Fundo de Comércio Brasil-Argentina, o que não sabemos, por Luiz Alberto Melchert

A necessidade da criação de um fundo de comércio tem motivos brasileiros e argentinos.

Ricardo Stuckert

Fundo de Comércio Brasil-Argentina, o que não sabemos

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Desde que o fundo foi aventado e deram-se entrevistas a respeito, o mercado ficou alvoroçado. A oposição exaltou-se dizendo que seria o fim da nossa moeda em prol de uma moeda única, que abriríamos mão de nossa soberania na política monetária, entre outras coisas. Como sempre, trata-se de um alarme devido à falta de noção que o Brasil e os brasileiros têm de si mesmos. A Argentina é importante e jamais se deve relevar, porém, desde a metade do século XX que sua economia não representa ameaça ao poderio regional brasileiro. Hoje, ela representa algo como o estado de São Paulo, seja em PIB em paridade de poder de compra, seja em população, mas não em área, pois o território vizinho é quase sete vezes maior que nosso estado mais rico.

A necessidade da criação de um fundo de comércio tem motivos brasileiros e argentinos. Pelo lado do Brasil, é a constante queda na relevância de nossos produtos em face das importações do país vizinho. Isso ocorre que o prazo de pagamento que hoje exigimos é de trinta dias, enquanto os demais países dão prazos bem maiores e são muito mais tolerantes à falta de divisas da Argentina, que é o principal motivo para que ela queira fazer acordo.

As explicações sobre o pretendido funcionamento do fundo estão na maioria das publicações sobre economia, não importando em que formato, se em vídeo ou impresso. Quando se diz “aventado” quer-se dizer que ainda se vai formar um grupo de estudos e que o que não se sabe supera largamente quaisquer certezas que se possam ter. O Fundo Garantidor de Exportações existe desde 1997, sofrendo alterações de regulamento desde então. Ele foi criado justamente para garantir o recebimento das exportações, em moeda local, contra eventuais riscos comerciais e políticos que estão fora do controle do Estado Brasileiro.

A proposta introduz a garantia do Banco de La Nación para que não se corra o risco de que o importador argentino deixe de pagar seus débitos, ou seja, a Argentina assegura que não haja inadimplência por parte dos importadores. Ao mesmo tempo, pelo lado brasileiro, o fundo garante que não haja prejuízos causados por falta de divisas aos exportadores nacionais.

Não havendo certeza da disponibilidade de divisas, é preciso lastrear o fundo com produtos, preferencialmente, commodities. Aí é que começam as dúvidas. Em primeiro lugar, devem ser itens de que o Brasil carece e que, de uma forma ou de outra, teria de importar da Argentina. Ocorre que as economias dos dois países têm muitas similaridades, especialmente, na agropecuária: soja, milho, carne e frutas, restando somente o trigo de que o Brasil não é autossuficiente. Resta saber se, tendo em face os contratos já assumidos para esse grão, sobra trigo bastante para compor o lastro do fundo.

O gasoduto, que a argentina almeja desde os anos 1970, a ser construído conjuntamente, ficando a engenharia e o fornecimento de equipamentos por conta do Brasil, enquanto a Argentina se compromete a pagar com parcela do gás transportado. Isso pode ser a ressurreição da nossa indústria de construção pesada, valendo-se do fundo para tornar o fluxo financeiro tranquilo e sereno. Resta saber se, por determinar preço menor que o de mercado a fim de absorver futuras oscilações, não nos tornaremos vulneráveis, repetindo-se o ocorrido com a Bolívia na primeira década do século XXI, quando o gás foi alvo de disputa por inadequação de preços. Adicionalmente, como foi anunciado, a produção futura de gás pode fazer parte do lastro do fundo ao preço combinado em seu lançamento. Será que ele existe em quantidade suficiente para, a um só tempo, pagar pela construção do gasoduto e garantir o fundo?

Por último, mas não menos importante, precisamos saber como se resolverá, dentro do nosso território, a construção de um sistema de distribuição para que esse gás atenda a mal interpretada lei de Sais. Em outras palavras, é preciso que esse gás esteja disponível para que se enseje seu consumo, criando a contrapartida em valor que se espera do projeto.

A criação de um grupo de trabalho é mais que necessária, é imprescindível para que a ideia ganhe corpo e se torne um fator real de desenvolvimento para os dois países. A nós, resta observar.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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