êxito, o atual presidente da Câmara teria admitido o pedido de impeachment como represália ao governo. Dessa forma, alegam os críticos, haveria claramente um desvio de finalidade do ato do presidente da Câmara dos Deputados.

Assim, não basta que o impeachment esteja previsto na Constituição para que todo processo de impeachment seja legítimo. É preciso que estejam presentes os requisitos legitimadores, caso contrário, o Poder Executivo ficaria refém do Parlamento, gerando instabilidade política não apenas para o atual governo, mas também para as futuras gerações. Além disso, e ainda mais grave, o impeachment representaria uma grave violação à Constituição e ao nosso ordenamento jurídico, comprometendo todo o nosso sistema de garantia de direitos e a própria democracia brasileira.

Redação

10 Comentários

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  1. Se ficarmos apenas nos

    Se ficarmos apenas nos personagens Collor e Dilma já podemos considerar uma distância longiinqua, abissal. 

    Collor não mandou reformar a Casa Da Dinda por motivos nobres. Ali ele fez mitos bacanais, movido a muita bebida e drogas, isto dito por um PF que coneci e que conhecia a safadeza ao remexer o lixo da casa após as farras noturna. Em Braília todos conheciam o comportamento desse canalha. Envolveu- com parte das estrelas globais, como Marília Pera, Cláudia Raia,  Tereza Rachel, entre outros, fieis aos convites dessas festanças. Foram artistas como esses e outros que tiveram do governo dele muita serventia para montarem à época shows caríssimos, enquanto uma Fernanda Torres reclamava pela falta de investimento dos demais artistas para montarem suas peças teatrais. 

    Collor não teve dó nem piedade de ninguém. Fechava ministérios, e tantos outros órgãos deixando funcionários a ver navios. Mexeu até com órgão importantes como o de transplantes de órgão, conforme li sobre cientistas e pesquisadores indignados por uma série de falta de incentivos para desenvolverem no brasil o trabalho que o própro Estado havia pago a preço de outro para eles desenvolverem no Exterior. Tudo uma irresponsabilidade tenebrosa, porque o sujeito não tinha caráter, não tinha ética, não tinha moral, e se não tivesse saído escorraçado do poder, o que mais teria acontecido. 

    Dilma é divorciada, embora conviva bem com o pai de sua filha. Tem o dom de ser mãe e avó pelo que vemos na imprensa. Até hoje não houuve uma voz capaz de fazer considerações negativas sobre a vida ilibada dessa mulher.

    No meio político também nada se tem a dizer de Dilma, a não ser os idiotas que a chamam de guerrilheira, de comunista. 

    Embora ningém queira colocar isso na imprensa como uma grande verdade, jamais se teria uma Lava Jato em outro governo. Até os procuradores contrários ao PT já dclaram que nunca, em tempo algum, os governos petistas interferiram nas investigações da Lava Jato, o que prova que intdependente de quem seja o réu, a justiça tem plenos poderes para agir conforme a lei. E contando que como nós, Dilma e Lula não são idiotas pra sentirem na pele o mal que se destila a cada apenas contra o seu partido, e quando muito a outro, desde que esteja enrolado com gente do PT. 

    Esse impeachment é a razão de todos que não toleram os programas sociais dos governos petistas. Há certamente interesses escusos de aprte dos Estados Unidos nessa questão, pelos menos por até o momento Barak Obama não ter expressado um linha sobre o assunto. 

    Voltamos à estaca zero, tal como em 54, e 64. Naa há de novo nesse reino.

  2. Quadrilha de gângsteres

    Meu receio é que quando for atingido o 172º voto contra o impeachment, a quadrilha de gângsteres de CUnha convoque provocadores violentos, introduzidos subrepticiamente, na Câmara para invalidar a votação.

  3. Boicote aos produtos anunciados no PIG

    A redetolo e vejagolpe, são as grandes responsáveis pelo golpe. Sem elas os tucanoides estariam esperneando sem resultado.
    VAMOS TIRAR O DINHEIRO DELES. 
    BOICOTE, aos produtos dos patrocinadors do PIG. sendo organizado terá efeito. este Mês a SEARA.

