‘O rio’ e outros poemas de Poh Pin Chin

 

Wschód Księżyca (Moonrise)

Enviado por Felipe A. P. L. Costa

‘O rio’ e outros poemas de Poh Pin Chin

Por F. Ponce de León, do blogue Poesia contra a guerra

Desde 2006, mais de duas dezenas de poemas do poeta macaense Poh Pin Chin (1909-1984) já foram reproduzidas no blogue Poesia contra a guerra. Nos últimos dias, porém, após quatro deles terem sido publicados pelo Jornal GGN (ver ‘Quatro poemas de Poh Pin Chin’), colegas me escreveram pedindo outros haicais (haicus) daquele autor.

Estilo poético japonês, cujas versões traduzidas são tradicionalmente estruturadas em três versos (dois deles pentassílabos e um, o segundo, heptassílabo), os haicais usufruem hoje de alguma popularidade entre nós. Dois exemplos (ambos extraídos do blogue Poesia contra a guerra), em traduções de Manuel Bandeira (1886-1968) e Carlos Freire, respectivamente:

 

A cigarra

Matsuo Kinsaku [Bashō] (1644-1694)

 

A cigarra… Ouvi:

Nada revela em seu canto

Que ela vai morrer.

*

Um relâmpago

Sengai Gibon (1750-1837)

 

Com que comparar a nossa vida?

Com um relâmpago, com uma gota de rocio…

Assim penso – mas já não mais existe.

*

Caberia notar, no entanto, que Poh Pin Chin não era bem um adepto de haicais. A origem do mal-entendido talvez seja o fato de alguns poemas dele serem bem concisos, com um número mínimo de versos e palavras, mas a maioria não é assim. Espero que os exemplos reproduzidos abaixo sejam suficientes para ilustrar o que estou dizendo (para outros poemas, ver o blogue Poesia contra a guerra).

 

Calendário

Poh Pin Chin

 

Verão:

Noites curtas,

dias longos.

 

Inverno:

Noites longas,

dias curtos.

 

Mas o que diz

o calendário

quando noites

e dias encurtam?

*

O rio

Poh Pin Chin

 

Ora caudaloso,

ora inclemente,

brota manso

entre rochas

e corre ligeiro

sobre o cascalho.

 

O peso da água

e o cheiro do ar

dão trabalho e

distraem o capitão

que é também

o único passageiro.

 

Na foz, águas

turvas e sonolentas

encontram por um

instante o clarão do sal

antes de se entregarem

ao ruidoso vazio do mar.

 

Marcas, dores,

fortunas e troféus

ficaram para trás e estão

agora no fundo do rio,

o mesmo cujo percurso

barco algum jamais refez.

*

Luz de estrela

Poh Pin Chin

 

Luz de estrela

tão distante

que me alcança aqui

sozinho

após viajar infinitos quilômetros

e atravessar o entrefolhas

da minha amendoeira favorita –

o que a faz assim tão certeira?

*

Cada folha, individualmente

Poh Pin Chin

 

Quem passa

pela estrada

aqui embaixo

a essa hora

do dia

vê apenas

colunas de vapor

e montanhas

de cumes esverdeados

em volta do vale.

 

É preciso subir

para chegar

mais perto

da floresta e então

apreciar melhor

as árvores

que estão de pé,

seus ramos e

as folhas

que as recobrem.

 

Cada folha,

individualmente.

 

Pois

não são as folhas

que a névoa fina

toca e molha;

que o sol

ilumina e dilata;

que as mandíbulas

rasgam e trituram?

Não são as folhas

que esverdeiam a floresta?

 

Não são as folhas

que depois

de secas e soltas

dançam com o vento

e a gravidade

e terminam

sobre a terra

viva e escura,

onde a próxima geração

ainda dorme?

*

Redação

2 Comentários

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  1. O rio e outros poemas de Poh Pin Chin

    Fico imaginando o bem que faz alguma noção de Biologia…

    A natureza é de fato uma rede de informações e interatividade.

    Descrever o Universo que nos cerca, por fora e por dentro é poesia.

    E a rima, penta ou heptassilábica, acaba brotando com simplicidade.

     

    Reitero admiração pela expontaneidade do autor Poh, embora me comova a melancolia que, inquietante, procura meandros em suas lapidares linhas para se esgueirar e nos acenar com desdenho.

    Talvez não entendamos o recado das cigarras, mas uma sabe a hora em que a outra tem disponível para a urgente cópula. Eu compararia a vida a um relâmpago, mas seria forçado a comparar o tempo com uma flexível borracha, entendendo assim a imprecisa sensação da durabilidade de um calendário. Por fim arriscaria interligar, na instigante reflexão de Poh, a luz que viaja pela existência dos seres, sendo transformada em calorias por vegetais, à converção dos rios verticais das florestas em alimento para os mares, enquanto brotam as sementes das novas gerações.

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