As manifestações do trumpismo não cessarão com a derrota nas urnas, por Arnaldo Cardoso

Explorando as muitas falhas da democracia norte-americana, Trump estimulou o cultivo da violência, da intolerância, da exaltação da arrogância da ignorância.

Ataque frustrado na Filadélfia e sugestão de decapitação feita por Bannon são manifestações do trumpismo que não cessarão com a derrota nas urnas

por Arnaldo Cardoso

Próximo de obter a marca histórica de 74 milhões de votos Joe Biden aguarda a confirmação de sua vitória nesta que está sendo vista como uma das mais tensas apurações de votos numa eleição presidencial nos Estados Unidos. E confirmada essa vitória, decisiva para os rumos da democracia norte-americana e com reflexos sobre o mundo, o clima não é de comemoração.

O fim do governo de Donald Trump não resolverá os seríssimos danos que essa perigosa aventura causou naquela sociedade. Explorando as muitas falhas da democracia norte-americana, Trump estimulou o cultivo da violência, da intolerância, da exaltação da arrogância da ignorância. Solidariedade, empatia, respeito a direitos e sensibilidade com a vida se tornaram os bens mais escassos nessa sociedade orgulhosa da sua abundância.

Em contraste a tudo isso que Trump representa     temos visto nestes últimos dias manifestações de preocupação de lideranças de diversas partes do mundo com o que está acontecendo na América. A compreensão de um destino comum que a atual pandemia vem despertando no mundo impede sentimentos de revanchismo e júbilo com o desastre norte-americano.

A preocupação se justifica pois, além dos significados políticos desse deprimente espetáculo protagonizado por essa torpe figura em palco tão simbólico – a Casa Branca – as manifestações do trumpismo tem evidenciado a gravidade da situação que o novo governo enfrentará.

Conforme noticiado pelo The Philadelphia Inquirer e pelo The Washington Post, na noite de ontem (5), após uma denúncia, o FBI desbaratou uma tentativa de atentado ao Centro de Convenções da Filadélfia onde os votos da região estão sendo apurados. Um grupo armado viajando num SUV Hummer com um adesivo do QAnon – milícia de extrema direita, conhecida pela divulgação em massa de teorias conspiratórias e que nesta eleição elegeu sua primeira representante ao Senado – foi detido e está sendo interrogado. O QAnon apóia Trump e mesmo sendo reconhecido como uma ameaça de terrorismo doméstico pelo FBI conta com a simpatia declarada de Donald Trump.

O historiador italiano Andrea Mammone, pesquisador sobre o fascismo e o extremismo de direita, no artigo “The fear & hope: Is fascismo returning?” reflete sobre  o gravíssimo episódio em que uma milícia armada norte-americana se mostrou disposta a sequestrar a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, supostamente por defender ideias que representam uma ameaça àquilo que o grupo extremista defende como correto para o país. Nas palavras de Mammone “um grupo de milícia armada sonhava com uma espécie de ‘guerra civil’, enquanto outras facções afirmavam abertamente estar prontas para invadir as capitais estaduais e colocar governadores democraticamente eleitos (“tiranos” em seu entendimento) em julgamento, ou simplesmente desafiar ordens emanadas de uma “tirania” governamental considerada inconstitucional.”

É ainda do estudioso italiano a seguinte avaliação “Quando os direitos básicos não são respeitados, os resultados eleitorais são desafiados, onde eleitores, intelectuais, imigrantes, pessoas LGBT+ e oponentes políticos são visados, e se refugiados, minorias étnicas ou religiosas são ameaçadas ou transformadas em bode expiatório, a democracia está sob pressão e pode até colapsar.”

E o que dizer das recentes declarações do ex-estrategista de Donald Trump, o arruaceiro Steve Bannon – que se auto intitula articulador da extrema-direita mundial – em seu podcast ‘The War Room’ referindo-se ao imunologista chefe da força-tarefa anti-Covid dos EUA, Anthony Fauci , e do diretor do FBI, Christopher Wray, defendendo que “melhor do que demiti-los” Trump deveria ter como ato inaugural de seu segundo mandato “a decapitação de Fauci e Wray e empalar suas cabeças nos portões da Casa Branca”. (Após essas declarações, o Twitter cancelou a conta de Bannon e o Youtube retirou o vídeo e suspendeu a conta por “pelo menos uma semana”.)

Ontem o mundo assistiu surpreso o corte de pronunciamento do ainda Presidente da República dos EUA por emissoras de televisão do país justificado por se tratar de mentiras e invocação à violência. Um presidente mentiroso, instalada na sede do poder, sabotando a democracia e a ordem pública.

Tudo isso que o mundo democrático está assistindo com um misto de constrangimento e apreensão deve ser objeto de profundas reflexões e mobilização de lideranças políticas e sociais visando ações efetivas para uma correção de rumos. O que ocorre hoje nos EUA, mostrando sua vulnerabilidade a situações que outrora eram vistas como típicas de nações subdesenvolvidas, explicita um estado de coisas de gravidade similar à de outros graves momentos da história mundial. A omissão e leniência com o inaceitável poderá ter um custo alto demais.

Arnaldo Cardoso, cientista político

Redação

1 Comentário

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  1. Lá no Tio Sam, parece que tem segundo turno, a ser disputado no tapetão
    Talvez no tapetão, a Nova Suprema, quem sabe, é Bidenista e o derrotado saia vencedor
    Nada é impossível

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