Os moradores da cratera paulistana

Do Estadão

A vida dentro da cratera moldada pelo meteoro

Há 20 milhões de anos, um objeto vindo do espaço abriu buraco de 3,6 km de diâmetro na zona sul de SP. Lá, a 2h30 de distância de ônibus da Sé, vivem hoje 35 mil pessoas

09 de agosto de 2011 | 0h 00

Edison Veiga – O Estado de S.Paulo

É, sem dúvida, o mais antigo patrimônio histórico paulistano – protegido por órgãos estadual e municipal. A Cratera de Colônia, no extremo sul da cidade, foi formada por um meteoro que caiu ali há longínquos 20 milhões de anos. Hoje, em seus 3,6 quilômetros de diâmetro, vivem cerca de 35 mil pessoas. O bairro chama Vargem Grande, é resultado de um loteamento irregular e surgiu em 1987, depois que a União das Favelas do Grajaú (Unifag) rateou entre 3 mil pessoas a chácara comprada do alemão João Rinsberg. Dentro dele está a cratera. Lá não pega celular, o maior problema é o asfalto, que só existe nas ruas principais, e a Praça da Sé fica a 40 km. 

Quan”Quando era criança, não tinha nada disso, era só mato. Eu vinha aqui para brincar, caçar passarinho, pescar. Nem sabia desse negócio de cratera”, conta Emerson Reimberg, que nasceu em 1978 na vizinha Colônia Paulista, vila formada por imigrantes alemães, e hoje é um dos quatro carteiros que zanzam diariamente pelo bairro. Para não ter de subir e descer ruas com os 8 quilos diários de correspondência, costuma deixar parte da carga em pontos estratégicos – para pegar depois e continuar o trabalho. “Aqui é tão tranquilo que não tem problema nenhum”, conta ele, que conhece todo mundo e acabou virando guia informal da Expedição Metrópole.

Sua primeira dica foi a pizzaria dos “irmãos Cratera”. Irmãos Cratera? Sim, Alessandro, Gilmar e Roberto Almeida Alencar. Há cinco anos, eles abriram uma pizzaria ali e a batizaram de Cratera”s. “Foi uma homenagem ao bairro, porque o bairro merece”, diz Roberto. Não teve jeito, o apelido pegou – e virou motivo de orgulho. “Chegamos ao bairro há 19 anos, mas nem fazíamos ideia dessa história de cratera. Aí, quando descobrimos que era um local de preservação mundial, essa importância toda, decidimos dar o nome à pizzaria.” A pizza mais cara é a de camarão: custa R$ 22. A mais barata, de mussarela, sai por R$ 9,90.

Outra característica do bairro são as ruas com nomes de flores, árvores e aves. Tem a Rua Bálsamo, a Rua Coruja, a Rua Flor de Maracujá. A decisão foi tomada pela Associação Comunitária Habitacional de Vargem Grande (Achave), “para evitar que se tornassem nomes de gente para bajular este ou aquele político”, conforme explica a professora Marli Catucci, secretária da entidade.

E é ela quem esmiúça o imbróglio todo: o loteamento da Unifag foi cedido à Achave em 1991. Isso significa que nenhum morador é dono de seu terreno; tudo pertence à associação. “Moradores têm contrato de concessão de uso e posse.” Quem paga os impostos é a Achave. Em contrapartida, cada família precisa contribuir com taxa mensal de R$ 5 para a entidade. “Mas só 2% pagam hoje em dia”, desabafa. “No início, éramos mais unidos. Mas o desenvolvimento trouxe o “des-envolvimento” das pessoas, sabe?”

Teorias. A comerciante Lúcia Gagliardi mudou-se para Vargem Grande há 6 anos. Ela tem uma loja que vende de guarda-chuvas a artigos de papelaria. “O bairro está melhorando, tem uma metamorfose bem grande”, analisa ela, que abusa de teorias para explicar o fenômeno astronômico de milhões de anos atrás. “É cratera por causa do meteoro. O meteoro caiu em cinco países, mas só no Brasil é urbanizado. Mas aqui não era para ser urbanizado, era para ser só pesquisa…”

As informações oficiais – usadas para o tombamento da região – são um pouco diferentes. Baseadas em estudos geológicos feitos a partir dos anos 1960, dizem que o Brasil tem oito formações semelhantes e o mundo, cerca de 70. A cratera de Colônia, porém, é a mais próxima de um ambiente urbano.

Boa parte dos habitantes da cratera trabalha no centro. E enfrenta 2h30 de ônibus para ir, 2h30 para voltar. Caso do segurança Adilson Gomes. “Não reclamo, não. Acho que aqui falta asfalto e um banco, mas pelo menos tem posto de saúde, escola. Meus três filhos vão a pé para a escola. Isso não é bom?”

A maior luta da Achave nos últimos anos tem sido para legalizar as terras ocupadas. Não só legalizar, como também individualizar cada terreno, fazer de cada morador dono efetivo de seu imóvel. “A topografia da área já foi feita, agora é a Secretaria da Habitação (Sehab) terminar o processo”, afirma Marli.

A Assessoria de Imprensa da Sehab diz que a urbanização da área foi dividida em duas etapas. A primeira, iniciada em 2009, está na reta final. A segunda, em processo de licitação. “Toda a regularização fundiária em área de mananciais tem de ocorrer dois anos após o término da obra de urbanização, segundo a Lei Específica da Billings.” Segundo a Achave, 10 mil pessoas serão então removidas do bairro. A Sehab prefere não cravar um número. Outra grande expectativa da associação é para que o bairro se torne um “museu a céu aberto da cratera”. Mas Sehab e Secretaria Municipal de Cultura desconhecem o projeto. Emerson, nosso guia-carteiro, também não comenta o assunto. 

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador