A venda da Embraer e a ameaça à soberania nacional, por Renata Belzunces

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Foto: Divulgação

Por Renata Belzunces*

da Mídia Ninja 

Não é exagero afirmar que a compra de parte da Embraer pela americana Boeing, caso volte a ser liberada pela Justiça, ameaça à soberania nacional e pode resultar no fim da história da fabricação de aeronaves no país. O acerto comercial, que envolve bilhões e deixa a produção de aviões comerciais nas mãos de uma nova empresa a ser criada, torna difícil a sobrevivência do que restaria da Embraer. É real o risco de uma empresa tão estratégica para o país se transformar, em alguns anos, em uma mera fornecedora de peças para os Estados Unidos.

O último capítulo da venda aconteceu na última quinta-feira (20) quando a Justiça Federal de São Paulo concedeu liminar que suspendeu o negócio a pedido de processo aberto pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. A decisão foi do juiz Victorio Giuzio Neto, da 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, que já havia concedido outra liminar favorável à suspensão, revogada em seguida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF3).

A tentativa de venda envolve parte fundamental de nada menos que a terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo. A Embraer foi fundada pela Força Aérea Brasileira em 1969 e emprega hoje cerca de 16 mil trabalhadores, a maior parte na produção de aeronaves comerciais de pequeno porte no mundo. Esse setor da produção, caso venha a se confirmar o acordo com a Boeing, passaria quase em sua totalidade para uma nova empresa onde o governo brasileiro teria apenas 20% de participação e nenhum poder de controle, frente aos 80% que pertenceriam à empresa americana.

Apesar de não passar hoje por dificuldades, pelo contrário, visto o seu destaque no mercado global, a empresa trata a realização do acordo como algo “preventivo” para caso venha a perder espaço futuramente.

A Embraer, que seguiria após o acordo apenas com os segmentos de aviação executiva e militar, teria dificuldade de se manter em pé. Esta é a perspectiva por conta da venda do setor de aviação comercial, que sustenta o setor executivo e teria que trabalhar em sinergia com o setor militar.

O setor militar, especificamente, tem o governo como o seu principal demandante. Tanto o governo Temer, como o governo Bolsonaro, posicionam-se no sentido de fazer cortes em seu orçamento e forte ajuste nas contas públicas. É baixa a probabilidade de que sejam feitos gastos acentuados para sustentar esse setor da empresa por parte do governo. Nenhum dos dois setores pode conseguir sobreviver sem o segmento de aviação comercial.

Mas o que significa para o Brasil deixar de ter uma empresa forte como a Embraer?

A Embraer é uma empresa com inteligência militar e relação direta com a defesa e soberania do país. Em meio a um mundo onde países buscam se desenvolver ao proteger os seus grilhões tecnológicos e utilizá-los para fins próprios, ela é a principal empresa exportadora de alta intensidade tecnológica do Brasil e gera desenvolvimento junto a diversos institutos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), para mencionarmos apenas os que estão colados na sede da Embraer em São José dos Campos.

Abrir mão desse desenvolvimento tecnológico significa deixar de lado parcela da soberania do Brasil. Não há hoje destino econômico de um país que não esteja atrelado ao seu posicionamento em relação à inovação.

Corre o risco de ser liberado pela Justiça um negócio ruim para o país e que faz com que surjam especulações sobre quais seriam as motivações e interesses econômicos e políticos envolvidos por parte da empresa e do governo. Mesmo as Forças Armadas, que deveriam se preocupar especificamente com o setor militar da Embraer, não têm se oposto ao negócio.

O setor militar da Embraer possui atualmente produtos como o A-29 Super Tucano, utilizado pelos EUA em seus treinamentos, e o KC-390. Após isso, não haverá novos produtos a serem oferecidos e sabemos que o ideal é que o desenvolvimento de um novo produto seja iniciado logo após a comercialização de outro, devido à demora de todo o processo de desenvolvimento.

