A Matriz de Responsabilidades e a reconstrução administrativa do Estado

Jornal GGN – Um dos principais argumentos contrários à realização da Copa do Mundo no Brasil era a suposta falta de experiência do país em sediar grandes eventos de caráter nacional. Embora o mundial de futebol já tivesse acontecido no Brasil em 1950, participaram naquela ocasião apenas 13 seleções, tornando o impacto logístico bem menor do que o modelo atual, com 32 delegações de atletas e comissões técnicas, 64 partidas com potencial de grande público – incluindo 600 mil estrangeiros – e grandes obras em 12 cidades-sedes.

O discurso derrotista da oposição ao governo federal, que afirmava que o país não teria competência administrativa para organizar o evento – bem diferente dos argumentos de movimentos sociais que se manifestaram contra a Copa –, não se concretizou. Mesmo a imprensa estrangeira, que dava um tom terrorista à realização do evento, mudou o discurso e reconhece que, em campo, as coisas aconteceram como deveriam: a falta de projetos de mobilidade não impediu o acesso aos estádios e o prometido caos aéreo não aconteceu. O chavão “Copa das Copas” ganhou boa parte do público.
Mas a realização do evento nesses moldes, em um país do tamanho continental do Brasil, não poderia acontecer sem a participação de todas as três esferas do Executivo, além do Judiciário, Ministérios Públicos e órgãos controladores, como os Tribunais de Conta. O esforço conjunto e pouco reconhecido entre tantas entidades públicas – mesmo que algumas, no caso de municípios, tenham falhado em executar obras previstas, principalmente de mobilidade urbana – é um fator importante não apenas para a realização de outros eventos esportivos, mas para servir de padrão a ser seguido em termos de gestão.

A Copa do Mundo no Brasil começou, de fato, no dia 13 de janeiro de 2010, quando foi assinada a primeira versão da Matriz de Responsabilidades, um documento que previa a delegação de obrigações do governo federal, 11 prefeitos e 12 governadores. Estabeleceram-se as responsabilidades de cada ente federativo na preparação do evento. O documento foi revisado várias vezes (a versão mais recente data de setembro do ano passado), chegando a ter algumas obras retiradas do documento, mas o principal manteve-se: a organização administrativa.

A matriz em resumo

Além da divisão entre esferas, a Matriz de Responsabilidades previa atribuições por temática. Para cada uma delas, o governo federal liberou verbas que foram repassadas aos responsáveis por cada uma delas, em cada Estado e cidade-sede, ou mesmo com responsabilidade federal.

Um exemplo desse último caso foram as “Ações de Segurança Pública: Integração de Instituições e Sistemas ”, que tiveram recursos na ordem de R$ 782,0 milhões . O documento previa que, entre maio de 2012 e abril deste ano, o governo federal deveria investir na aquisição de sistemas para centralização das operações de segurança. Inserido no mesmo período, a matriz também responsabilizava a esfera maior do país em relação à aquisição de solução para integração dos sistemas de radiocomunicação entre as instituições estaduais e com os órgãos federais.

Também ficou a cargo do governo federal, ainda do ponto de vista da segurança, o controle dos pontos de entrada no país , tarefa a qual recebeu investimentos de R$ 158,2 milhões . Mas a matriz previa ações conjuntas em etapas específicas, como no caso da segurança do evento . Destinando o valor total de R$ 230,0 milhões , as operações de segurança envolviam Estados, que são responsáveis pelas Polícias Civis e Militares, e os próprios municípios, com as guardas municipais.

Em geral, a Matriz de Responsabilidades é dividida da seguinte forma: para a maior parte das obras, o papel do governo federal foi disponibilizar recursos para os Estados agirem. Apesar de muitas críticas políticas à organização do evento, claramente visando as eleições, o esforço conjunto foi plural, envolvendo todo o país, independentemente de partidos – alguns Estados e municípios, por exemplo, são geridos por políticos de partidos de oposição.

Modelo de gestão

O esquema de gestão adotado por meio da Matriz de Responsabilidades representa um fator importante do ponto de vista administrativo para o país. Em entrevista a uma revista mexicana dias antes do início do mundial no Brasil, o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor Marcos Dantas, já afirmava sobre a importância do modelo de organização multi-esfera como fator de “reconstrução do Brasil”. “Os estados e municípios estavam desaparelhados para realizar as obras que lhe foram exigidas. Não raro faltam tanto burocracia pública, quanto empresa privada de engenharia com capacidade suficiente para sequer elaborar bons projetos”, disse.