  4. Que todos os meus amigos do
    Que todos os meus amigos do Bom Jardim, periferia de Fortaleza, e adjacências fechem os olhos e tentem lembrar quantas pessoas no nosso entorno cursavam ou haviam cursado faculdade 14 anos atrás.  Depois abram os olhos e vejam quantas pessoas no nosso entorno, hoje, tem a alegria de ser a primeira geração em suas famílias que cursam ou concluíram curso superior. O que está em jogo não é simplesmente o mandato da presidente. O que está em jogo é a própria democracia e a perspectiva de oportunidade daqueles que menos (ou mesmo nenhum) privilégio tiveram ao longo da história de nosso país. Guardem os nomes de todos aqueles deputados e senadores cearenses que apoiam esta tentativa de golpe e lembrem-se:  Eles colocaram em risco todas as conquistas sociais que, mesmo timidamente, ajudaram a melhorar a vida de milhões de brasileiros que pouca ou nenhuma oportunidade dispunham.  Vamos ‘tirar a Dilma’ sim, mas em 2018, democraticamente no voto. E vamos colocar outro(a) que nos dê a perspectiva de que os avanços sociais se ampliarão, de que se lutará para a diminuição da absurda desigualdade social existente em nosso país e de que se eliminará de vez o covarde determinismo no qual filho de sem teto teto não pode ter. Vamos mudar esta política absurda do PT, de coalizão entre bandidos, mas dizendo a parte bandida da oposição, principalmente aquela que no poder central já esteve, que não somos imbecis, que o lixo bandido das ‘seis famiglias’ já não podem mais fabricar a imagem de mocinhos e bandidos de acordo a conveniência delas.  Vamos combater sim a corrupção, mas ampliando sempre e sempre e sempre a inclusão social. E vamos deixar claro que qualquer um ou qualquer coisa que não caminhe nesta direção jamais terá nosso voto, né não?  

  5. Muito bom. Não há termos de

    Muito bom. Não há termos de comparação entre um caso e outro. Fazê-la é incidir em desonestidade intelectual gritante. 

    E nem precisa adentrar nas motivações em si: o caráter dos personagens envolvidos são antípodas. 

    Alguns tomam a arrogância como ponto tangencial. Discordo: confundem teimosia com prepotência. Collor, o primeiro presidente eleito após a redemocratização, no linguajar dos jovens: “se achava”. O ponto máximo foi  meter a mão na cumbuca da poupança dos/das compatriotas. Um tipo de audácia própria de aventureiros, e não de um estadista que o país necessitava naquela transição.

    Mais: a qualidade dos congressistas era incomparável com o restolho que hoje “habita” o Congresso. 

  6. Impeachment

    ATENÇÃO:

     

    DIANTE DA GRAVE CRISE PELA QUAL PASSAMOS, peço a todos que leiam este texto e que, caso concordem com ele, COMPARTILHEM COM O MAIOR NÚMERO DE PESSOAS E ENTIDADES POSSÍVEL, pois, somente assim, faremos com que o conteúdo do texto chegue a um número grande de pessoas e venha a contribuir com o esclarecimento acerca dos acontecimentos recentes em nosso país. Obrigado a todos, Fábio Brito.

     

    https://rebeldesilente.wordpress.com/2016/04/16/todo-poder-emana-do-povo-e-a-verdade-nos-libertara/

  7. Arrasou Nassif

    Essa leitura fez com que eu entendesse melhor o processo de impeachment do Collor e processo atual contra Dilma. Esses políticos golpistas são insanos e manipuláveis, Cunha os movimentou como fantoches. No caso do Temer esse não foi vitima de Cunha, Temer é uma raposa em pele de cordeiro talvez, ele seja pior que Cunha, porque ele age as sombras ele é maquiavélico, a sua voz mansa e calma é bem típica dos dissimulados “cara de anjo e fala mansa”, as vitimas foram os deputados otários que embarcaram na conversa do endiabrado Cunha e na raposa dissimulada chamada Temer

  8. simples. Collor se lascou 

    simples. Collor se lascou  quando sua salvação dependia do petismo, o partido de esqueda mais honesto da face da terra. Dilma não depende disto, é só uma questão de pagar o que querem que nada acontecerá. Sem levar em conta o que Collor nunca teve moral para colocar os tanques para massacrar o povo, mas ;;;;

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