Sem produtos, seria o fim de um setor tão importante para a defesa do país, na qual são utilizadas, por exemplo, aeronaves nas fronteiras para realizar a vigilância com inteligência.

Vale ainda mencionar a situação dos cerca de 16 mil trabalhadores da Embraer quando analisamos as consequências do negócio realizado. Há entre alguns deles a expectativa de transferência para os EUA. Contudo, o principal interesse da americana Boeing consiste no setor de engenharia, no qual há 4,5 mil trabalhadores, que certamente não poderão ser absorvidos em sua totalidade. Discutir o destino dos funcionários da Embraer é preocupante quando falamos de uma empresa com histórico de demissões em massa, como ocorrido em 2009.

Em meio à tentativa de venda do setor comercial, fala-se agora em uma “velha Embraer”, em relação à empresa que seguiria com os segmentos executivo e militar, e em uma “nova Embraer”, para denominar a nova empresa com maior participação da Boeing e que ficaria o com o setor de aviação comercial.

Contudo, apesar dos signos empregados sutilmente nos discursos em favor da venda, não existiria uma “nova Embraer” com o negócio, e, sim, uma empresa alienada e adquirida pela Boeing, de um lado, e o que sobraria do que um dia foi a Embraer, do outro. A Embraer corre o risco de ser enfraquecida caso o seu setor mais importante seja vendido para uma empresa estrangeira.

 Saber e zelar pelo futuro da Embraer é de interesse fundamental para quem se importa com a soberania nacional e o futuro do nosso país.

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Renata Belzunces é economista técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)

 A compra de parte da Embraer pela americana Boeing, 

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

11 Comentários

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  1. É muito fácil dizer isso e

    É muito fácil dizer isso e aquilo sobre a EMBRAER, mas agora responda com sinceridade.

    Poderá a EMBRAER sobreviver contra a concorrencia da AIrbus que coprou a totalidade da Bombardier?

    Poderá a Embraer sozinha sobreviver contra esse gigante estatal que é a Airbus?

    É uma pena que isso esteja acontecendo com a nossa querida Embraer, mas haverá outra alternativa?

  2. O estatismo e o esquerdismo bocó

    Os críticos dessa joint venture agem como se a Embraer fosse uma estatal sendo privatizada e ficam com essa conversa mole de lesa pátria. Ora, isso já aconteceu há uns 25 anos quando foi adquirida por fundos internacionais e se não tivesse sido vendida teria falido e desaparecido do mapa. Seu faturamento anual é 1/ 15 avos da Boeing. Sua maior concorrente é a Bombardier absorvida pela Airbus. Só com o apoio da Boeing poderá participar dos maiores mercados. Não há riscos para o emprego de ninguem; pelo contrário, crescerá para fazer os criticos de hoje pagarem um mico num futuro próximo. Senão, fecha!

     

    1. Backlog

           Esta joint venture já era negociada há anos, no minimo seis , o mercado já aguardava este movimento de consolidação como a aquisição da Bombardier ( C-series ) pela Airbus, e da Embraer Comercial pela Boeing, apenas a movimentação fiscal americana quando “barrou” os C-Series acelerou o processo, e aeronaves canadenses “viraram” americanas do Alabama, com sede adm em Toluse

            Foi claro desde 2016, a queda do backlog da divisão Commercial Jets da EMB, chegando em outubro deste ano a um decréscimo de US$ 5,0 Bilhões, colocando em evidência que o futuro da “montadora” estaria em risco para cocnorrer com a Airbus/Bombardier, e dificuldades em mercados como a China ( AVIC associou-se a Boeing ), e Russia ( Sukhoy SuperJet ), até os japoneses do MRJ praticamente sairam do mercado ( < 400 opções, nem 100 “firmes” ).

  3. Setor “militar”

         Para não variar a compreensão sobre o papel da EDS ( Embraer Defesa e Segurança ) é pouco ou nada compreendida pelos que escrevem sobre o Grupo Embraer, trata-se de uma unidade de negócios independente, atuando em varias areas e não apenas relativa a aeronaves – aliás inconsistências são comuns, como no artigo acima.

          O A29B hoje montado em Gavião Peixoto, é na prática e no mercado, um produto componente do portfólio Pentagono ( DSCA/FMS ), oferecido para varios paises aliados aos USA, cujo financiamento  nem de longe podemos concorrer, e caso vcs. não saibam, determinados equipamentos e armas do A29B somente podem ser instalados nos Estados Unidos, pela Sierra Nevada (SNC ) e até pela Boeing ( integração de armas como a JDAM ) , detalhe: Até uma venda direta, tipo do Brasil para as Filipinas ( sem FMS ), tem que “passar” por autorização do Pentagono, pois o A29B utiliza muitos componentes norte-americanos.

           Outras informações, que parece que ninguem sabe, até gente que acha que sabe, deveriam estar em um artigo sobre o “setor militar ” da EDS, como o SisFron ( Consórcio Tepro ) que a Embraer, através de suas empresas SAVIS e Orbisat são as lideres, e até mesmo o programa relativo as Corvetas Classe Tamandaré (CCT ), no qual a EDS associada a ThyssenKrupp são finalistas no ” Consórcio Aguas Azuis “, com imensa probabilidade de vitória.

            KC-390 : Ser um excelente sistema, inovador, maravilhoso, no “estado da arte”, de futuro, NÃO basta – a industria de defesa historicamente tem varios exemplos que não “viraram” apesar de suas qualidades – e o road show do ‘390 mostrou tal fato, encomendas firmes só a da FAB, as demais “cartas de intenção” dos parceiros estão “penduradas”, tivemso mais 2 encomendas firmes de uma empresa civil australiana/portuguesa que presta serviços de logistica, e nada mais, e o apoio direto, caso uma joint venture com a Boeing, interessa muito a FAB, pois a cada venda de um ‘390 para mercado externo, uma parte do negócio “paga” os 28 encomendados pela FAB.

            P.S. : Um adendo importante, na “executiva” ( maior lucratividade da Embraer e parceiros ), produzir/montar a nova linha Praetor 500/650 em Melbourne – Florida, em matéria de custos é mais vantagem do que em Gavião Peixoto.

         

    1. E daí?

      Por isto, participação de componentes estrangeiros em aeronaves projetadas no Brasil, desqualificam a EMBRAER e merecidamente deve ser entregue de mãos beijados aos gringos? Como funciona realmente o consorcios europeu  Airbus?

  4. Lava Jato + Departamento de Estado EUA

    Você lembra que um dos objetivos da Lava Jato, além de criminalizar, destruir e prender toda a liderança do PT era também acabar com o setor de engenharia nacional ?! 

    Então, depois de acabar com a Odebrescht e desmoralizar todas as empresas brasileiras do setor no mundo, a Embraer é a ultima grande peça. 

    Com o seu fim, irão embora também os principais engenheiros do país e o principal centro de inteligência e formação de engenheiros do Brasil (ITA). Simples assim.   

    Setor intensivo em mão de obra muito qualificada, altamente inovador e estratégico para a economia e defesa do Brasil. 

  5. Quem pega o que é seu não faz ameaça

    “Pobre dos Luziadas, tão abandonado. Antes fosse pra soldado. Antes fosse pro Brasil” — Antônio Nobre, “Só”

    Nassif: a Belzunces, que me perdoe, tá pisando na jaca. Não fosse a boa gente que é eu diria que tá cheirando da fornecida por Aecim, cujo pó tem talco. Essa de “soberania”, então, é a pérola da coroa. Desde quando lacaio tem voz própria? Sim, porque há muito deixamos de ser quintal dos gringos. Hoje, com todo empenho dos VerdeOlivas, não passamos de quarto de despejo do pessoal do continente de cima. O Lixão a céu aberto.

    Quando se atribuiu ao presidente Charles Degaulle a declaração de que o Brasil não era um Pais sério (Guerra da Lagosta?) confesso fiquei um pouco indignado com o francês. Hoje vejo a verdade do dito, independente de quem a pronunciou. E assim tem sido.