E foram essas dificuldades que começaram a ser sanadas, mesmo com dificuldades e atrasos, graças a um modelo que, para ele, vai continuar. “Por outro lado, eu começo a acreditar que este será o grande legado desta Copa: as estruturas sociotécnicas que precisaram ser criadas ou fortalecidas (funcionalismo especializado, empresas de engenharia ou arquitetura, escolas etc.) vão prosseguir trabalhando até porque muitas obras importantes chegaram num estágio que não poderão deixar de serem concluídas. Vão ser concluídas com atraso em relação à Copa, mas vão ser concluídas. A Copa vai acabar se revelando um vetor fundamental de reconstrução do Estado brasileiro”.

Saindo do ponto de vista nacional, o modelo brasileiro tem reconhecimento no exterior – e não apenas pela “festa” realizada em campo e nas torcidas, mas no aspecto mais importante: o gerencial. O cônsul-geral da Rússia no Brasil, Konstantine Kamenev, elogiou a organização e preparação da Copa do Mundo no Brasil, reconhecendo que as falhas ocorridas são previstas em qualquer evento de grande porte. O país, que vai sediar o mundial de 2018, chegou a adotar alguns elemento de organização visto no Brasil como exemplos, como no caso da cidade de Cuiabá.

Até o sistema de proteção ao consumidor turista, criado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), deve ser “exportado” para a Rússia, por interesse daquele país. O Centro Integrado de Proteção ao Consumidor Turista da Copa do Mundo de 2014 é um serviço especial criado para atuar no período da competição. Equipado com um centro virtual, o sistema engloba – mais uma vez – uma parceria do governo federal com estados, municípios e representantes de mercado. O sistema foi criado em abril de 2013.

Veja, a seguir, um resumo esquemático da Matriz de Responsabilidades da Copa do Mundo, feito pela editoria de arte do Jornal GGN:

Redação

9 Comentários

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  1. Imprensa

    A imprensa jamais irá adimitir o sucesso do evento e sua responsabilidade pelo esvaziamento inicial gerada pela expectativas negativas disseminadas por seus tentáculos midiaticos .

  2. Que item mais bem escrito e

    Que item mais bem escrito e bem bolado!

     

    “Um dos principais argumentos contrários à realização da Copa do Mundo no Brasil era a suposta falta de experiência do país em sediar grandes eventos de caráter nacional”:

    Ta provado, agora sim, ta provado definitivamente:  a direita brasileira nao consegue construir merda nenhuma, nem sequer uma conferencia que seja…  e acha que o mundo todo eh igual a ela em incompetencia!

  3. Teste de stress

    O teste de stress da matriz será feito agora  com essa queda do viaduto em BH. Os pais da obra vão sumir e a batata quente será jogada para o alto. 

    Não houve caos aéreo ou no trânsito por causa dos feriadões pois:

    b) o recesso no Congresso aliviou o hub Brasília de vôos e a área hoteleira

    c) o recesso de grandes seminários/congressos em São Paulo aliviou o hub Congonhas e a área hoteleira

     

  4. Texto muito interessante

    Acho que realmente faltalva uma fonte mais detalhada sobre qual foi o papel de cada ente e quais eram as diretrizes básicas para a organização desse grande evento. Acho que essa deve ser a maior copa de todos os tempos mesmo. Quantas cidades-sede. Essa sacada do Lula foi genial. Ele chutou pra Dilma e ele fez um gol de bicicleta! LINDO! Espero que depois das eleições o PT vença síndrome de Stocolmo e pare de amamentar essa impressa ruim. Precisamos de uma TV estatal de excelência, como a BBC. o Gushiken bem que tentou, mas ele foi derrubado assim que começou a trabalhar… Coragem PT. O Brasil é grande demais para ficarmos refens desse PIG. Os blogs são ótimos, mas esse é um trabalho de formiguinha e é papel do estado garantir a informação. Precisamos de alternativas, além de uma lei de meios.

  5. Gostei do artigo

    Não tinha atentado para os detalhes da matriz de responsabilidade do evento Copa do Mundo, a analogia futebolistica foi muito feliz.

    Parabéns a todos os envolvidos pelos excelentes jogos que nos proporcionaram até agora.

    Sem dúvida, no futebol, esta é a Copa das Copas.

  6. Quase todos os exemplos de

    Quase todos os exemplos de sucesso citados no artigo são da esfera do Ministério da Justiça, o mesmo que é sistematicamente atacado e até ridicularizado pelo Blog em casos e fatos minúsculos.

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