    Por isto o questionamento: soberania implica em ser livre e independente. Com tal bando de sabujos e lambebotas pode uma Nação, qualquer que seja, dizer-se “SOBERANA”? Acho até um favor que a Boeing tá nos fazendo, administrando o que já era dela, bem antes de terem arrematado a preço de banana a fabriqueta que vai virar reles montadora, como nos carros.

     

  6. O argumento da autoridade

    Basta que venham as ferias de fim de ano, e o GGN, um portal progressista, de leitores progressistas, receba a visita de bolsominions. De ferias, longe das redes sociais, os progressistas apenas assistem passivos à propaganda dos apoiadores de Bolsonaro, que desqualificam a matéria sobre a desnacionalização da EMBRAER com o pífio argumento da autoridade, não com a autoridade dos argumentos. É risível dizer, “quem é a sra., ou srta., Renata Belunenses e a mídia NINJA para falar sobre a EMBRAER, nós os sabidos não fomos consultados!”. Pois bem, sabichões bolsominions, vamos comentar apenas alguns pontos de suas empáfias para recolar a questão em seu lugar. Primeiro, essa estadunidense dependência, como citou um dos foristas, é uma falácia. A EMBRAER, como todas as demais empresas do setor é uma montadora. É responsável pelo projeto de engenharia, a fabricação da fuselagem e componentes chaves como as asas e a cauda da aeronave. Como qualquer produto aeroespacial, ele necessita de versatilidade e adaptabilidade para ser comercializado em qualquer país do mundo. É por isso que uma empresa como a EMBRAER tem uma lista de mais de 6 mil fornecedores de avionicos e está instalada, com subsidiárias, em países tão opostos no espectro político, como os EUA e a China. Se, por ventura, uma venda a um país for motivo de restrição dos fornecedores de algum dos blocos ideológicos mundiais, faz-se a venda a partir de uma das subsidiária e troca-se a lista dos fornecedores. A questão não é como foi apresentada por alguns dos internautas. Os produtos “made in USA” não são os de “primeira linha” no mercado aeronáutico, pelo simples fato que não existem “produtos de segunda linha”. O fato é óbvio: aviões caem! Pessoas morrem! Não se homologa turbinas, por exemplo, que sejam “genéricas”, a ponto de terem sua qualidade questionada pelo mercado. Os fabricantes internacionais, sejam eles dos EUA, GB, França, Rússia, China ou Israel, etc., foram obrigados a qualificarem seus produtos em rigorosas avaliações feitas por agências internacionais, que duram em media 5 anos e não saem por menos de US$ 100 milhões de custo. Portanto, não há essa estadunidense dependência. Ao contrário, recentemente uma revista importante para o público corporativo ocidental,  como a “The Economist”, lamentou, em uma matéria de capa, que a consolidação do mercado aeronáutico na mão de duas companhias poderia ser desastrosa para o futuro da industria aeroespacial em todo o mundo, diminuindo a competição no setor, e, como consequência, provocando a diminuição de investimentos em P&D.  O governo federal errou sim, mas não apenas agora. Errou em 1994 ao privatizar a empresa e, novamente, em 2005, ao permitir a reestruturação acionaria que a desnacionalizou. Espero que 2019 venha logo, para que os progressistas retornem e possamos, novamente, ter o domínio dos argumentos e não a “autoridade” que nos domina nos debates nacionais. 

  7. A Embraer…….

    …….. é uma empresa privada, de capital aberto pulverizado (sem controlador). Suas ações são negociadas na B3, bolsa oficial de valores do Brasil, e na NYSE, bolsa oficial de valores de Nova York. Seus principais acionistas individuais são os fundos estrangeiros Brandes e Mondrian.

    A golden share do governo (que detem 5,4% atraves do BNDES) lhe dá direito de veto e condicionamento de decisões estratégicas. E ponto final. Se quiser impedir negociação que reestatize a Embraer e compre 94,6% das suas ações.

     

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